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Paula Cesarino Costa: A boa notícia é a ruim


Artigo da ombusman da Folha de S.Paulo publicada hoje comenta tema de interesse geral, devendo ser avaliada por jornalistas e autoridades, como ponto de partida para uma discussão sobre a complexidade de um assunto que mobiliza atenções:

" 'Notícia ruim é notícia boa' é uma daquelas máximas repetidas à exaustão no meio jornalístico para justificar o domínio de notícias negativas na imprensa e na mídia, em geral. Abundam nas primeiras páginas casos de corrupção, escândalos, desemprego, crimes, violência, desastres, terrorismo.

A mídia cria esse viés de notícias negativas ou responde à preferência da audiência por más notícias em vez de buscar as boas notícias? Pergunta difícil.

Duas pesquisas que parecem contraditórias, mas não o são, dimensionam a dificuldade que os jornalistas encontram em satisfazer o leitor.

Estudo do Pew Research Center reuniu 165 pesquisas nacionais sobre as preferências por notícias nos últimos 20 anos nos EUA. Relatos de guerra e reportagens sobre terrorismo estão no topo do interesse desde 1986, quando o estudo começa.

Cada vez mais frequentes, histórias sobre desastres naturais causados pelo homem perderam interesse nesse intervalo. Notícias envolvendo dinheiro foram as que se tornaram mais atraentes com o tempo.

A segunda pesquisa demonstrou que leitores compartilham mais notícias positivas do que notícias negativas. O estudo liderado pelo psicólogo Jonah Berger, autor do livro "Contágio: Por Que as Coisas Pegam" (Leya, 2014), mostrou que histórias que despertaram emoções –especialmente positivas– eram mais propensas a serem compartilhadas pelos leitores.

Jornal com marca crítica que muitos leitores confundem com ranzinzice, a Folha sempre se manteve atenta à necessidade de valorizar notícias positivas.

Em 14 de julho de 1991, o jornal lançou a seção "Boa Notícia", que permaneceu na primeira página até 19 de janeiro de 2006. Em 14 de junho de 2010, a seção voltou a ser publicada por período mais curto, tendo sido novamente interrompida.

No início deste ano, o jornal rebatizou a seção, agora chamada "Dias Melhores", e anunciou tem o intuito de "oferecer informações positivas e inspiradoras". O editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, diz que a demanda do leitor por boas notícias é forte. "Jornalismo também é apontar com exatidão e profundidade as notícias que indicam progresso, melhoria, superação."

O cardápio de quarenta reportagens incluiu textos ligados a temáticas sociais, pesquisas de saúde e ciência, projetos comunitários, iniciativas de solidariedade e narrativas de superação pessoal ligadas à pobreza, educação e saúde.

A primeira reportagem descrevia projeto de oficinas em Portugal que ensinam idosos a grafitar. O leitor Gabriel de Oliveira Santos contestou: "É uma modalidade polêmica de arte, que interfere na propriedade terceiros e se impõe autoritariamente aos outros sem consulta, por isso não está sendo bem vista por grande parte da sociedade."

A reação explicita como não é tão simples nem óbvio eleger o que é bom exemplo. Esse é apenas um dos desafios. É preciso ter coragem e método ao fazer escolhas.

Acho a iniciativa louvável, mas incomoda que a saída encontrada para esta demanda dos leitores tenha ares de experiência requentada, em vez de inovadora.

Já existem no Brasil e no exterior vários sites, páginas e jornais que publicam apenas notícias positivas.

O mundo mudou, o leitor mudou, e o jornal tem de mudar. Repetir uma fórmula do passado, apenas com nova roupagem, funciona?

Serviu para obrigar o jornal a publicar notícias boas, mas não mudou a forma de fazer e pensar o jornal. Reportagens positivas devem sair do nicho e passar a ser discutidas ao lado da investigação que poderá vir a derrubar um ministro.

Políticas públicas de sucesso, por exemplo, são quase sempre ignoradas pelo jornal. Em geral, porque são mais difíceis de avaliar técnica e desapaixonadamente. São, entretanto, mais importantes em termos de penetração social e relevância histórica do que temas episódicos de superação -que também merecem ser editados com destaque.

A Folha não abandonará jamais sua vocação principal de investigar e fiscalizar os poderes estabelecidos –o que já faz com grau de excelência frequente. Não pode, entretanto, ser tomada pelo espírito de "fracassomaníacos", como se queixou um ex-presidente.

Precisa ter a ambição de alcançar uma nova maneira de apresentar notícias inspiradoras que também sejam relevantes. Esta preocupação deve estar refletida na pauta do jornal, na execução precisa da reportagem e na edição atraente do tema. Notícia é notícia, seja boa ou não. Independe de dias melhores".