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Secessão, Zema e Lorenzetto

 

Romeu Zema, Governador de MG

Se você está acompanhando a polêmica criada pelo Governador de Minas Gerais, Romeu Zema, a partir de uma entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, na qual ele deixou margem para se pensar que os bichos papões do bolsonarismo estão levantando a bandeira da divisão territorial do Brasil, separando os estados do sul e sudeste do nordeste, fique sabendo que o buraco é mais embaixo.

Há coisa de 12 anos, numa conversa informal com o então secretário de Fazenda do Governo de André Puccinelli, Mário Sérgio Lorenzetto, depois de acumular a experiência  de várias reuniões do CONFAZ - Conselho Nacional de Política Fazendária - ele me disse com tom de certeza de que chegaria um momento na história do Brasil que estaríamos correndo risco de enfrentar uma guerra civil por causa das nossas diferenças regionais. 

Na ocasião, não me assustei porque Lorenzetto era dado a exageros. Ele insistiu nesta tese porque não acreditava que seria possível promover uma reforma tributária que refundasse o pacto federativo e que as disputas entre estados fosse contornada  para evitar que um processo de secessão daria conta do recado. 

Lorenzetto relatou que sulistas e nordestinos nutrem preconceitos viscerais em relação ao outro e, no momento que alguém quisesse discutir seriamente a divisão do bolo tributário, cairia fatalmente nas questões culturais que fortalecem ressentimentos seculares que são nutridos por estereótipos de que os "paulistas" são capitalistas selvagens, dominadores e arrogantes, enquanto os nordestinos são preguiçosos, anódinos, que se acostumaram a viver sob as asas do Estado-papai e se amoldaram  com o mandonismo e o coronelismo que ali viceja, sem dar sinais de vontade de mudanças. 

No nordeste de Renans e Liras da vida se você não é Calvalcanti é Cavalgado, diz o folclore local.

Nas reuniões do CONFAZ (que reúne secretários de Fazenda de toda a Federação) - de acordo com o que dizia Mário Sérgio - tais fatos ficavam submerso na maioria das vezes, mas havia momentos de transbordamentos que alertavam para algo mais esquisito que estaria por vir caso o caldo cada vez mais fosse se adensando rumo à fervura. 

Pelo que vi nos últimos dias parece que Zema tocou num nervo latente que está infeccionado, principalmente depois das últimas eleições. 

Ele avalia erroneamente que difundir preconceitos pode colocá-lo na esfera do bolsonarismo raivoso. É possível. Mas a ideia é péssima.

Repararam que até o momento Lula e Bolsonaro não tocaram no assunto?

Não se trata de achar a ideia positiva ou pura maluquice do Governador de Minas. Trata-se de observar com cuidado para compreender o fenômeno. As diferenças regionais desencadearam crises desde o século XVII. Em vários momentos houve tentativas sérias. A região sul há tempos vem fomentando essa bandeira, sem sucesso, já que não há amparo na Constituição muito menos nas Forças Armadas. 

Mario Sérgio Lorezetto, ex-secretário de Fazenda de MS

Politicamente, contudo, a briga Sudeste versus Nordeste pode se transformar em mais um ponto de polarização e garantir sustento para populistas de todas as espécies, principalmente à direita. 

A reforma tributária ora em curso pode fazer aflorar sentimentos divisivos e simplificadores. Seria útil à sociedade brasileira que ela compreendesse a importância do pacto federativo, além dos interesses das elites regionais. 

É difícil explicar o País sob a égide da cosmovisão de que menos de 2% da população detenha mais de 25% da renda gerada em todos os Estados. No norte e nordeste o quadro ainda é mais grave e mais exclusivo.  

Claro, acender o estopim do dissenso e propor que devemos pensar em secessão é muito fácil. O complicado é imaginar onde isso vai parar.