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Figueiró: 90 anos




Dante Filho*****

O ex-senador Ruben Figueiró completa, neste domingo (03/10/2021), 90 anos de idade. Volta e meia conversamos, pessoalmente ou por telefone, trocando impressões políticas, discutindo livros e autores, comentando a passagem do tempo, lembrando de acontecimentos alegres e tristes, falando da vida...

Posso dizer que depois de uma boa prosa com Figueiró a sensação que fica é a de que você ganhou o dia, aprendeu coisas novas e boas. 

Sempre fico impressionado com a sua lucidez, a capacidade de analisar contextos, a memória grandiosa, sua generosidade para com aqueles que pensam de modo adverso. 

Figueiró foi um liberal da velha cepa, formado na estufa da UDN, parlamentarista, que, com o tempo, migrou para a social-democracia, tornando-se um democrata convicto, sabendo ser um "bagre ensaboado" entre os radicais. 

Sua origem familiar remonta os pioneiros do Estado, que aqui chegaram no século XIX, dominando vasta região de Rio Brilhante e Campo Grande. Uma das principais avenidas de Campo Grande tem o nome de seu pai, o eterno Gury Marques.

Viajamos em várias campanhas eleitorais por todo o Estado. Em cada região que passamos, Figueiró mostra profundo conhecimento histórico, politico e econômico. Falar em conhecimento enciclopédico é usar como recurso um chavão batido, mas não encontro outra definição.

Em cada estrada, cada cidade ou distrito, centenas de fazendas, Figueiró já palmilhou milhares de vezes. Nessas viagens presenciei cenas emocionantes, mas prefiro contar outro dia...

Aprendi mais sobre a história (sul) mato-grossense do que dezenas de livros que havia lido.

Figueiró foi um dos artífices da criação de Mato Grosso do Sul, um habilidoso político que soube durante a ditadura costurar acordos, abrandar vaidades e impedir que o divisionismo fracassasse.

Na elaboração da Constituição de 88 sua diligência e capacidade de articulação foi fundamental para que muitos itens fundamentais da Carta não virasse uma barafunda. 

Nos muitos anos que trabalhei com parlamentares e dirigentes de várias tendências, com temperamentos diversos, ideologias e propósitos antagônicos, posso dizer com certa tranquilidade que Figueiró é uma espécie de avis rara. Ele é um dos pouquíssimos políticos que conheço e conheci que sabe qual o real valor do diálogo harmonioso, profundo e bem cadenciado, o tempo certo do som e do silêncio.

A maioria adora ouvir a própria voz, com aquela postura autocrática dos professores de deus, que só conversa com assessores para que sua própria opinião seja referendada pelo eco imaginário de suas vaidades.

Figueiró é diferente. Ele expõe seu pensamento de forma límpida, enumera seus pontos de vista, explica as implicações da cada decisão que poderá tomar, e, em seguida, lhe dá oportunidade de interlocução, ouvindo atentamente o pensamento do outro. 

Sempre com voz mansa, rosto sereno, sorrindo, quando ele percebe que suas opiniões padecem de timidez e insegurança, ele permite que o ambiente se arrefeça, contando sempre uma historinha engraçada  ligado ao assunto, dando seguimento à conversa para que a troca de ideias se aprofunde, surjam novas ideias e se possa firmar as convicções. 

Nos temas cruciais, Figueiró gosta de despachos longos, nos finais de tarde, de modo que as coisas fluam e sejam amadurecidas com a noite de sono e assim possa tomar decisão. Não há afobamento, não se levanta a voz, tudo faz parte de um aprendizado. 

Mesmo nos momentos mais tensos, Figueiró sabe chamar sua atenção, mexer nas suas feridas e apontar com precisão seus erros, sem humilhar ou fazer prevalecer sua superioridade hierárquica. Trabalhar com uma pessoa assim é mais do que um prazer, é um ensinamento para toda uma vida.

Neste aspecto, Figueiró se parece muito com o ex-governador Wilson B. Martins. Sabe ouvir, ser justo e decidir com olhar humano fatos e coisas que muitas vezes qualquer pessoa acharia inumano.

O ex-senador Ruben Figueiró é um patrimônio histórico de Mato Grosso do Sul. Seus livros, suas entrevistas, seus discursos, seus artigos, suas reflexões e sua conduta ética são por si só seu legado a ser preservado para sempre. 

Vida longa, Senador.