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Quem gosta e escreve poesia dever ler com urgência Szymborska

Wislawa Szymborska, Nobel de Literatura de 1996 -

Recentemente, recebi de uma amiga a indicação de um livro de poemas. Ela apenas mandou-me uma mensagem pelo whatsapp com a foto da capa da edição e um recado direto: "leia, você vai gostar". Comprei e, de sentada, li esse fabuloso "Poemas", da polonesa Wislawa Szymborska (pronuncia-se Vissuáva Chembórska), prêmio Nobel de Literatura de 1996. 

Gostei tanto que encomendei as obras completas, editadas e traduzidas no Brasil. Ela nasceu em 1923 e morreu em 2012. Teve uma vida reclusa, deu poucas entrevistas, mas tornou-se um mito no leste europeu. Por aqui, nada, ninguém nunca ouviu falar. Ou seja: o Brasil está fora do mundo do pensamento sofisticado e da alta cultura. Uma pena.

Wislawa era complemente desconhecida dos ambientes literários brasileiros. Seus poemas tem pegada filosófica que questionam o papel do homem na natureza, sempre indagando o que o levou a tomar os rumos que tomou, numa abordagem lírica e irônica, sempre provocativos, brincando com temas físicos, químicos e matemáticos (além de políticos e geográficos) introduzindo elementos inusuais numa ampla grade de assuntos, muitos inclusive estranhos à poesia tradicional. 

Szymborska era uma mulher fechada que viveu os anos do Stalinismo produzindo textos adequados àqueles tempos sombrios, mas assim  que o caixão do ditador fechou sua criação floresceu, tornando-se uma escritora fundamental para a Polônia, principalmente depois da queda do muro de Berlin.

Claro que a tradução do polonês para a língua portuguesa é um problema. Mas as mãos competentes da tradutora Regina Przybycien, curitibana, professora de literatura comparada, nos aproxima de maneira soberba dos poemas, dando-nos uma visão da grandiosidade e beleza de seus versos, principalmente sua abordagem direta, transformando cada poema numa prosa fluída, direta e surpreendente. 

Sinto que Wislawa Szymborska pode ser uma boa influência literária, principalmente porque nos faz pensar um pouco fora da caixinha daquele lirismo praticado pela maioria dos nossos poetas, que cometem versos do chamado pequeno eu, sempre enganando as palavras e imaginando que o valor do fazer poético reduz-se ao mero desabafo existencial, ao regionalismo de donas de casa ou, pior, à exaltação das dores dos oprimidos.

Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, a maioria produção poética ainda não ultrapassou o século XIX ou ficou presa aos cacoetes de Manoel de Barros, ou "colocando pra fora" memórias afetivas de sentimentos de uma pseudo aristocracia caipira. 

Ler Szymborska é outra etapa, outro padrão, num nível muito acima. Talvez seja um lampejo. Se eu fosse você, apostaria nela.

Fim e começo


Depois de cada guerra
alguém tem que fazer a faxina,
Colocar uma certa ordem
que afinal não se faz sozinha.
Alguém tem que jogar o entulho
para o lado da estrada
para que possam passar
os carros carregando os corpos.
Alguém tem que se atolar
no lodo e nas cinzas
em molas de sofás
em cacos de vidro
e em trapos ensanguentados
Alguém tem que arrastar a viga
para apoiar a parede.
pôr a porta nos caixilhos
envidraçar a janela.
A cena não rende foto
e leva anos.
E todas as câmeras já debandaram
para outra guerra.
As pontes
têm que ser refeitas,
e também as estações,
De tanto arregaçá-las,
as mangas ficarão
em farrapos.
Alguém de vassoura na mão
ainda recorda como foi,
Alguém escuta
meneando
a cabeça que se safou.
Mas ao seu redor
já começam a rondar
os que acham tudo muito chato.
Às vezes alguém desenterra
de sob um arbusto
velhos argumentos enferrujados
e os arrasta para o lixão.
Os que sabiam
o que aqui se passou
devem dar lugar àqueles
que pouco sabem.
Ou menos que pouco.
E por fim nada mais que nada
Na relva que cobriu
as causas e os efeitos
alguém deve se deitar
com um capim entre os dentes
e namorar as nuvens.