Texto de Alexsandro Nogueira*
Um domingo sem sol nem perspectivas. Gregório poderia ficar espreguiçando na frente da TV ou ouvindo música no sofá, mas um convite inesperado de Clementino para um churrasco, que o levou até ao casarão dentro de um condomínio fechado. Ali, ambos encervejaram e começaram a divagar sobre a vida. Falaram dos amores da juventude, da rotina entediante e fizeram planos para o futuro.
Gregório estava reflexivo, cabisbaixo e confessou ao amigo que sentia falta de Marlene, sua ex-mulher de quem se separara há pouco mais de seis meses. Na opinião dele, nada justificava o que ela havia feito: deixá-lo sozinho e privar os filhos da casa luxuosa que ele construiu para a família.
Já Marlene tinha outra versão pra contar dessa mesma história. Ela alegava que cansou de viver de aparência dentro de uma relação desgastada pela falta de carinho e honestidade. Às crianças, restou a dor da separação dos pais. Fora difícil a escolha com quem deveriam ficar.
A referência repentina à ex-mulher presume-se que esteja ligada à angústia e à solidão dos dias pesados que se parecem todos iguais. Naquela reminiscência de Gregório, Clementino percebia que toda aquela nostalgia tinha uma ponta de dor de cotovelo. Afinal, depois da separação, a vida de Marlene seguiu em frente, mas a rotina do ex era um misto de tédio e melancolia.
Marlene saiu da condição de bibelô e colunável para uma prestigiada carreira de professora de inglês, que lecionava em uma escola bilíngue da cidade. Enquanto Gregório, tinha a vodka ,o uísque e o barulho intermitente da televisão ligada, como companhia para suas noites insones.
Para suportar a falta da família, não escondia de ninguém que tem apelado a todo tipo de ajuda. Já procurou médicos, padres, pastores, mas foi uma conversa recente com um analista freudiano que o ajudou a decifrar as raízes de seus problemas.
Na opinião do terapeuta, a crise conjugal que culminou com o fim do casamento está ligada à futilidade e a falta de caráter de Gregório, que passava seus dias preocupado apenas em ostentar roupas de grife, carrões importados e uma carteira recheada de dinheiro. Era apenas um burguês vazio, sem assunto, banal.
Se houvesse alguma oportunidade para recompor o casamento e uma reaproximação com a família, ele estaria disposto a promover mudanças significativas na vida e abrir mão da futilidade, um esforço sobre-humano para cultivar uma relação mais próxima com a ex-mulher e as crianças.
Enquanto ouvia atento o remorso do amigo, Clementino foi surpreendido com uma mensagem de texto de Marlene. Ela desabafa, envia emojis com figurinhas de raiva e fala da nova vida com os filhos. Comentava sobre o recomeço difícil em um apartamento pequeno.
Um dos grandes problemas agora seria a dificuldade financeira pra manter o novo lar, modesto, mas repleto de amor e parceria entre mãe e filhos. Ela conta que como o salário no magistério não era lá essas coisas, precisou vender a BMW que ganhou de presente do ex-marido para mobiliar o apê e fazer um caixa para segurar as despesas mensais.
Ao invés do carrão, ela agora transitava pela cidade como passageira de motoristas de aplicativo. Nos fins de semana, não tinha mais a piscina, nem os churrascos com bajuladores de sempre. Agora, aos sábados, domingos e feriados, são três pessoas curtindo uma caminhada no parque do bairro onde foram morar.
Para evitar fofoca, Clementino não repassou essas informações a Gregório. Ao invés disso, sugeriu à Marlene que abrisse o coração ao ex-marido. Ela refutou a ideia alegando que além da frivolidade, ele tinha hábitos nada republicanos como empresário e negócios obscuros com outros colegas. A ex- mulher foi bem clara que não aceitaria dinheiro de origem duvidosa.
Clementino foi tomado por um susto, daqueles que param a bebida na garganta! Como relatar ao amigo deprimido que sua ex-mulher poderia expor sua vida financeira nebulosa por um aplicativo de celular?
Na tentativa de diminuir os estragos da relação e tentar reaproximar o casal separado, Clementino conseguiu (via whatsapp) convencer Marlene a conversar pessoalmente com o ex-marido. Desconfiada, a mulher topou, mas com a condição de que o amigo estivesse presente como mediador do conflito.
rês dias depois, em uma quarta-feira ensolarada, o trio estava reunido na mansão. Portas abertas, silêncio na sala, até Greg puxar conversa, oferecendo a casa aos entes queridos e se dispondo a sair dali para que a família voltasse a ter uma vida confortável.
Entre xícaras de cafés e copos de água, ela retruca e começa a gritar dizendo que nunca fez questão daquela vida de ostentação e só queria afeto e dignidade do marido. Ele começou a chorar, ambos choraram. Lágrimas, culpa, remorsos, sentimentos difusos. Gregório se levanta, ajoelha aos pés da ex-mulher e pede perdão, num gesto de humildade e submissão.
Marlene começa a dar sinais de que ainda existe amor e misericórdia em seu coração, abraça o pai de seus filhos, afirmando com os lábios secos que tudo vai ficar bem entre eles. A cena é comovente, capaz de fazer Clementino se emocionar, convicto de que praticou uma boa ação promovendo esse encontro do casal.
Antes da reunião acabar, Marlene enxuga os olhos, olha para Gregório e pede que ele se desfaça de tudo. Dos carros, da casa, do dinheiro escondido. Ela não quer nada disso. Só recomeçar uma vida simples, do zero. Greg fica arredio, dá dois passos para trás e enfurecido diz aos berros que tudo que está ali foi fruto de muito trabalho e dedicação.
Foram anos maquiando estratégias e se dispondo a tudo para enriquecer e dar uma vida boa pra família. Foi tudo abaixo. Marlene olhou para cena em tom de reprovação, apanhou a bolsa e saiu porta afora numa carreira desabalada. Gregório grita pedindo que ela fique. Não haverá acordo. Aquela história não terá um final feliz.
Um Clementino aborrecido se despede do amigo e também dá o fora da casa. Greg fica em silêncio por alguns minutos até se dirigir em direção á máquina de chope. Protegido pela bebida, ele começa a dizer a si mesmo que tentou de tudo, mas agora precisava curtir a vida, sem culpa. Tão forte essa sensação, que aproveitou para brindar o sol e dar um mergulho na piscina.
Aquela altura, a ex-mulher já sumira pelas ruas, dando indícios de que não voltaria à mansão. Na cabeça de Marlene só havia um pensamento. Mesmo ainda amando Greg, tinha certeza de que não gostaria de passar por tudo aquilo de novo: solidão, vazio existencial e o medo de ser cúmplice das falcatruas do ex-marido. A vida seguiria seu curso com Marlene trabalhando e cuidando dos filhos. Já Gregório voltava à sua rotina chamando Clementino e outros amigos para seus churrascos no condomínio, mostrando ao mundo que pelo luxo e pela ostentação, o crime compensa.