Algumas pessoas só gostam de você quando você serve para alguma coisa. Não é crueldade. É um tipo de cálculo racional aplicado com certa frequência nesse cotidiano áspero e competitivo.
Chamam isso de amizade. Às vezes, de parceria. No fundo, é só conveniência travestida de afeto para alpinistas sociais. Digo isso sem ilusões: os canalhas são cada vez em maior número e não há nada que se possa fazer contra eles.
Com o tempo, aprendemos. Aprendemos que nem todo abraço acolhe, que nem todo convite inclui.
Há gestos que são apenas protocolos sociais. Automatismos. Só que um dia a alma se cansa disso. E você começa a selecionar. Logo aparece alguém e espalha a notícia de que você é arrogante. Essa é a grande maldade. Somos obrigados a nos transformar num produto de marketing de nós mesmos.
O verdadeiro eu se dilui e ficamos por aí tentando preencher vazios com bolhas imaginárias de sabão.
Os ciclos se encerram. E dói. Porque todo fim tem um luto. Mas é nessa dor que a gente percebe: a perda de certas relações não é fracasso. É um alívio. É como tirar uma roupa que foi ficando apertada e não cabia mais no corpo.
Na verdade, o sentimento é o de que nós é não cabemos mais no mundo. Nos sentimos traídos pelas contingências da vida, mas não temos como nos vingar, pois somos quase nada diante de nossas próprias emoções. É complicado.
Quando tudo parece desabar — carreira, vínculos, certezas — você fica sozinho com você mesmo. E isso, que parece o pior; é também o começo de algo. Um tipo de liberdade que não se aprende com elogios. Muitos olham pra você e pensa que endoidou. Nada disso: é apenas a sensação de uma breve liberdade que sopra como uma brisa suave que direciona suas ações para lá e para cá.
Quando os mapas se rasgam e a bússola gira em falso, é assim que você se orienta de verdade. É nesse ponto vazio que surgem os vínculos reais. Os poucos. Os que ficam.
Há amizades que duram enquanto você é o chefe, o rei do pedaço, o dono da bola, aquele que pode indicar, pagar ou abrir portas e oportunidades. Basta perder esse "poder", perde o outro também, que se afasta dando a desculpa dos inúmeros afazeres.
Não se ofenda. Isso é só a verdade. O obumbrante mundo real. E a verdade, como se sabe, às vezes é cruel.
Você segue a vida, deixando os mortos para trás, lamentando a imensidão do abandono acumulado. Com menos gente, menos ruído, menos distração. Mas com mais lucidez. E alguma paz.