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Sobá e espetinho com mandioca

 

feira Central de Campo Grande nos anos 70 -


Por Leonardo Leite de Barros


Okinawa é aqui e o sobá é nosso. Espetinho com mandioca chegou muito depois.

O templo do sobá era a antiga Feira. Ela abraçava o que é hoje a igreja Universal sem nunca ter chegado a Avenida Mato Grosso.

As madrugadas dos finais de semana terminavam na Feira. Campo Grande só dormia depois da Feira. O último gole, o último beijo, encontros e desencontros, a última ceia, o amanhecer- eram todos daquele território.

A seção de comida ficava quase na esquina da João Crippa. As barracas eram divididas por balcões de madeira em forma de U. Panelas fumegantes, cheiro acolhedor, um fio de água correndo entre nossas pernas e uma quase penumbra compunham o ambiente. Cena do filme Blade Runner reproduziu com fidelidade o local.

Depois dos bailes, festas, casamentos, ocorrências impublicáveis, seguíamos todos para o velho e bom sobá da Feira. O ritual tinha início com a difícil escolha da cerveja. Naquela época o mundo era dividido entre brahma e antarctica. A cansativa profusão de marcas ainda não era um tormento.

As turmas iam chegando dos quatro cantos da cidade e se acomodando nos balcões. Sempre tinha alguém de terno, egresso de algum casamento, do seu lado, podia estar um peão de fazenda vindo de alguma boca fria da Calógeras ou uma moça e suas amigas de um baile do Rádio Club.


Os pratos eram espetinho com mandioca, dobradinha e sobá. O barulho característico era de caixas sendo descarregadas, conversas e risadas. Ainda éramos livres de Anita e sertanejo universitário.

As barracas de frutas e verduras iam se formando à medida que o amanhecer se aproximava. Dia claro, fuzilados por olhares de reprovação das donas de casa que iam fazer compras, era hora de bater em retirada. Nessa altura, o grau etílico alcançava seu apogeu. Alguns freqüentadores deixavam o sobá pelo caminho de casa.Tudo com muito respeito e cortesia. Não se tem notícias de disparos de armas de fogo ou violências. Vez por outra uma esposa traída levava o infrator para casa sob as porradas do amor.

A nova Feira agora está localizada em lugar bonito, histórico, um terreno da antiga NOB.

Apesar de termos sido invadidos pelos chineses, Okinawa e o velho sobá resistem bravamente na nova Feira. As barracas de frutas e verduras deram lugar a um amontoado de shing ling. As madrugadas sempre encontram o lugar fechado. A juventude, dentro de seus carros, fazem a última ceia em drive thru de hambúrgueres. Os últimos encontros antes do amanhecer são virtuais.

A China tentou por várias vezes dominar as ilhas de Okinawa, nunca teve sucesso. Por ironia histórica, perdeu aqui também. O famoso lámem continua firme e o forte na nova Feira, ainda migrou para bons restaurantes pela cidade.

Campo Grande muito grande, enorme!


Escritor, pecuarista pantaneiro