Vão me questionar: por que afirmo que o livro de Fábio Trad - " As ruas que ainda transitam em mim" - é a melhor obra de literatura de Mato Grosso do Sul neste 2024?
Você leu tudo que foi publicado na nossa terra para fazer uma afirmação tão categórica como essa? Qual o critério? Como você chegou a essa conclusão?
Calma, calma. Posso dizer que muita coisa que o mundo literário local despeja por aí não leio nem quero ler.
Vivemos num lugar que muita gente comete versos, outros publicam historietas aqui e ali, alguns (muitos) tentam faturar nas costas de Manuel de Barros, mas sou obrigado a reconhecer que a sub sub sub literatura é solene e imperiosa em nossa terra.
Confesso que não leio tudo, mas busco aquilo que se me apresentam como trabalhos referenciais que esboçam a alma nativa e que soletram nosso imaginário social.
Como não temos o hábito da crítica em nossa imprensa e tudo que é lançado fica restrito aos elogios rasgados dos diletos membros das mesmas panelinhas, então, devolvo a questão: como saber o que temos de melhor em nossas letras?
Claro que não dá pra fazer isso lendo o suplemento literário da Academia Sul-mato-grossense de Letras no Correio do Estado.
Claro, ficamos aprisionados no referencial Manoelino, com sua panelinha aflita, não permitindo que ninguém se destaque porque esse é um campo de ciumeiras, sem contar a disputa pelo legado do melhor amigo ou amiga do "poeta pantaneiro". É ridículo.
O livro de Fábio é um caleidoscópio de crônicas, cuja graça e beleza nos coloca em sintonia direta com o melhor das letras nacionais: texto simples, linguagem direta, frases de efeito repletas de inteligência, enfim, um tratamento narrativo que valoriza o pensamento humano naquilo que lhe é essencial.
Fábio sabe brincar com as histórias que conta, combinando humor e dor de maneira magistral. Os textos não têm um encadeamento lógico, ou seja, não há uma temática uniforme, o que dá a vantagem de o livro ser lido com folheamento aleatório, da maneira mais descompromissada possível.
Gosto disso em livros de contos ou crônicas porque não se exige do leitor compromisso efetivo em percorrer linearmente as histórias contadas, da mesma maneira que é divertido andar ao leú pelas ruas de uma cidade.
Neste ponto, "As ruas..." encontra sua verdade: Fábio fala de Campo Grande - cidade que ama - de maneira glamorosa, sutil, fazendo graça com seus personagens e consigo mesmo, falando de várias fases de sua vida como se a cidade e o autor fossem uma coisa só, amalgamando-se num único fluxo de vida.
Pro meu gosto o livro tem um defeito: a apresentação gráfica desmerece a obra porque parece aqueles livros dirigidos para o público adolescente, algo que desmente inteiramente o conteúdo da obra.
Mesmo assim, é um detalhe menor diante de crônicas como "Quer praticar filosofia? Vá ao cemitério!", "A promessa profana", "Algo aconteceu depois do cérebro" e muitas outras que são antológicas, das quais torço para que fique para a história de nossa literatura.
Ave, palavra.
Fábio Trad é advogado, escritor e ex-deputado federal.