O falecimento de Milan Kundera, aos 94 anos, traz de imediato à memória seus romances dos anos 80 e seus livros de ensaios ("A arte do romance", talvez o melhor deles), que foi uma referência poderosa dos meus anos de juventude, principalmente porque traduzia aqueles sentimentos de perplexidade com o sonho ( e pesadelo) do que se chamava de socialismo real.
Com a "Insustentável Leveza do Ser" (que devia ser traduzido corretamente por a "Insuportável leveza do ser") ficava claro que o Stalinismo era a representação de um mundo sombrio, com viventes dilacerados, sem rumo e sem futuro, que não somente colocava em xeque um regime político como como trazia a lume uma profunda desilusão com o sentido de viver.
Kundera misturava literatura com aquela filosofia negativa que tinha um tremendo poder de fascinação, flertando com conceitos como o do kitsch, esculhambando com o modo de vida da cultura americana, revelando que o problema não era capitalismo nem comunismo, mas sim a alma humana, na sua capacidade de embarcar alegremente na direção de rotas equivocadas, sem perceber que estava seguindo na direção ao abismo.
Ler os livros de Kundera significava antecipar-se ao que hoje vivemos, percebendo que a esperança é uma quimera e que os bons sentimentos, a vontade de construir um mundo melhor, nada mais são do que preencher o tempo vazio com balões de ar.
O escritor tcheco era um pessimista, um sujeito amargo, alguém que na juventude acreditou que a ideia de sociedades igualitárias era possível, para em seguida perceber, por experiência própria, que a degenerescência política não suporta o peso de nossa incapacidade de ser feliz.
Carrego o peso de muitos livros de Kundera nas costas. A morte do escritor reaviva em mim lembranças de um tempo diferente, no qual acreditava que talvez sua obra pudesse estar completamente equivocada, que a humanidade saberia alterar o rumo da história, e que tudo seria mais leve, mais suportável, menos dolorido.
Eu estava errado. Kundera estava correto. Infelizmente.