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Você está gostando de viver no Brasil?

 


Tenho ouvido muito a palavra malaise. Trata-se de uma espécie de mal-estar indefinido, sem causa aparente, uma coisa vertiginosa que dá frio na barriga e sobre em direção ao peito, provocando uma tristeza branda mas persistente, criando uma sutil falta de esperança, dando vontade de desistir de tudo.

Dizem que o termo apareceu quando se enchia os navios negreiros nos portos da África, trazendo os cativos para a América, e no meio do oceano eles começaram a sentir saudades (banzo) de casa, surgindo aquela estranha sensação, uma melancolia terrível, levando-os - quando possível - a se jogarem ao mar.

Leio muitos textos e converso com pessoas e sinto que estamos todos vivendo uma espécie de malaise em terra firme. Queremos pular pra fora. O Brasil virou a terra da desesperança. Estamos agora homenageando os canalhas, revisando nossos conceitos. Não é burrice. É apenas instinto de sobrevivência.

Sei que ainda há muita positividade, Gente que acredita que as coisas vão melhorar. Mas esse contingente está diminuindo, Nem a turma do topo da pirâmide está aguentando. Muitos estão partindo para Miami, Lisboa, Madrid, Estados Unidos.

Os mais jovens planejam uma retirada em massa. Os mais velhos estão ressentidos. A minha geração está perdida, cada vez mais se apegando a uma onda saudosista, ouvindo músicas do Jerry Adriani, João Gilberto, Bee Gees, enfim, a grande (e última) levada de criatividade da música pop que, por osmose, está girando em looping por aí.

Voltei a ler Guimarães Rosa, Machado de Assis, Dostoiévisk, Schopenhauer, esperando compreender em que exato ponto nos perdemos, elegendo a trolha do Bolsonaro, depois Lula, dois picaretas extremos que atualmente disputam o pódio pra ver quem será o mais danoso historicamente para o País.

Eu - ingenuamente - imaginei que com a derrota do inominável, haveria uma nesga de ar para respirar, longe das emanações fascistas e das piadas do tiozão. Ledo engano. Depois de 8 de janeiro, quando vimos o Brasil em transe, parece que todo mundo descompensou, e Lula então aproveitou para mostrar os monstrinhos que têm dentro de si, falando maluquices em todas as esquinas, mostrando quem verdadeiramente é.

Depois arrumou uma enfermeira abilolada chamada Janja, que lhe sopra aos ouvidos conselhos que, racionalmente, não damos nem para nossos piores inimigos. O que se pode fazer? O homem é assim mesmo: precisa sempre de uma mulher maluca para estabelecer o seu eixo.

Enfim, estamos congelados no tempo, falando sem parar no perigo da tentativa de golpe de Estado e de seus desdobramentos - sim, porque um evento como aquele reverbera e vibra energia em todas as direções, contaminando o ambiente psíquico em todos os recantos - não conseguindo perceber que o verdadeiro Golpe foi, afinal, dado pelo Arthur Lira e pelo Alexandre de Morais. Ambos estão se divertindo, enquanto nós...bem, estamos aflitos, para dizer o mínimo.

Pergunto aos brasileiros e brasileiras: nos últimos sete meses alguma coisa mudou no Brasil? Não digo mudanças de tom e de palavras que demonstram apenas as sandices seculares de nossos governantes. Digo sobre a materialidade de nossas vidas, o alívio de estar vivendo seguramente num País democrático, tendo a liberdade de gritar e rebolar a hora que quisermos, enfim, aquela sensação que sentimos depois da certeza que o regime militar tinha acabado e era hora de começar a reconstruir nossas vidas, a ter gosto vivo pelas coisas, a experimentar a sensação de liberdade, lembram?.

Todos os números, estatísticas, levantamentos, análises políticas, medidas administrativas, mudanças estruturais, demonstram que com Lula ou Bolsonaro nada mudou. Apertaram o botão "stop" e tudo parece igual. Na política, quem manda é o Centrão (novidade), no Judiciário estamos vendo retrocessos escandalosos, na sociedade a polarização continua fornecendo os elementos da régua e do compasso para as ações contínuas de intolerância. No mais, a desigualdade social petrificou-se, a corrupção está aumentando, enfim, paramos no tempo, sem saber o que fazer: malaise.

Sei que muitos vão procurar argumentos e justificativas para contraditar este texto-desabafo. Tudo bem. Mas basta fechar os olhos e perceber onde estamos. Se a gente se mexer muito afunda na famosa lama intestinal que nós mesmos produzimos. Se ficarmos quieto a submersão é apenas mais lenta. Então, devemos fazer um imenso esforço para aprender a levitar. Não tem saída. Ou melhor: tem. A famosa porta do aeroporto.