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No país de Janja

Janja na França, com Macron e Brigitte, sonhando em ser Maria Antonieta -

Fico dividido quando penso em Janja. Por um lado, acho interessante uma mulher de personalidade enfrentar o machismo de esquerda e direita impondo seu estilo, doa a que doer. 

Ela é corajosa, determinada, tem forte influência sobre Lula (o que gera ciúmes, invejas e intrigas palacianas), e, às vezes, é engraçadinha. De vez em quando inventa ideias malucas como aquela da criação de um cargo de primeira-dama. Faz parte.

Esse pacote de vantagens traz problemas. Ela não pode se mexer que o mundo acaba. O bolsonarismo a acompanha com lupa. 

Coloco Janja ao lado de Ruth Cardoso. Quem tem um pouco mais de vivência de Brasil sabe do que estou falando. A primeira-dama de FHC era uma potência intelectual, respeitada, enfrentava os mesmos problemas que Janja, mas tinha uma sutileza e discrição que tornava seus oponentes incapazes de dizer um A a respeito de sua conduta.

Claro, não havia naquela época a direita estridente (que alguns chamam de extrema-direita) e o tucanato era aristocrático demais para cometer a grosseria de falar qualquer coisa contra dona Ruth publicamente.

Janja é diferente. Ela é provocativa, invasiva, gosta de mostrar que manda e que está por cima das carne seca. É o seu estilo. Com isso, acaba tornando a luta das mulheres uma caricatura e dando tratos a bola a críticas severas numa sociedade conservadora como a nossa. Nem da própria família ela escapa. Outro dia um dos filhos de Lula atirou pesado contra ela.

Agora, nas Olimpíadas na França, Janja novamente volta à ribalta por causa de seu protagonismo, representando o Brasil e a presidência, num evento que a rigor ela devia ser apenas coadjuvante, caso o Presidente decidisse comparecer à festa de abertura. 

Assim, nas minúcias protocolares é que, dando brechas exageradas, a oposição aproveita para marcar a ferro e fogo uma moça que apenas quer ocupar seus espaços com certa espontaneidade. Isso incomoda.

O problema é que as Janjas estão se espalhando pelo Brasil. Em todos os lugares, onde há poder, disputa, influência, estes personagens fantasiados de pseudo celebridades avançam com sua dose de arrivismo, comédia e galhofa, espargindo tipos comportamentais nas complexidades de nossa cultura.

Algumas mulheres acreditam que para serem temidas e respeitadas devem mostrar que mandam. Não apenas No incumbente ou NA incumbente. Em todo o mundo, quem passar pela frente.  Aí se fortalece o chamado machismo reverso. 

O conjunto da obra é ridículo. Mas faz parte da latinidade ter sempre uma sombra (homem ou mulher) mexendo os pauzinhos por trás das cortinas.

Campo Grande, por exemplo, inovou: temos um JANJO. Suas ações são destrambelhadas e a população já se acostumou a saber quem realmente pode e acontece na prefeitura municipal. 

"Fala com o Janjo que ele resolve tudo", dizem pelos quatro cantos da cidade. Se resolve mesmo, não sabemos (porque nada acontece), mas a imagem é essa e a prefeita roga a deus para que acreditem que ela tem a força e a coragem da "mulher moderna", fustigando os críticos com a retórica do machismo estrutural.

Mais recentemente apareceu a Janja do Jerson. Uma moça que hoje manda e desmanda no Tribunal de Contas de MS. Advogados, deputados, servidores públicos - essa gente que adora intrigas e fofocas - são categóricos em dizer que a "Dona Janja do Jerson" nomeia, demite, contrata e distrata. 

Se é verdade, não sei, mas a ebulição dos rumores ultrapassam as paredes de concreto dos edifícios do Parque dos Poderes. Fiquemos espertos...

Vivemos tempos estranhos. As redes sociais desnudam as normas dos comportamentos sociais. As pessoas gostam de se expor. Quando criticadas, vão ao judiciário pedir reparação. E a Justiça está perdida. Não sabe se estimula a permissividade para ver se lá na frente o caos, por geração espontânea, estabelece por si só uma ordem ou, com maior rigor, normatiza tudo criando uma sistema ainda mais autoritário, uma espécie de Gulag onde a única certeza é o medo do poder.

Acho que Janja - com seu histrionismo, sua falta de modos, suas dancinhas esquisitas - será apenas uma fase e até lá a gente se diverte. Passamos por Michele Bolsonaro (outro estilo, o da mulher-cobra que finge servidão e obediência ao macho, falando em libras e acreditando num deus entre redentor e punitivo) e sobrevivemos, chegamos até aqui sem revoluções sangrentas.

Janja ocupa agora o centro do palco. A vez dela passará. Mas deixará sua marca. Outras personagens virão. Quem acredita que o Brasil tem algum futuro, sinto informar que estamos indo no rumo do abismo. Nossa realidade sempre será uma metáfora do carnaval no qual o povo deseja ir para Maracangalha. O que nos resta é rir dos canalhas, dar de ombros aos escrotos, celebrar os imbecis e deixar a vida correr até que chegue a hora de virar a mesa sem deixar os pratos caírem...