Esquina da Avenida Afonso Pena com rua Rio Grande do Sul,
local onde funcionava o Bar da Dia na década de 80
Por Leonardo Leite de Barros
Início dos anos 80, em uma manhã de sol, sentado no Bar da Tia, um típico carioca do Leblon lia o JB do dia anterior.
Alguns anos depois, seria meu compadre. O cara pediu uma cerveja, enrolou um senhor Bob Marley e acendeu o bruto. Aquele horário o estabelecimento era pouco freqüentado, o pessoal chegava por volta do meio dia. Eu passava por aquelas bandas e Tia Coti me chamou: “ pede aquele bonitão para não fumar aqui “.
Interpelei o tal que me olhou admirado. Falou que lá pelas bandas do Baixo Leblon não existia lugar mais descolado e livre que aquele. Certamente não tinha. Como meu futuro compadre nada entendeu, mandei um direto: “apaga essa porra, brother”.
O Bar da Tia era comandado por uma mulher educada, bonita, delicada e de bem com a vida. Exercia sua liderança sobre tudo e todos com silêncios e falas mansas. Tia Coti era a alma e a aura daquele lugar.
A Afonso Pena deve muito ao Bar da Tia, Campo Grande tem o antes e o depois do Bar da Tia.
Ali nos bebíamos a vida, a morte, aos nascimentos e aos casamentos. Ali nos vivíamos e bebíamos em uma celebração diária.
Todas as turmas freqüentavam democraticamente o lugar: artistas, músicos, jornalistas, estudantes, vendedores de seguro, políticos, grã-finas e outras nem tanto. Tudo misturado sob o olhar cortes da Tia Coti.
O bar era simples, mesas e cadeiras que mudavam de lugar conforme o público presente. Os drinks se resumiam em cerveja, pinga e um whisk escondido de algum velho que ia sempre atrás da atenção da linda dona do bar.
Alguém sempre puxava um violão e as cantorias iam se sucedendo, o instrumento passando de mão em mão, de roda em roda.
Certa feita, por um erro de planejamento estratégico, faltou o violão. João Figa e Danilinho providenciaram a abertura da loja Primorosa na Rua 14, o dia amanhecia e o novo instrumento foi comprado graças a uma vaquinha.
A festa seguiu até sol alto. O velho violão, com a madeira gasta, ainda está pendurado em uma parede de nossas memórias.
As noites eram regadas a partidas intermináveis de bozó, a dupla derrotada pagava a cerveja e dava lugar a próxima. Meu amigo Bacamarte bebeu uma década sem pagar, era ligeiro com os dedos e os dados.
A casa da Tia Coti era do lado do bar, ali criou suas filhas e agregados. Aquele lar não era contaminado pela efervescência do bar, muito embora fossem interligados.
Suas crias se tornaram gente de bem, igualmente educadas. Constituíram suas famílias e ainda hoje vivem em torno do amor da Tia. Uma filha em especial puxou sua beleza, tirava suspiros respeitosos de todos. Aos clientes mais avançados, que se excediam na margem de erro etílica, tinha sempre o sofá da sala da Tia: “acorda guri, vai pra casa que tá na hora”.
Hoje, a esquina do templo da nossa juventude pode ser confundida com uma esquina de Miami ou Instambul. Construíram um fast food ou uma clínica de recauchutagem de corpos,sei lá! Em respeito, recuso um simples olhar.
A globalização transformou o mundo em um anúncio de refrigerante, a vida um arroto comunitário.
Campo Grande muito grande, enorme!!