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O golpe gerou um bicho papão que não vai dormir tão cedo


Ficamos sabendo pelas páginas (assim que diziam antigamente) que os militares inocentaram suas tropas e culparam o governo Lula pela tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro. Claro, isso altera um pouco a ordem natural das coisas. Até o momento, estava bem definido os níveis de responsabilidade e a intencionalidade dos golpistas. Havia uma narrativa clara sobre os acontecimentos, mesmo porque eles se deram à luz do dia, com ampla cobertura das TVs e com imagens que não deixam dúvidas sobre os acontecimentos.

Todos sabem: foi uma baderna, foi um escracho, coisa de gente raivosa e desavisada.

Mas o "dia da infâmia" ainda está sendo esmiuçado. Nesse processo, o que os militares estão dizendo é que o governo Lula foi negligente e incompetente na prevenção daquilo que viria a ser uma sedição golpista, com odores, sabores e louvores na direção de pacto autoritário que melaria a eleição e criaria uma crise institucional sem precedentes, da qual ninguém saberia que troço ia dar.

De antemão, advirto que até hoje não fechei o quadro conclusivo sobre o 8 de janeiro. Sabemos muito pouco ainda sobre vítimas e culpados. O que sabemos é que houve uma catarse coletiva com múltiplas motivações. Desde quem achava que o TSE havia fraudado a eleição para favorecer Lula até quem acreditava que estava salvando o País do comunismo.

Não há dúvida: aquele povo queria os militares no poder novamente, porque só assim coloca-se fim "à bagunça institucional".  

Certamente, não tenho dúvidas de que havia realmente intenções de balançar o coreto da democracia (mas qual democracia, se ela é relativa?), embora não se tenha claro até hoje o que queriam colocar no lugar.

Evito discutir o tema profundamente porque levantar muitas questões sobre o assunto pode dar ensejo de lhe colocarem ao lado de malucos ou, pior ainda, das teses estapafúrdias de Bolsonaro. 

Acredito que muitos jornalistas e analistas da academia não arriscam entrar de cabeça no assunto porque o momento não permite que se espirre muito alto sem que turbas outras o coloquem na camisa-de-força do cancelamento ou ao lado de fascistas da extrema-direita, o que tem sido um péssimo negócio para quem deseja manter a reputação de democrata.

Em tempos sombrios é melhor dar tratos à bola a fantasias e relativizações navegantes, sob pena de jogar fora sua integridade como ser humano e sua sanidade mental como bisneto do iluminismo progressista.

Mesmo assim, não podemos deixar de reparar que a tentativa golpista de 8 de janeiro está parindo filhotes de todos os lados e com todas as caras.

Politicamente, está impondo uma espécie de autocensura (comum na época da ditadura militar, sobretudo depois do AI-5) interditando o livre debate sobre Estado Democrático de Direito, corrupção, liberdade de imprensa, censura, perseguição aos inimigos político-ideológicos, uso deliberado da máquina judiciária contra vozes dissonantes e muito mais.

Já ouvi de muitas autoridades que ocupam funções relevantes no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nas redações de alguns jornais, na magistratura e entre políticos de vários partidos que o momento é de silêncio e contenção porque estamos vivendo nos "tempos de Alexandre de Moraes".

O Bicho Papão do Supremo Tribunal Federal (STF) é o ser mais poderoso do momento. Ele tomou gosto pela coisa e está pouco a pouco, de exceção em exceção, de precedente em precedente, justificando sempre que tudo que está fazendo é pela defesa da democracia, que certamente chegará uma hora, quando todos os antidemocratas estiverem vencidos, terão que inventar inimigos imaginários para continuar a justificar o exercício de um poder discricionário para a garantia da ordem legal.

Tem muita gente com medo e desconfiada.  

O Ministro Moraes está naturalizando o Estado de Exceção. Ele decretou monocraticamente que o bicho papão ficará acordado enquanto a liberdade estiver sob risco. Não é preciso ser versado em Teoria do Estado Autoritário para compreender o funcionamento de um sistema que se aproveita oportunisticamente de um fato grave para formar sua ninhada de monstrinhos.

O STF é um colegiado. Não é possível que seus membros não tenham posto reparo que Xandão há muito ultrapassou a linha vermelha. O problema é que enquanto Lula e Bolsonaro alimentam a polarização ele engorda, inclusive com apoio do Ministro da Justiça, Flávio Dino (sem que isso seja um chiste).

Brasileiros, fiquem tranquilos, viveremos sonhos intranquilos, noites esquisitas, com medo de sair de casa, pois seres estranhos habitam as ruas e avenidas de Brasília.