Pellanda, escritor curitibano que acabo de conhecer, diz que passarinho é matéria indefectível de crônicas geralmente bonitinhas. E as baratas, seriam inspiração para o esgar inimaginável?
Deve ter entrado pelas janelas escancaradas no terceiro andar.
O calor até então desconhecido para os habitantes da cidade, também lhe acometeu da pior maneira.
Quedou-se, serena ou esgotada, sobre a esquadria branca.
Quem primeiro notou a presença dela foi a gata, que começou a saltitar, indócil. A felina escalou os objetos do chão rumo ao teto, crente que a alcançaria no bote fatal.
Acompanhei o intento e dei de olhos com ela. À certa distância, minha miopia divisou apenas um ponto escuro em destaque na alva moldura.
Ó, uma cigarra desgarrada da sua árvore-natal!
Aproximei-me desarmada e se tratava de uma barata. Sem poética, sem canto, muda, repulsiva, horrenda. O asco de sua presença tomou a casa inteira de assalto. Fugi dali em pavoroso grito.
Alguns minutos de histeria coletiva deram lugar à reação. A inominável recebeu dose de veneno sem piedade. Israel contra a Faixa de Gaza.
Mas o fantasma do ignóbil inseto certamente voejará por angustiantes noites de dúvidas:
e se houver (outro) amanhã?
e se houver (outro) amanhã?
Luciana Assunção (Lulupisces), jornalista e publicitária, poeta e escritora, autora de “As
desventuras de uma mulher que levou um susto e sobreviveu”. Mora em Brasília (DF)