Dante Filho
Muitos amigos, amigas e familiares desmoronaram depois que saíram os resultados das urnas, no último dia 02.
Aqueles que acreditavam que Lula liquidaria a fatura no primeiro turno estão, até o momento, desconsolados, olhando para o vazio, procurando explicações.
Os que tinham certeza de que as pesquisas estavam furadas, contando que Bolsonaro teria cerca de 60% dos votos válidos, ficaram atordoados, mas estão reagindo com maior determinação para vencer a parada.
Ambos os grupos ficaram sem chão. Surpresas, choros e ranger de dentes. A imagem é um clássico, mas não dá para pensar em outra.
O PT não tem hoje tanta certeza agora de que Lula chegará lá.
O Bolsonarismo adquiriu uma confiança necessária para impulsionar seu candidato, vendo o Lulismo se esboroar, adotando métodos de selvageria que sempre criticou no adversário.
Para aqueles que não foram capturados pela polarização afetiva durante todo esse processo, permanecer olhando o cenário político com a tranqüilidade e curiosidade acerca dos fenômenos postos para serem analisados, ao longo processo de decantação que teremos pela frente, depois que tudo passar, será um feito e tanto.
Muito material de pensamento tem sido produzido. Há um fato posto: o Congresso Nacional eleito (que hoje tem o poder real nas mãos) é péssimo pra Lula. Se ele for escolhido há sérias indicações de que o espírito divisivo não deixará que ele governe do jeito que governou no passado. Lula terá que se adaptar. Ele consegue. Mas o petismo, e seu entorno, conseguirão?
Outro fato posto: o antipetismo mostrou ser a principal força política do País. As pautas do “progressismo chulé” são rejeitadas por uma sociedade que não suporta mais papo cabeça e gente que imagina ser dono das virtudes morais, num mundo em que os sentimentos estão fragmentados e as pessoas estão cada vez mais vivendo no nicho de suas individualidades.
Este tipo de “progressismo” centrou sua propaganda política em torno de duas bases: defesa da democracia e risco de golpe de Estado. Não colou. Nem vai colar.
A democracia não é um conceito unívoco. A formação de um amplo contrato social num País das dimensões e complexidades do Brasil não consegue abarcar visões universalistas, hegemônicas e ortodoxas.
A eleição mostrou que há recortes sentimentais que ainda não estão claros. Será preciso despir-se de certa arrogância intelectual e de preconceitos contra a rusticidade de certos comportamentos, não para julgar e sim para compreender. Refletir não significa aceitar.
O papo de golpe sempre foi uma piada publicitária. Basta uma simples pergunta para qualquer jornalista e intelectual da academia: se vocês escreverem um artigo crítico, bem pesado, contra a presidência da República, e publicá-lo com grande repercussão, haverá temor que na madrugada seguinte homens esquisitos invadam seus domicílios, o sequestrem e o torturem para lhes dar um corretivo?
Pode ser que aconteça (como foi no Brasil depois do AI5), mas não há esse medo nas mídias atuais, porque de cada 10 textos publicados 8 desancam Bolsonaro. Ainda não vi nem ouvi pessoas reclamando por sofrer violência direta e explícita pelo que escreveu contra o presidente.
Bolsonaristas podem ser estridentes, malucos e atacarem virtualmente gente da imprensa e da academia, mas nada mais do que isso aconteceu As reclamações contra a imprensa provêm de todos os governos. Uma vez Collor mandou invadir a Folha de São Paulo, lembram-se?
Repete-se a questão, trocando de personagens: se você decide escrever contra membros do STF, escolhendo como alvo o Ministro Alexandre de Moraes, o famoso careca nazi do plano nacional? Eu digo por mim: tremo. Fico imaginando a Polícia Federal derrubando a porta de minha casa fazendo o diabo de minha vida.
Membros do judiciário já deram o golpe faz tempo e muitos abilolados pensam que eles estão “defendendo a democracia”. É difícil compreender qual é essa democracia.
Muitos teóricos e figuras de proa de nossa intelectualidade têm destacado em suas análises a questão das “falsas equivalências”. Reitero: Lula e Bolsonaro são personagens que se refletem no espelho, olhando um para o outro, procurando pequenas diferenças entre si. Por isso, escolher entre os dois é tarefa complicada.
Mas já sabemos uma coisa antecipadamente: um deles não vai governar, e outro continuará com os mesmos atropelos mantendo ideia de crise e montanha russa.
Viva a democracia brasileira!