Pages

Dante Filho: Confissões reversas



Sou uma pessoa incoerente. Nunca segui linhas retas. Meus caminhos sempre foram feitos de curvas e desvãos. Minha gravidade é difusa. Quando subo, desço. Sou feito de palavras que não deslinham nas planícies. Ao contrário, sempre procuro um buraco no planalto. As grutas são minha morada e os grotões constroem minha esperança, mesmo que eu saiba, de antemão, que pra lá não irei jamais.

Prefiro viver em cidades. Mentira. Prefiro viver nos cantos obscuros das ruelas do meu pensamento urbano. Gosto de imaginar que os lugares são corpos límpídos e puros. Não são, eu sei. Mas é assim que vou construindo minha história e os meus personagens. Somos os terrenos baldios da alma.

Meus movimentos são inconstantes. Quando posso, rastejo. Quando preciso, corro atrás das coisas imprecisas. Não quero produzir entendimentos. Ao contrário: quero confusão, quero dissenso, quero berros dissonantes. Minha gramática assusta, mas minha voz é doce porque aprendi a dizer coisas que um homem jamais pensou em pronunciar. Que deus me salve de mim mesmo.

Lutar pela paz traz conforto. Ser manso, dócil, calmo traz sabedoria. Ao lado do caos, vive a ordem. Por isso, sempre tropeço nos meus proprios pés. Arrasto meus erros cavando o chão. Sou feito de buracos profundos, esconderijos soturnos, monturos de irrelevâncias.

Danço conforme a música. Balanço meu quadril, desbundo para a geral, jogo os braços para cima e giro as mãos com os dedos em desacordo com meus braços. Assim, faço do jogo de corpo o anteparo da lassidão. Sigo em frente andando para trás. Percorro os elementos dos sentidos e transformo o tempo num objeto sólido. Meu futuro está contido no passado. Meu presente está oculto nos acasos. Quem diz que ando atrasado não sabe que antes já estive lá e depois me perdi na escuridão dos acontecimentos.

Quando nasci pensei que viver era morrer. Meus acertos foram enganos acumulados. Quando pensei estar do lado certo descobri que tudo estava do avesso. Atravessei mil rios para chegar num mar que havia secado. Entrei no deserto e não achei canto para escorar. Só assim descobri que a gente só chora quando entra areia nos olhos. Marejei. Caí de joelhos e pedi para o sol queimar a minha pele até que a carne viva fosse a única informação a me indicar o rumo.

Nada aconteceu. Não recebi mensagens. O vento não trouxe música. O uivo dobrou o silêncio e eu, sem saber o que fazer, não fiz nada, não me mexi, não reagi, permiti que todo o pensamento sumisse e então dormi. No meu canto sagrado. Na minha gruta secreta. Onde não existe medo nem perdão.