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Alexsandro Nogueira: voto não é like

 

 No próximo domingo (27), quando a poeira assentar e as centenas de fake news desta campanha forem deletadas e esquecidas, o vencedor das eleições terá a árdua tarefa de administrar uma cidade complexa com centenas de milhares de moradores — e não um perfil irresponsável de Instagram ou Facebook, repleto de seguidores acéfalos ou ingênuos.

Ao irem às urnas, os eleitores precisam ter em mente que administrar Campo Grande não é se esbaldar em uma festinha com os parças, tampouco um experimento qualquer de marquetagem, em que promessas podem ser feitas à vontade porque dissolvem no ar como fumaça de queimada. 

Idoneidade moral, capacidade administrativa, habilidade política, prudência e espírito público são atributos indispensáveis para uma boa gestão em qualquer cidade. Tais qualidades são cada vez mais raras na sociedade.

E começo esse texto com um conselho: em uma Capital com quase 1 milhão de habitantes, a ausência de apenas um desses atributos pessoais do governante já pode trazer prejuízos severos aos campo-grandenses, que dependem do poder público para desfrutar  do mínimo de  uma vida digna, principalmente nas atividades de saúde, educação e segurança pública.

Esse recado se faz necessário, pois a campanha do primeiro turno foi marcada não apenas pela estupidez dos debates, mas, pela ridicularização do eleitor, reduzido à mera condição espectador de fake news e seguidor de rede social, cujo "like" foi disputado por candidatos muitas vezes inseguros e despreparados.

A filósofa alemã Hannah Arendt já dizia que a política é essencialmente a persuasão pela palavra, um confronto de ideias regulado por leis e padrões mínimos de civilidade. É dever dos que disputam cargos eletivos preservar a sanidade do espaço público, onde todos se submetem aos mesmos limites, em nome do bem comum.

O exercício do poder por quem ignora esses limites carece de legitimidade. 

Desde o nebuloso período de Bernal/Olarte, Campo Grande não admite mais despreparo, muito menos a gestão desmedida e irresponsável. Basta sair às ruas e, para onde quer que se olhe, lá estarão os inúmeros desafios e potencialidades desta grande cidade, implorando por dedicação e competência de quem se dispõe a administrá-la. 

No próximo domingo, a população vai às urnas para escolher a próxima prefeita, não influencers ou lacradores. Quem vai gerir a cidade é um ser humano e não um avatar inventado por publicitários.

As escolhas políticas devem decorrer de uma análise cuidadosa da experiência dos candidatos, suas propostas e associações, pois suas decisões geram consequências por, no mínimo, quatro anos.

Aqui vivem cerca de 850 mil habitantes, uma população maior que de alguns países. Para 2025, prevê-se um orçamento recorde para a Capital, a maior quantia na história da cidade.

O cuidado com essas pessoas e o bom manejo dos recursos públicos exigem dos candidatos à Prefeitura um plano de governo digno desse nome, o que implica um diagnóstico preciso dos problemas urbanos e a formulação de políticas públicas adequadas para resolvê-los.

Isso soa óbvio, mas é necessário relembrar neste dia crucial para o futuro da Capital, pois, afinal, esta  eleição foi marcada pela ausência do debate político qualificado. É possível afirmar que os candidatos à Prefeitura são bem conhecidos, mas quase nada foi dito sobre suas ideias para governar a cidade mais rica do Estado.

Como é notório, ofensas pessoais marcaram uma campanha sem discussão de ideias e projetos. A despeito de sua pujança econômica, Campo Grande ainda enfrenta sérios problemas na oferta de serviços públicos nas áreas de saúde, educação e transporte — sem mencionar a segurança pública.

É responsabilidade do governo do Estado prover a segurança aos cidadãos, mas a Prefeitura desempenha um papel fundamental na redução dos indicadores de violência. Ou seja, Campo Grande precisa de um bom gestor.

E a governança da capital exige habilidade política, uma qualidade que claramente está em  falta no mercado brasileiro. Por aqui, abusaram do cinismo e a única promessa de campanha foi aniquilar o adversário com ofensas.

Tivemos uma campanha marcada pela DR de problemas pessoais, dando a impressão de que a luta pelo poder foi feita com sangue nos olhos. 

Certamente há eleitores para os quais a política é corrupta e abjeta, razão pela qual se encantam com aqueles que pretendem desmoralizá-la com memes e lacração. 

Mas, quando a loucura dessa campanha acabar, o vencedor terá que administrar uma cidade cheia de desafios, com centenas de moradores reais, e não um perfil de rede social com seguidores  virtuais desanimados. 

Nesse momento, o voto dado de maneira inconsequente cobrará seu preço. Sabemos que se trata de escolha difícil. A cidade está totalmente polarizada. Talvez o candidato que demonstre um pouco de bom senso e manifeste o desejo de pacificação seja aquele que possa frutificar nossa escolha.

 

Alexsandro Nogueira é jornalista, músico e escritor