Circula pela internet, em um número cada vez mais expressivo de comentários e páginas, a pretensiosa genialidade de Belchior, como uma variante da expressão "fundo do poço", que demonstra a que ponto chegamos em se tratando de estágio cultural do brasileiro.
Desmistificar essa história passou a ser um serviço de utilidade pública, contra aqueles que querem transformar o artista em mito, muito mais pelo seu folclórico sumiço do que pela sua capacidade autoral.
Tudo indica que a construção dessa mitologia ao compositor nasceu na imaginação de algum fã oriundo da imprensa, cujas as intenções talvez fossem apenas humorísticas, antes de ganhar adeptos pelo Brasil.
A idolatria a Belchior ganhou força a partir de 2009, quando o cantor foi visto pela última vez como um poeta errante vagando pelo hemisfério sul. Naquela época, emissoras de TVs vasculharam o país à procura do artista ou atrás de respostas para explicar o desaparecimento repentino do cantor. Vale lembrar que antes disso, o bigode padecia do esquecimento da mídia, sobrevivendo com meia dúzia de shows mensais.
Desde John Lennon convivemos com essa praga das celebridades que aumentam seu capital de credibilidade quando decidem dar um tempo ou encerram a vida artística.
Na década de 1970, o ex-Beatle viu a fama aumentar e seus discos dobrarem as vendas depois que deixou os palcos e os holofotes para se dedicar exclusivamente a paternidade do filho Sean.
Belchior não tem o mesmo prestígio de Lennon, nem a mesma capacidade criativa de colocar em uma melodia o sentimento de uma geração carregada de sonhos e frustrações. E para efeito comparativo, ganhou muito mais notoriedade pelo seu desaparecimento do que pelo conjunto da obra.
Na semana em que Belchior completa setenta anos, o caderno de cultura do Estadão faz espuma na internet e ressuscita a lenda da genialidade do cantor, alegando que fluência em idiomas, predileção por física quântica e curiosidade literária são predicados suficientes para alçá-lo da condição de artista mediano para o status de genial. Vá entender esses jornalistas.
De meu lado acho Belchior um personagem simpático. Um maluco beleza. Ou melhor, a versão voz anasalada de Raul Seixas e que cuja maior contribuição para a música brasileira foi emprestar a canção “Como Nossos Pais” para Elis Regina consagra-lá em uma interpretação memorável. Acho que tá de bom tamanho para ficar na história.
*Jornalista. Campo Grande-MS