Pages

Alexsandro Nogueira: Nem santos, nem heróis, apenas bons personagens

 


Li outro dia, em um blog, o seguinte comentário de um leitor: “Eu abandono um livro assim que o autor trata o protagonista como vítima”. Em outras palavras ele afirma que, se você acha a vida não tem sentido, por que ler um livro cujo personagem central é tratado como coitado?

O comentário é um atestado de burrice e não pode ser tomado como representativo. Além disso, diz muito sobre a miséria do pensamento dos leitores contemporâneos e da falta de sintonia com alguns personagens históricos.

Autores como Ruy Castro e Laurentino Gomes estão aí, com meia dúzia de livros, para mostrar que esse tipo de afirmação é irrelevante. Quem leu as biografias de Nelson Rodrigues e de Mané Garrincha sabe do que estou falando

Ruy e Laurentino compreendem que a boa história depende do ser humano real, cheio de falhas, de sombra e luz.

Castro jamais santificou seus personagens. Ao contrário, mostrou-os em toda a sua complexidade, sem transformá-los em mártires. Se Garrincha é um gênio trágico, é porque foi tratado com a medida exata de admiração e desilusão e isso o torna inesquecível até fora dos campos.

Já Laurentino Gomes, faz história com personagens que mudaram o País, mas sem a tentação de transformar a história de Dom Pedro I e família em uma hagiografia. 

Na obra 1808, 1822 e 1889, rei, príncipes e generais não aparecem como grandes heróis ou demônios históricos, mas como figuras humanas, cercadas de interesses, medos, traições e hesitações. Isso não os diminui: os humaniza.

A literatura não deve ser cúmplice da fantasia de que só vale o invencível. Um protagonista pode ser vítima, sim. Pode falhar, desistir, vacilar. E é justamente nesses momentos que ele se aproxima de nós: leitores que, ao contrário do comentarista do blog, ainda não perdemos a paciência com a condição humana.




Alexsandro Nogueira é músico, jornalista e escritor.