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Wislawa Szymborska: O Ódio, um poema que devia ser lido no Rádio

 

Vocês estão vendo esta senhora simpática, com carinha inofensiva, lembrando aquela titia solteirona que nos fazia bolinhos aos domingos? Pois é, ela se chama Wilslawa Szymborska, é polonesa, tem um nome quase impronunciável para nós, brasileiros, mas depois que ganhou o prêmio Nobel de Literatura, em 1996, a tradução de sua obra chegou ao Brasil, dando-nos oportunidade de conhecer uma das maiores poetas de nosso tempo.

Ela morreu em fevereiro de 2012 em Cracóvia, deixando poemas universais escritos com um estilo solto, furiosamente belos, que merecem ser declamados de joelhos tamanho impacto que causa sobre nossas pretensões humanas e sobre a miséria de nossas vidinhas de merda.

Wilslawa tem aquela força que nos tira do chão e tenta nos recompor perante um mundo em crescente degradação. Não me canso de lê-la. Todos os dias, ao me levantar, leio aleatoriamente qualquer um dos seus poemas como se fosse uma oração obrigatória, necessária para que eu comece a respirar e enfrentar as dores que vêm pela frente.

Talvez isso, nesta altura da vida, é o que tenha, até agora, me possibilitado a salvação.

Obrigado, minha querida polaca.



O ódio

Vejam como ainda é eficiente
como se mantém em forma
o ódio no nosso século,
Com que leveza transpõe altos obstáculos
Como lhe é facil - saltar, ultrapassar

Não é como os outros sentimentos
Ao mesmo tempo mais velho e mais novo que eles.
Ele próprio gera as causas
que lhe dão vida.
Se adormece, nunca é um sono eterno
A insônia não lhe tira as forças; aumenta

Religião, não religião -
contanto que se ajoelhe para a largada
Pátria, não pátria -
contanto que se ponha a correr.
A justiça também não se sai mal no começo.
Depois ele já corre sozinho.
0 ódio. O ódio.
Seu rosto num esgar
de êxtase amoroso,

Ah, estes outros sentimentos -
fracotes e molengas.
Desde quando a fraternidade
pode contar com a multidão?
Alguma vez a compaixão
chegou primeiro à meta?
Quantos a dúvida arrasta consigo?
Só ele, que sabe o que faz, arrasta


Capaz, esperto, muito trabalhador
Será preciso dizer quantas canções compôs?
Quantas páginas da história numerou?
Quantos tapetes humanos estendeu
em quantas praças, estádios?


Não nos enganemos:
ele sabe criar a beleza.
São esplêndidos seus clarões na noite escura.
Fantásticos os novelos das explosões na aurora rosada
Dificil negar o páthos das ruínas
e o humor tosco
da coluna que sobressai vigorosamente sobre elas

É um mestre do contraste
entre o estrondo e o silêncio,
entre o sangue vermelho e a neve branca.
E acima de tudo nunca o enfada
o tema do torturador impecável
sobre a vítima conspurcada

Pronto para novas tarefas a cada instante
Se tem que esperar, espera
Dizem que é cego. Cego?
tem a vista aguda de um atirador
e afoito olha o futuro
- só ele.