Alexsandro Nogueira: A testemunha silenciosa
Não demorou uma semana e percebemos que papai sumia do serviço antes do fim do expediente. Ora no período matinal, ora em passeios vespertinos. Em casa, não tinha fome nem disposição para estar conosco. Tudo muito estranho. Mamãe começou a segui-lo de longe.
De manhãzinha, preparávamos uma matula reforçada pra ele aguentar o pique no serviço: ele trabalhava num galpão de sementes que ficava a poucas quadras de casa.
Ali, junto às sacarias de grãos, passava o dia espiando o passar de mulheres na rua.
No fim de tarde, pontificava com dois ou três amigos no Bar do Adão. Um boteco mequetrefe, ponto de encontro da vizinhança. Encostado junto ao balcão se esbaldava e suavizava a vida no frescor das cervejas.
Mamãe desconfiava que papai estava de safadeza com uma manicure miudinha que morava do outro lado da rua.
Suspeitava que essa mulherzinha se deitava com ele em plena luz do dia, bem atrás das sacas de soja. Papai dizia aos amigos que preferia as baixinhas porque tinham molejo na cintura e bom movimento de pernas.
Quando recebia a quinzena, dava uma escapada e corria com ela para o motel mais próximo. Nas casinhas de pecado, comiam calabresa e tomavam cerveja gelada, sempre depois das estrepolias do amor repleto de névoa e culpa.
Mamãe não entregava os pontos, fingia que nada acontecia e enfrentava com otimismo as crises matrimoniais. Atendia a qualquer chamado de papai e sempre com ânimo para satisfazê-lo no leito conjugal. Era sua obrigação de mulher.
As aventuras de papai tornaram-se mais intensas depois que passou a frequentar todo tipo de almoço dançante. Nesses lugares, rasqueava seu violão como quem não quer nada e dava em cima das casadas.
Foi em uma dessas domingueiras que ele se atracou com uma paraguaia roliça. A coisa ficou fácil porque a mulher era vizinha da minha tia. Assanhado, papai virou a cabeça. Avisou que sairia de casa enquanto nós tentávamos segurá-lo com simpatias nos cantos das portas.
Eu e minhas irmãs custávamos a acreditar. Ele era um homem tímido e de pouca conversa. Até bem pouco tempo, não tirava as calças de brim nem pra bater uma bola no campinho do Chicão. Agora, desfilava de short e camiseta pelas ruas do bairro. Só podia ser macumba.
Em casa, mamãe era só silêncio. Pálida e emudecida, pensava em passar uns tempos com as irmãs em Cuiabá. Antes, queria dar um trato no visual: arrumar os dentes e fazer dieta pra recomeçar a vida.
Sem o mesmo brilho nos olhos, passava o dia em meio a réguas e panos, modelando vestidos na máquina de costura. Estava um trapo. Quando conseguia erguer o rosto, se levantava da cadeira e ia cuidar da casa: varria a varanda, lavava roupa e limpava os cocôs nas gaiolas dos passarinhos.
Ouvia todo o tipo de fofocagem que corria como fumaça na vizinhança. Mas preferiu ficar metida com os afazeres domésticos e esperar ali pelo estouro da notícia: que papai estava de mudança de casa.
Quando ele partiu, mamãe chorou um tipo de lágrima que seca os ossos. No caso dela, acrescentaria a seguinte frase: “A traição é uma lembrança que não se apaga, só se amarga”.
Papai ficou com a paraguaia por seis anos, até não conseguir mais aturá-la. A mulher era de um ciúme doentio e dava chiliques quando o flagrava no portão flertando com a vizinhança. Batia o armário, esmurrava a porta e dizia a todos que podia viver sem ar, mas sem o papai, jamais.
Com as crises de ciúmes freqüentes o desgaste da relação aconteceu de maneira natural. Desta vez, o escape foi com uma vizinha de muro. A moça era esbelta, de boa anca, mas escondia um olhar atrevido e um comportamento assanhado.
Papai não quis saber do passado da moça e se enfurnaram num quartinho insalubre perto do emprego. Com medo de ser galhado, a manteve a contragosto quase em carcere privado.
A mulher não gostou de ficar em uma jaula de cimento sob os arrulhos dos pombos no forro. Logo pediu o chapéu, dando um chega pra lá nele. Pra justificar a partida, citou uma série de motivos que a levaram a desistir da relação.
O pior deles não foi a situação constrangedora de estar trancafiada, mas um segredo que veio à tona: o odor dos gases intestinais que papai liberava no período noturno.
Aquilo era constrangedor e o quartinho ficava impregnado com um cheiro insuportável. Papai tinha problemas nas abluções matinais e permanecia constipado durante o dia, indo se aliviar só no período da noite.
Chegou a buscar tratamento em Mineiros, ‘lá no Goiás’, mas de nada adiantou. Só mamãe o aturou com esse problema por tanto tempo.
Com os anos, papai permaneceu afeito a relacionamentos. Demorou, mas o fogo passou e o desejo adormeceu. Homem de fé, passou a freqüentar uma igreja evangélica pra curar a alma. Lá buscou o perdão e procurou esquecer os desejos do passado.
Mamãe ainda o espera. Vira e mexe ensaiam uma reaproximação. O capítulo final dessa história ainda não foi escrito.