A morte de Charlie Kirk é, antes de tudo, uma tragédia humana. Talvez essa constatação pareça banal, mas vivemos tempos em que o ódio consuma tudo, inclusive a compaixão.
Antes de ser ativista, líder, símbolo ou vilão, Kirk era um homem. Um pai de família. E, sobretudo, alguém que acreditava mais no poder da palavra e do diálogo do que na imposição das armas.
A sua morte violenta não deveria servir como combustível para as paixões partidárias. Mas, inevitavelmente, servirá.
Não tardou para que a direita americana se visse perseguida. Não é difícil entender: quando alguém morre, sobretudo de forma brutal, a tentação é interpretar o infortúnio como prova de uma conspiração.
Há precedentes: na Colômbia, o assassinato de Miguel Uribe reforçou a sensação de que ser conservador na América Latina é um risco de vida. Mas vitimismo não é política. É antes a rendição à lógica da tribo, em que o sofrimento é moeda de troca para silenciar o adversário.
Do outro lado, o perigo não é menor. A morte de Kirk pode legitimar um desejo de vingança: uma caça às bruxas contra essas aberrações progressistas que circulam pelos campus universitários alimentando o clima de intolerância. É o velho macarthismo que retorna? Talvez. Antes se perseguia comunistas em Hollywood; agora, caçam conservadores e religiosos.
É também inevitável que Kirk se torne mártir. A Turning Point USA, organização que fundou, conhecerá um crescimento que talvez em vida ele jamais tivesse imaginado. Mártires têm esse poder: transformam a dor em bandeira, a morte em plataforma. Mas é uma vitória envenenada. Movimentos que se alimentam apenas de símbolos sacrificiais tendem a congelar o pensamento em torno da liturgia da perda. Política não pode ser um culto religioso.
A democracia, como Tocqueville nos ensinou, precisa de adversários, não de inimigos. Hoje, a diferença entre ambos desapareceu. O adversário é visto como alguém a ser eliminado — no espaço público, nas redes, ou, tragicamente, na vida real. Kirk é mais um sinal de que a democracia ocidental perdeu a arte da convivência com o contraditório.
Há quem veja nisso uma guerra de narrativas. Prefiro ver um alerta: quando transformamos a política em religião, com mártires e hereges, todos estamos condenados ao inferno da intolerância. E a morte, que deveria inspirar silêncio e reflexão, passa a ser apenas mais um palco para o espetáculo tribal do nosso tempo.