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Alexsandro Nogueira: Os caminhos da guerra

 As guerras não são desvios de nossa história, mas parte de sua espinha dorsal.


O  escritor britânico A. J. Taylor costumava dizer que, para um historiador, os confrontos entre países são mais interessantes do que a paz. Para confirmar sua teoria, o autor gostava de citar uma frase do alemão Carl von Clausewitz: "O que é a guerra, se não a continuação da política por outros meios?". 

Na verdade, Taylor queria mostrar que a ideia desses conflitos abrange muito mais do que a mera política, eles são uma expressão da cultura e, muitas vezes, um determinante civilizatório. Em algumas sociedades do Oriente Médio, a guerra é a própria cultura.

Para o escritor, longe de ser uma aberração, como gostariam os pacifistas, batalhas são partes inseparáveis das várias civilizações. 

Assim como os marxistas falam em seus modos de produção, pode-se dizer que há diversos "modos de combate". 

O ocidental é apenas um deles, reflexo da tradição greco-romana. Seu lado implacável nas guerras do Vietnã e do Iraque, na verdade são heranças da necessidade dos gregos de resolverem logo os conflitos, o que tende a torná-los mais sangrentos. 

Agricultores sem condições de dedicar todo o tempo ao exército, os gregos se reuniam para campanhas rápidas e eficazes.

A ideia de que há “modos de guerrear” nos conduz a uma análise mais profunda das dinâmicas culturais que moldam os conflitos. 

No Oriente, por exemplo, as estratégias bélicas frequentemente são de longo prazo. O pensamento de Sun Tzu, no clássico “A Arte da Guerra”, enfatiza a vitória sem batalha, a dissuasão como triunfo. 

Essa abordagem contrasta com a lógica direta e destrutiva dos ocidentais, que muitas vezes enxergam a guerra como um processo organizacional levada ao extremo, com começo, meio e fim bem definidos.

Vale lembrar que nem sempre as culturas conseguem se manter fiéis a seus paradigmas históricos. A globalização trouxe uma homogeneização das práticas de guerra, impulsionada pela hegemonia militar norte-americana. 

O que vemos hoje são guerras híbridas, que misturam táticas convencionais, insurgências e batalhas narrativas travadas no campo da informação. Lá atrás, em 1991, a própria Guerra do Golfo, foi mais um espetáculo midiático comandada pelo então presidente dos EUA, George Bush (pai) quanto uma ação militar.

Essa transformação nunca foi gratuita. Ela reflete mudanças nas sociedades e, sobretudo, nas formas de exercer poder. 

No século XXI, parece ser também uma continuação do entretenimento, com transmissões ao vivo e drones que transformam ataques em videogames. O impacto cultural disso é inegável: a guerra se desloca dos campos de batalha para os celulares, enquanto memes e hashtags transformam conflitos em episódios virais.

No entanto, por mais que os métodos mudem, a essência da guerra permanece. Ela revela algo fundamental sobre a humanidade: nossa disposição para o confronto, mesmo quando revestida de discursos nobres como a busca pela democracia ou a luta contra o terror. 

Isso sugere que, como Taylor afirmou, os conflitos não são desvios de nossa história, mas parte de sua espinha dorsal.

Talvez, a maior maluquice seja ignorar essa realidade, imaginando que a paz será alcançada apenas com boa vontade ou tratados de papel. Reconhecer que a guerra é um produto da cultura, da economia e da política não significa justificá-la, mas entender que, para superá-la – se é que isso é possível – será preciso mais do que utopias pacifistas. 

Será necessário, talvez, redescobrir um novo modo de pensar o humano.


Alexsandro Nogueira é jornalista, músico e escritor. Colabora com o Blog com artigos e pensatas