Estátua da Justiça, em Brasília,
que estão querendo batizá-la de "Débora".
" Tornei-me conhecida dos brasileiros como a Estátua da Justiça. Como sou feita de pedra, fui condenada a me manter calada, presa num lugar fixo, tomando sol e chuva, sem poder reclamar. Essa é a vida a que fui destinada. Na verdade, nunca deram a mínima pra mim.
Desde a fundação de Brasília ali me puseram e ali fiquei. Como tenho uma venda nos olhos, não sei o que passa na esplanada dos ministérios. Não vejo, não escuto e não falo.
Mesmo assim, sei das coisas que acontecem na nossa república. Às vezes fico corada de vergonha, mas o que se há de fazer quando escolhem um papel para você e te transformam num símbolo. Claro que nunca ninguém perguntou se era isso o que eu queria da vida, mas uma estátua tem que conformar com sua primordial função estética. Sou um enfeite e sempre serei.
Quis a vida que a fama e o sucesso chegasse até a mim por conta da ação de uma moça chamada Débora, no 8 de janeiro de 2024, quando foi me dado a saber que celerados de todos os pontos do Brasil fizeram um quebra-quebra porque não aceitaram a eleição de um presidente da República.
Até aí, tudo normal. Já fiquei sabendo de outros eventos semelhantes e depois tudo voltou à normalidade. Mas a novidade dessa última rodada de baderna foi que a tal de Débora escreveu com um batom em meu ventre a frase "Perdeu, mané".
Não entendi as palavras, nem o que significa, pois minha função não é entender nada, pois como disse, sou um adereço. Não sinto dor, não tenho sentimentos, não faço escolhas. Mas achei estranho alguém usar um produto de maquiagem para deixar uma mensagem para quem passasse.
Se eu pudesse expressar minha vontade pediria para Débora passar o batom no lugar certo: em meus pequenos lábios, pelo simples fato de acreditar que isso valorizaria meu rosto. Sei que não sou uma mulher bonita, meu rosto é desproporcional, meu pescoço de girafa estraga o conjunto, mas com um toque de cor tudo talvez pudesse ficar melhor.
Débora errou. Ela não me embelezou. Mas reconheço que ela me tornou conhecida no mundo inteiro. Acredito que meu valor de mercado aumentou. Mas também sei que isso não adianta nada porque jamais serei uma garota do job porque os vetustos senhores do prédio ao lado sempre passaram por mim e me ignoraram.
Torço para que minha fama sirva para alguma coisa. Tem gente já me chamando de Débora. Não sei se seria adequado, mas nunca pensei que seria batizada com um nome humano. Se pudesse escolher, adotaria outro, algo mais apropriado para o momento, quem sabe Rosângela, que é um nome forte de quem gosta de aparecer.
Prefiro manter o recato e ser lembrada como símbolo da justiça, pois a justiça mesmo está sendo dia a dia mutilada, desonrada e enganada por quem prefere me usar para praticar vingança contra pessoas que viveram momentos de engano, fizeram besteira, ludibriados pelos aproveitadores de sempre.
Se me dessem o poder da fala eu pediria aos senhores supremos que ajoelhassem, abaixassem a cabeça em contrição, fizessem um profundo exame de consciência perguntando a si mesmo se toda essa raiva vingativa vale a pena.
Acho que não. Olhem para meu rosto. Percebam que estou serena e precisando de paz.
Muito obrigado por me deixarem falar. Não haverá uma próxima vez."
Mesmo assim, sei das coisas que acontecem na nossa república. Às vezes fico corada de vergonha, mas o que se há de fazer quando escolhem um papel para você e te transformam num símbolo. Claro que nunca ninguém perguntou se era isso o que eu queria da vida, mas uma estátua tem que conformar com sua primordial função estética. Sou um enfeite e sempre serei.
Quis a vida que a fama e o sucesso chegasse até a mim por conta da ação de uma moça chamada Débora, no 8 de janeiro de 2024, quando foi me dado a saber que celerados de todos os pontos do Brasil fizeram um quebra-quebra porque não aceitaram a eleição de um presidente da República.
Até aí, tudo normal. Já fiquei sabendo de outros eventos semelhantes e depois tudo voltou à normalidade. Mas a novidade dessa última rodada de baderna foi que a tal de Débora escreveu com um batom em meu ventre a frase "Perdeu, mané".
Não entendi as palavras, nem o que significa, pois minha função não é entender nada, pois como disse, sou um adereço. Não sinto dor, não tenho sentimentos, não faço escolhas. Mas achei estranho alguém usar um produto de maquiagem para deixar uma mensagem para quem passasse.
Se eu pudesse expressar minha vontade pediria para Débora passar o batom no lugar certo: em meus pequenos lábios, pelo simples fato de acreditar que isso valorizaria meu rosto. Sei que não sou uma mulher bonita, meu rosto é desproporcional, meu pescoço de girafa estraga o conjunto, mas com um toque de cor tudo talvez pudesse ficar melhor.
Débora errou. Ela não me embelezou. Mas reconheço que ela me tornou conhecida no mundo inteiro. Acredito que meu valor de mercado aumentou. Mas também sei que isso não adianta nada porque jamais serei uma garota do job porque os vetustos senhores do prédio ao lado sempre passaram por mim e me ignoraram.
Torço para que minha fama sirva para alguma coisa. Tem gente já me chamando de Débora. Não sei se seria adequado, mas nunca pensei que seria batizada com um nome humano. Se pudesse escolher, adotaria outro, algo mais apropriado para o momento, quem sabe Rosângela, que é um nome forte de quem gosta de aparecer.
Prefiro manter o recato e ser lembrada como símbolo da justiça, pois a justiça mesmo está sendo dia a dia mutilada, desonrada e enganada por quem prefere me usar para praticar vingança contra pessoas que viveram momentos de engano, fizeram besteira, ludibriados pelos aproveitadores de sempre.
Se me dessem o poder da fala eu pediria aos senhores supremos que ajoelhassem, abaixassem a cabeça em contrição, fizessem um profundo exame de consciência perguntando a si mesmo se toda essa raiva vingativa vale a pena.
Acho que não. Olhem para meu rosto. Percebam que estou serena e precisando de paz.
Muito obrigado por me deixarem falar. Não haverá uma próxima vez."