Sei que comentar debate televisivos, principalmente numa eleição emocionalmente polarizada, pode-se abrir espaço para a parcialidade, motivada sobretudo pela simpatia que se pode ter, eventualmente, por um ou outro candidato.
Nosso cérebro tende a ver qualidades em quem preferimos e defeitos em quem não gostamos.
Há sempre uma pergunta final: quem venceu o debate da TV Morena na noite passada?.
Se já decidimos votar num dos candidatos sempre vamos dizer que foi ele quem ganhou. Isso é natural. A neutralidade é derrubada pela escolha prévia ditada pela decisão já tomada.
O debate, enfim, nesse caso, torna-se instrumento útil para os indecisos ou para aqueles que estão com vontade de abster-se ou indicar voto nulo ou branco.
Digamos que o candidato de minha preferência cometeu gafes, falou errado, mostrou fragilidade e desconhecimento administrativo, foi agressivo e arrogante, pisou na bola, engasgou e, nos questionamentos mais duros, saiu pela tangente.
Se eu gosto dele, nada fará mudar meu voto. Desconsidero as falhas e sigo em frente. O córtex cerebral minimiza erros e diz para a minha vontade que nada me fará mudar.
Por isso, devo confessar que me encontro numa posição desconfortável ao analisar esse debate sob a ótica da escolha de um dos candidatos.
Vou fazer diferente: prefiro compreender como o debate nos ajuda a se posicionar em relação a Rose e Marquinhos.
Se estivéssemos numa sala de estudo de uma universidade, naqueles famosos laboratórios de estudo de comunicação, e repetíssemos o debate várias vezes para analisá-lo, veríamos Rose Modesto nervosa, meio abatida, incomodada, meneando o corpo a cada resposta, como se vivesse um momento muito ruim em sua vida.
Se tirássemos o som do vídeo seu corpo falaria mais do que suas palavras. Ela estaria expressando desespero e dor, com o rosto em contração, olheiras fundas, apelando para a nossa complacência diante do peso que o momento lhe exigia. Quem quiser comprovar minha tese, basta ver o replay.
Rose estava mal vestida , usando um jeans e um salto alto que não combinavam entre si, uma blusa branca e um terninho rosa que expressava certo desleixo. Melhor não falar dos cabelos, pois, decididamente, ela não deve ter um Celso Kamura a lhe auxiliar. Tudo bem, Rose não é vaidosa, mas a ocasião exigia um pouco mais de cuidado com a aparência.
Marquinhos, ao contrário, mesmo com 54 anos, parecia um menino, jovial, seguro de si, vestindo informalmente, falando coisa com coisa, raciocínio reto, tranquilo e respeitoso, mesmo nos momentos mais duros.
Sua expressão facial denotava senso de vitória, seus argumentos eram convincentes, suas respostas tinham lógica, mesmo quando os fatos questionados pela adversária indicavam que ele estava nas cordas.
Debates como esses não são feitos para apresentar soluções para a cidade. A vida é mais complexa do que isso. Ninguém sabe como vai encontrar a máquina da prefeitura; por isso, apresentar propostas e fazer promessas são investidas inócuas. Mesmo que sejam importantes. Mas isso é apenas tangencial.
O ideal seria que cada candidato firmasse alguns compromissos com a cidade: rigor contra a corrupção, não gastar mais do que arrecadar e não dar espaço ao patrimonialismo. O resto seria apenas detalhes ou consequência de processos mais amplos.
Quem assistiu ao debate sabe que a pauta concentrou-se na personalidade, história e reputação dos concorrentes. Nos três quesitos, no meu modo específico de ver, ambos se saíram mal ao olhar moralista e moralizador dos telespectadores.
Só que Rose se saiu pior porque o conjunto de sua obra - hegemonia, tráfico de influência, acordos políticos nebulosos, relacionamentos não confiáveis, abuso de poder, oportunismo etc, etc - não sinaliza na direção dos bons caminhos da chamada "nova política".
Marquinhos Trad, mesmo com todas as suas contradições e problemas, indica alguma chance de administração republicana e eficiente até porque o debate mostrou que ele fez um aprendizado de campanha que Rose não conseguiu fazer.
A questão da compra de votos que se espraiou pela cidade é essencial para essa compreensão.
Marquinhos entrou nesse processo eleitoral espargindo desconfianças imensas sobre seu conservadorismo religioso, sobre sua conduta política (para muitos demagógica), sobre seu temperamento mercurial (o que o remete a comparações com Alcides Bernal), mas está saindo dele com outra imagem: um político maduro, alguém que sabe fazer concessões ideológicas, que sabe endurecer sem perder a ternura, enfim, um candidato muito mais preparado do que sua adversária para administrar Campo Grande.