A crise ambiental tornou-se as
bruxas malignas da modernidade
Um pouco de história: no século XVII, quando as colheitas fracassavam e a fome assolava comunidades inteiras na Europa medieval, a solução era simples: caçar mulheres acusadas de bruxaria nas cidades e vilas.
Sob tortura extrema, elas confessavam ser responsáveis pelas geadas que destruíam plantações e pelas chuvas que nunca vinham.
Em meio a pressão das chamas de fogo, elas diziam que voavam pelo céu com unguentos feitos a partir de gordura de crianças e jogavam veneno sobre as lavouras.
Foi um período de delírio coletivo, alimentado pela crença de que a natureza operava segundo uma lógica moral imposta pelos homens, onde tragédias da vida tinham que ser culpa de alguém que sabia pronunciar o misterioso abracadabra capaz de afetar os céus e a terra.
O historiador alemão Wolfgang Behringer identificou que o pico desses desastres naturais, conhecido como a ‘Pequena Era do Gelo’, ocorreu junto com o auge das perseguições às mulheres acusadas de bruxaria. Entre 1560 e 1630, ondas de frio, secas severas e inundações devastaram a Europa, alimentando a histeria coletiva e reforçando a necessidade de encontrar culpados para o caos ambiental.
Voltamos ao presente: em 2024, a enchente que devastou o Rio Grande do Sul reacendeu essa lógica primitiva. Dessa vez, o vilão não era uma bruxa, mas o governador gaúcho Eduardo Leite, acusado de provocar a tragédia com mudanças em regras ambientais.
Pouco importava que as alterações, que permitiram a construção de reservatórios em áreas de proteção ambiental, tivessem sido feitas semanas antes da enchente, sem tempo hábil para qualquer impacto significativo.
A necessidade de apontar culpados foi mais rápida do que qualquer análise séria e honesta dos ambientalistas.
Michael Shellenberger, em “ApocalypseNever”, argumenta que esse tipo de pensamento não é apenas equivocado, mas cafona. Explico para os doudivanas do clima: ele aponta que fenômenos climáticos extremos, como enchentes e secas, têm múltiplas causas, e que a solução está em reforçar a infraestrutura e a resiliência das comunidades, não em culpar agentes isolados.
Permitir reservatórios em áreas de proteção ambiental, por exemplo, é uma medida racional para aumentar a capacidade de armazenar água em períodos de seca e controlar enchentes em períodos de chuva excessiva. Esse tipo de política reduz a vulnerabilidade de regiões inteiras às mudanças do clima, mas depende de tempo e planejamento para surtir efeito.
O Rio Grande do Sul, como boa parte do Brasil, enfrenta desafios que vão além da política local. O aumento da frequência e intensidade de eventos extremos não é uma punição moral ou apocalíptica da natureza, mas uma combinação de variabilidade climática, décadas de desmatamento, urbanização desordenada e, em parte, mudanças climáticas globais.
Shellenberger alerta contra o alarmismo climático que transforma problemas complexos em narrativas medíocres, muitas vezes ignorando soluções práticas e viáveis. Ele defende que devemos abandonar o pânico e no mi-mi-mi em favor de políticas baseadas na "ciência". O ambientalismo hoje está no cerne da mais notável picaretagem. O assunto assusta e provoca fervor revolucionário. A fórmula correta para enganar jumentos.
Infelizmente, a lógica do bode expiatório ainda é sedutora. Ela nos dá a ilusão de termos encontrado um vilão para punir com pedras e chibatas.
No século XVII, queimavam-se mulheres. Hoje, o tribunal da internet se volta contra políticos, empresas ou quem quer que seja conveniente demonizar.
Essa reação, além de ser uma fuga da realidade, impede o debate sério sobre como nos preparar para um futuro cada vez mais imprevisível.
O maior erro é tratar catástrofes naturais como oportunidades para alimentar narrativas políticas.
Em vez de fortalecer a infraestrutura, investir em prevenção e adotar soluções inteligentes, como as defendidas por Shellenberger, preferimos o caminho mais fácil: atirar pedras e o clima não responde a acusações ou a disputas morais. Ele segue sua própria lógica, indiferente às nossas mesquinharias.
O desafio do nosso tempo é aceitar que o mundo natural não é justo ou previsível. Ele exige de nós menos superstição e mais razão.
A resposta para tragédias como a do Rio Grande do Sul não está em encontrar culpados, mas em agir com inteligência e coragem para enfrentar os desafios que virão — porque eles virão. E a natureza, como sempre, não pedirá licença.