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História da gente pantaneira: Quando o dia começa...


 
Por Leonardo Leite de Barros

Madrugada no Pantanal, passarinhada não começou a fazer algazarra, é dia de bagualhada.

Tudo começou bem antes, os viventes da baia do pau seco já foram estudados, saem para pastar de noite, o jeito é pegar o lote de baguá no lusco-fusco.

Zé Tripa comanda os novatos, vaqueiro experiente, laça qualquer herege nos trinta metros. O falado boi cornicho está no lote, todos sabem que se deixar o bicho ganhar a gravanha, já era.

Os preparativos são rígidos, ajeitar a traia, peia na cintura e laço de confiança. O principal é a escolha do montado, Zé Tripa já separou o saci, tordilho negro de sua doma, cavalo ligeiro e prático.

Tudo combinado, até a meia lua foi escolhida, Zé tripa avisa uma meia légua antes; “de agora em diante ninguém fala, vamos bater neles do sujo pro limpo.”

A baía do pau seco é quase uma campina no meio da gravanha.

A chegada é em silêncio perturbador, no escuro, só se escuta o coração dos cavalos que já estão trocando orelha, peonada de boca seca e mão suada, já se avista o vulto do lote de baguá, estão pastando tranquilos.

O primeiro vivente levanta a cabeça do mimoso tenro da madrugada, já sentiram a presença da pantaneirada, bummm! A figura de linguagem que mais se aproxima da situação é como assoprar um prato de farinha… os hereges esfarinharam.

No escuro, Zé Tripa divisou o boi cornicho, pregou a espora no confiança, largou a boca do saci, laçou o famaná na entrada do mato, boca de corda, o tirão do laço estrondou no cerradão e o vivente caiu de lombo no caraguatá.

Até o clarear do dia é cada um por si, quem voltar para casa sem amarrar ninguém vai ganhar algum apelido. No Pantanal tem bastante Feijão Perdido, Aranha, Mata Tropa…

Clareou o dia, os primeiros pantaneiros chegando à campina da baia do pau seco. Junta Grossa chega com o montado suado e de venta aberta, camisa rasgada e um sorriso dissimulado, “amarrei dois”, hoje é seu dia de glória, vai ganhar o respeito de todos.

Logo estão todos em volta de um tereré, hoje rendeu. Zé Tripa amarrou mais dois depois do boi cornicho, animado falou para os companheiros: “Vamos buscar o sinuelo, trelar os hereges e levar pra casa. Peguei uma novilha gorda, essa aí vamos comer assada”.

As façanhas serão aumentadas, a baia do pau seco vai mudar de nome, vai virar a baia do Zé Tripa. Já dizia velho poeta, a metade é mentira o resto eu invento.

Ainda não aprendemos dançar para boi baguá, quem sabe algum almofadinha da Globo pode nos ensinar.


Pecuarista Pantaneiro