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Dante Filho: Carta do Verão 2024

 


Que importa a praia, a brisa do mar, a areia branca, a linha do horizonte, o sol abrasante, se o que eu vejo são bundas.


Bundas de todos os tipos. Bundas magras, bundas gordas, bundas caídas, bundas musculosas, pretas, brancas, morenas, bronzeadas, bundas torneadas, glúteos infames sustentando dois gambitos de pernas, bundas vermelhas, bundas escapando pelas fios tênues do que chamam de biquíni fio dental, bundas que deixam escapar as estrias que desenham mapas, vales e crateras, bundas esculturais, bundas obscenas, bundas entranhadas no colo jogando a pança pra frente, enfim, bundas de todos os tipos, formas e modelos.

É uma festa.

Me pergunto: os rapazes não reagem? Onde foram parar as tangas que fizeram a glória de Gabeira, Caetano Veloso, Cazuza, e toda aquela turma do verão dos anos 80? Onde estão as latas que aportaram nas praias brasileiras e fizeram a loucura e a doçura daqueles anos alucinados, na qual acendeu-se o baseado da esperança que prometia a redenção do País ao som de músicas dançantes que perduram até os dias de hoje?

Pergunto mais: cadê a musa do verão? Todo ano a imprensa brasileira escolhia uma vítima para representar o espírito do tempo dos meses de dezembro e janeiro.  Será que elas estão hoje no asilo, morrendo de vergonha por ter prometido a esperança de Brasil radiante, mas no final nos entregaram isso que está aí? Sei lá e nem quero saber...

Onde estão todos e todas. Onde foi parar a moçada que não tinha medo de se expor ao sol sem bronzeador, de viajar de carona pelo Brasil profundo, de Arempebe, passando pela Ilha de São Sebastião, entrando em Búzios e caindo em Matadeito, sem destino, sem eira nem beira, tudo para escorregar no barro depois da chuva, de passar dias sem sabonete, esquecendo o lenço e o documento?

Cadê ? cadê? Agora, só existem as bundas instagramáveis e o biquinhos provocativos. Quem conseguir andar 100 metros numa praia sem tropeçar num vendedor ambulante, numa criança perdida, numa mãe aos berros e num argentino raivoso considere-se um vencedor.

Nos finais de tarde, uma profusão abundante de bundas, seguidas por marmanjos vigilantes e entorpecidos de cerveja, saem em arrancada para o incerto e não sabido, deixando como rastro lixo e cocô de cachorro. Seguem firme para formar engarrafamentos quilométricos, que certamente dá as voltas na direção do fim do mundo.

Assim é o verão de 2024; assim estamos, neste frenesi pós-pandemia, seguros de que o próximo ano será pior, razão esta que nos obriga aproveitar o hoje e o agora antes que a abundância acabe, pois como se sabe só se vive uma vez.

Ainda assim temos sorte. A Globo ainda não inventou o concurso Bunda Verão. Mas o carnaval vem aí, com toda aquela alegria industrializada que conhecemos. 

Ufa! Se você daqui a pouco começar a dizer que tá foda viver no Brasil, não se preocupe, a coisa vai piorar.

Enquanto isso, vamos aproveitar enquanto os boletos da farra não chegam. As aves agourentas estão prometendo que 2025 vai ser tenebroso. Em vez de bundas vamos ter merda. Tomara que não.

Enfim, não se pode ter tudo.

Abraços generosos para os que ficam...