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Só os democratas choram


 

****Dante Filho****

Meu refúgio é Campo Grande. Quando o frio de Floripa aperta arrumo um jeito de passar uns dias na cidade morena, que foi minha morada por quase 40 anos (afetivamente ainda é). O inverno na chamada Ilha da Magia é rigoroso e não dá trégua. Mesmo nos dias azulados, com sol a pino, nada aquece, o vento sul castiga, e os serviços de meteorologia não dão uma tênue esperança de que o clima possa ficar mais ameno. Aqui as estações são bem definidas. 

Nos dias nublados ou ensolarados gosto de andar na praia deserta. Sinto-me num filme sueco. Vejo aqui e ali algumas gaivotas, alguns pássaros esquisitos que correm na areia, às vezes, um pescador, noutras, famílias de argentinos olhando para o horizonte, tomando chimarrão, talvez pensando no buraco que o presidente Alberto Fernandes e Cristina Kircher cavou para que o País nunca mais consiga ter esperança nem solução. 

Outro dia encontrei uma tartaruga gigante morta na areia e fiquei meio impressionado. Dias depois vi que mais de 50 urubus banqueteavam-na, numa cena totalmente surrealista: enquanto o sol da tarde refulgia naquele imenso vazio outonal, os carniceiros se fartavam de carne podre com alegria incontida. 

Lembrei-me do Brasil. Naquela noite nossos pavões da democracia apareciam nas redes de TV celebrando o óbvio, mas pensei cá comigo: eles estão corretos, precisamos fazer alguma coisa para que tudo continue na mesma, nessa mesma ausência de sentido, na qual as palavras traem a si mesmas disfarçando as reais intenções dos gestos. 

Escrevo há muito tempo. Aprendi com esse ofício (cada vez mais incompreendido), que é no texto que a falsidade vigora com toda a força e que a democracia só existe quando trabalho sem medo do governo chutar a minha porta e me prender. 

Desde os anos 80 não tenho medo. Mas nos últimos tempos comecei a temer o Judiciário, esse Poder que diz defender a “democracia”, mas faz jornalistas, pensadores e comediantes tremerem quando o oficial de justiça bate à nossa porta com ações punitivas solicitando danos morais, querendo paga de valores estratosféricos que eles sabem não haver como pagar. 

Claro, os reclamantes têm poder e influência. E os reclamantes sempre estão em vantagem porque estes geralmente têm muito dinheiro (roubado ou não) para gastar contra os fodidos da vida.

Tenho histórias com o Judiciário que só não escrevo em detalhes sobre elas porque tenho medo.  É isso: medo da democracia do judiciário. Outro dia um Juiz decidiu, por meio de tutela antecipada, que eu não podia escrever que um determinado picareta, representante de um partido mais picareta ainda, não podia ser chamado de “besta quadrada” porque não havia provas sobre isso na vida pregressa do animal. E me ameaçou com multa de R$ 10 mil por dia caso não retirasse o artigo de minhas redes sociais. Democracia pura. 

Recentemente, recebi duas notificações da justiça eleitoral de MS – uma proveniente da campanha de Marquinhos Trad, e outra do Capitão Contar – por conta de postagens no Facebook, sob a alegação de forte campanha negativa, além de fake news etc, etc, num cipoal de acusações descabidas, tratando-me como se eu fosse filho de Asmodeu chegando à terra trombeteando o dia do juízo final. 

Fiquei me perguntando: não seria mais simples, fácil, civilizado e democrático me ligarem, apontando o erro, o engano, o equívoco, sei lá, e pedindo educadamente que corrigisse ou retirasse as postagens? Pra quê fazer grandes dramas?.., mesmo porque, no texto da representação, eles apontam que o meu alcance é insignificante e que só escrevo bobagens. Qual a importância desse escriba na fila da feira? Ora, ora...

Mas não. Eles precisam dar trabalho aos advogados contratados a peso de ouro para admoestar jornalistas solitários, que trabalham apenas por vocação e desejo de participar da história, sem ter na retaguarda grandes empresas e organizações. Destas, eles morrem de medo e se curvam porque o prejuízo à imagem é maior e, assim, acho eu, compensa mais intimidar aqueles que só têm a perder a dignidade, já que possuem apenas um computador e uma ideia na cabeça. 

Fico aqui pensando nestes dias frios, aquecido em frente à lareira, lendo uns livrinhos, acompanhando o noticiário, escrevendo artigos, o que, afinal, o Pinóquio e o Dronão (ambos teleguiados por uma publicitária maluca) pensam em fazer a meu respeito, já que não tenho importância nenhuma, não desejo cargos, não aceito dinheiro, e só escrevo o que tenho vontade, ouvindo ópera e tomando café forte? 

Talvez eles, democraticamente, pensem que usando o judiciário (já que tenho medo desse povo de toga) possa me fazer chorar e amargar minhas dores numa praia vazia, olhando as gaivotas, e não sabendo o que fazer com a carcaça de uma tartaruga gigante sendo devorada por urubus.

*Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de Mato Grosso do Sul