O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Augusto dos Anjos
Há 24 anos, eu passava noites mergulhado na literatura do americano Max Lucado. Virei devoto do escritor e seguia seus palpites sobre a vida à risca. Um misto de autoajuda disfarçado de conselhos bíblicos.
Tempos depois, sentia vergonha pelo meu apreço ao autor. Algumas de suas ideias dissiparam com o tempo, mas outras permanecem vivas e intensas na minha memória como uma frase contida no livro "Quando os Anjos Silenciaram", de que, "na vida, você só é traído por amigos".
Parece um daqueles pensamentos que soam óbvios até o momento em que, de fato, tomamos uma punhalada nas costas. É um aprendizado doloroso, mas inevitável. Quem já levou sabe do que falo. Quem ainda não levou, espere: cedo ou tarde, a vida providencia essa lição amarga.
Judas sabia. Vendeu Cristo por trinta moedas de prata, e a dor maior não estava no dinheiro, mas na confiança quebrada com um mestre e amigo.
Foi um dos doze, caminhou ao lado de Jesus, comeu do mesmo pão. Mas, no final, trocou tudo por uma quantia insignificante e um beijo fingido. A história se repete desde então.
Eu já fui traído por amigos — punhaladas que, confesso, demoraram cicatrizar. Mas nada dói tanto quanto assistir amigos sendo golpeados e não poder impedir ou revidar.
Você vê o golpe chegando, tenta avisar, mas o traidor já fez o seu trabalho com desfaçatez. O rosto que sorri na foto, que elogia e aperta mãos com gentileza, é o mesmo que esconde a lâmina e golpeia sem dó nem piedade.
O centro de tudo? Vaidade. Luxúria. Ambição. Como se diz por aí, sucesso vale tudo, não tem preço. E, para alcançá-lo, há sempre alguém disposto a trair.
Como bem notou Voltaire, para ter êxito na vida não basta ser estúpido; é preciso também ter boas maneiras. O segredo é a cortesia, o jogo de cintura, o abraço cordial antes do golpe.
Estúpidos bem-educados chegam longe. E quando aplicam esse talento em áreas específicas —economia, literatura de autoajuda —, o caminho para a fortuna está garantido. Não é necessário ser brilhante, apenas saber manipular. O poder não é dos mais capazes, mas dos mais estratégicos.
A ingenuidade é um luxo que poucos podem se dar. Aprendi a não me surpreender, mas sigo me indignando.
A traição de um amigo sempre nos diminui, não apenas pela dor pessoal, mas porque nos faz questionar a natureza humana. Se até aqueles que nos conhecem bem escolhem a facada, em quem confiar? Só Freud explica.
No fim, resta seguir em frente. Cristo perdoou Judas, mas isso não o trouxe de volta. Algumas traições são definitivas. A única escolha é aprender com elas — e nunca subestimar os estúpidos convincentes.