Pages

Dante Filho: ambição, ganância e poder



No debate moderno (ou pós-moderno, como preferem alguns) o comportamento humano tem sido escrutinado sobre três eixos comportamentais. Em linhas gerais (estou simplificando), o capitalismo e seu motor de arranque (o consumismo) tem moldado valores e linhas de pensamento (até ideologias) que faz a vida gravitar em torno da ambição, da ganância e, consequentemente, da vontade de poder (conceito nietzchiano).

A ambição tem sido condenada pelos teóricos do pensamento crítico porque estabelece como critério o individualismo como forma de estar-no-mundo. O individualismo aqui é sinônimo de egoísmo. É um erro (embora bem intencionado). 

Trata-se do o sujeito que luta por todos os meios e todas as armas, oprimindo, explorando mão-de-obra geralmente por preço vil, para acumular mais valia, dentro daquilo "que o mercado oferece". Mas esse enquadramente não representa o empreendedor individual que atualmente renega a carteira de trabalho e celebra a iniciativa empreendora como jeito de viver a vida.

O fato de um indivíduo (pobre ou rico) impor metas em torno de um propósito e, por meios que a cultura da sociedade lhe dispõe institucionalmente, conquistar riqueza, fama e poder, nada disso é um mal em si. Nesse caminho há riscos, há derrotas, há traumas, mas também, em alguns casos, há gozo e vitória. 

Claro, é preciso ter sorte. Algumas biografias dos maiores bilionários do mundo sempre ressalta essa mistura de esperteza e oportunidade, com pitadas de genialidade, sem contar certas doses de frieza e crueldade.

Quando a ambição é vitoriosa, ela suscita a inveja. Mas isso é outro assunto. Nem toda a inveja é danosa. Na história da cultura ocidental, sob o predomínio do cristianismo, há imensos tratados sobre os invejosos, ou seja, aquele que não suporta o outro pelo que ele é ou se tornou ou pelo que ele tem (por conquista, herança etc) e nutre o desejo que tomar pra si a alma que o antagoniza.

Nem sempre é assim. Nos livros judaicos a inveja tem aspectos positivos, principalmente quando se trata de aquisição de conhecimento, talento artístico, construção de obras intelectuais. Nesses casos, a emulação visa superar o outro, o que produz a evolução da espécie, o desenvolvimento das obras e tecnologias, enfim, tudo que representa os ganhos materiais e imateriais da sociedade.

Creio que nas origens dos males humanos mais saniosos, abjetos e perigosos reside a ganância. Tem sido inútil até o momento, moral e eticamente, a luta contra este aspecto de nossa natureza. Ela produz a corrupção, a desigualdade social, a criminalidade, transformando o capitalismo e seus congêneres ideológicos na expressão pura da maldade.

O século XX acreditou que o socialismo de Estado (e o comunismo, algo que só existiu teoricamente) mitigaria a questão da ganância entre nós. 

Nestes regimes, hoje se sabe pela grande historiografia publicada, que as cúpulas partidárias nos países pró-soviéticos eram mais gananciosas do que o pior capitão de indústria ocidental. Por isso, a relativa distribuição da riqueza foi mais bem sucedida em países democráticos, pois os autocráticos não permitem qualquer manifestação que contrarie dos pequenos grupos de interesse incrustrado no poder.

Outro dia mesmo saiu na imprensa que o o Governo Lula decretou sigilo de 100 anos em contratos e documentos que envolvem mais de R$ 600 bilhões, uma atitude tão condenável quanto aquele no qual Bolsonaro decretou o sigilo do caso que envolvia as rachadinhas de seus filhos e congêneres, com a diferença de que Lula, quando candidato, prometeu transparência total de sua gestão.

O Brasil é um País engraçado: temos um governo autocrático e corrupto, uma burocracia paquidèrmica e gastadora, que mantém um poder judiciário autoritário e repleto de privilégios e um legislativo leniente com todas as formas de desmandos porque o eleitores adotam critérios tortos de escolha. 

Todos temos culpa pelo que somos.

Algumas vezes, por força da imprensa e redes sociais, surgem aqui e ali gritos espasmódicos, que às vezes provoca correções de rumo, mas na maioria das vezes tudo se acomoda na velha e conhecida "conciliação das elites".

Creio que numa sociedade que adotou o marketing, o desejo conspícuo e o hedonismo sem limites como padrão de conduta aceitável e admirável não vai conseguir superar, no âmago de sua existência, a questão da ganância, por mais que ela seja condenada da boca pra fora pela opinião pública. "Se eles fazem por que eu não posso fazer?" - esse é o senso comum.

Esse truísmo atravessa milênios. Por isso, entranha em nós o conformismo e sensação de desistência. É um vazio que nos molda e nos joga no abismo da desesperança. E agora, cada vez mais, afeta a saúde mental de bilhões de seres humanos que se encontram perdidos, acreditando no fim dos tempos e na chegade dos ETs. E dá-lhe Rivotril. 

Seria cômico, não fosse uma monumental tragédia pantagruélica.