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O papel difuso de Adriane Lopes



DANTE FILHO

*********Ser vice é pior do que tomar banho de cuspe fervendo. A frase, imortalizada por Paulo Francis, abre exceções, mas quem aceita ser coadjuvante sem uma função específica passa o tempo remoendo rancores e desejos porque o titular centraliza as atenções, manda nos holofotes e determina como funciona a administração. 

Ser Vice é aceitar o papel secundário, substituir o incumbente nas suas ausências, limitar-se a um papel decorativo, cuja vacuidade só não é pior porque sempre há uma expectativa de poder. 

Diante disso, sempre ronda na cabeça de todo vice a oportunidade do golpe da substituição. Derrubar e assumir o lugar do titular alegando inépcia, fruto de algum escândalo irrecorrível ou doença incurável, esses sonhos habitam as fantasias de quem está na linha direta da sucessão. Ser Vice também é padecer de uma doença golpista. Falar o contrário é falso, porque o mecanismo atrativo do poder mexe com a alma.

A sorte da nova prefeita de Campo Grande, Adriane Lopes, é que ela se conformou rapidamente no papel de secretária da 1ª Dama, Tatiana Trad, com a terceirização da secretaria de serviço social dentro de seu gabinete, detendo o comando do nicho assistencialista da administração. Sua afinidade com Tatiana deu-se em função da sublimação que toda mulher de fé enfrenta em ambientes organicamente machistas como são as igrejas evangélicas.  

Vejo que tem muita gente celebrando a posse de Adriane pelo fato dela ser mulher. Ela, habilmente, está explorando esse elemento, mas chegará o momento de se descobrir que os problemas da cidade e sua administração não têm gênero, não são masculinos nem femininos, são apenas a vida como ela é. Como se diz, o serviço público é repleto de subjetividades, impessoal, inodoro e incolor.

Conforme o tempo passar, Adriane descobrirá que terá que fazer mudanças de pessoas, de programas, de agenda, enfim, terá que moldar a gestão conforme sua percepção, não tendo nada a ver com compromissos políticos assumidos com seu antecessor, mesmo porque a realidade é dinâmica, as motivações são outras, e sua personalidade tem outros donatários.

Chegará o momento em que ela começará a pensar na sua reeleição. 

Se Adriane for uma mulher forte e determinada, conforme vem dizendo, com certeza não aceitará o carimbo de ser uma Amélia a obedecer cegamente o ex-prefeito, dando mostras de que é suficientemente capaz de gerir Campo Grande conforme suas ordens de comando. Nenhum prefeito (a) aceita governo paralelo.

Diante disso, sua posição política é delicada: se aparecer muito, mostrar-se melhor e mais eficiente que o antecessor, poderá enfrentar a natural onda de ciumeira do grupo remanescente, que obedecia Marquinhos, enfraquecendo o modelo de gerenciamento vigente, criando assim impacto na campanha eleitoral. Depois, haverá sempre intrigas e movimentos de traição.

Digamos que  a candidatura de Marquinhos não decole, furando a previsão de que ele irá para o segundo turno numa disputa contra André Puccinelli (pois, afinal, essa é a tese em voga e que está na cabeça de seus apoiadores). 

Com isso, o ex-prefeito será pouco a pouco abandonado, até chegar o tempo em que a prefeita terá que fazer seu próprio jogo de sobrevivência, apostando tudo na reeleição do deputado Lídio Lopes. 

Claro, Campo Grande é uma máquina, tem potência e detém cerca de 30% do eleitorado do Mato Grosso do Sul. Só que essa máquina está rateando, queimando óleo 90, e há dúvidas se conseguirá atender as demandas que surgem em períodos eleitorais. 

É provável que na primeira crise (sempre há) a nova prefeita seja testada, podendo dar ao público a certeza de que ela é diferente e pode domar o leão selvagem. 

Adriane ficará dividida entre seu grupo político e o do ex-prefeito. Marquinhos deixou uma herança ruim pra ela. Aumentou despesas com pessoal e empenhou uma fatia do orçamento. Ela vai precisar de um aumento de receita pra fazer frente aos gastos crescentes que virá pela frente. Haverá obras e contratos a cumprir. Ou seja: terá que bater à porta do governador Reinaldo Azambuja. Vai daí...

A única saída de Marquinhos é crescer nas pesquisas, polarizar as preferências, obnubilar seus adversários e superar as adversidades. Seu discurso de saída, em 1º de abril, foi lamentável. Um espírito de porco lançou na internet um concurso de que se qualquer cidadão encontrasse ali uma verdade ganharia um ano de IPTU de graça. 

Ao mesmo tempo, paralelamente, descobriu-se que a vasta propaganda de que Campo Grande havia sido a primeira capital a receber a certificação como modelo de gestão era fake, pura invencionice de gente maluca. Em seguida, a justiça eleitoral divulgou que recente pesquisa que apontava Marquinhos em primeiro lugar havia sido fraudada. Por fim, descobriu-se que bala de prata que era a indicação de Ricardo Ayache para ser o vice na sua chapa era mera fumaça. Nada deu certo.

Nesta semana, Marquinhos vai tentar obter visibilidade nas redes e na imprensa. Dará a impressão de substância. Mas até agosto – que é quando o jogo começa pra valer – será uma sombra apagada na memória. Vi algumas peças publicitárias. E logo me questionei se essa produção foi feita com recursos públicos ou partidários. E se o Ministério Público Eleitoral resolver investigar? Mesmo assim, é impossível deixar de notar que a padronagem da propaganda oficial é a mesma da do candidato.

Marquinhos talvez agora entenderá que optou por uma política de comunicação que exige superexposição permanente, mas que agora torna-se insustentável porque ele não tem capacidade de gerar fatos o tempo todo, nem dinheiro. Sem contar que a nova prefeita é que será o foco das atenções. Se Marquinhos colar nela, pegará mal, porque haverá um fator divisivo a confundir as pessoas. Complicado.

Outra coisa: chega uma hora que o vazio inunda o vazio e o próprio eleitorado enjoa do mesmo assunto. Aí será o momento da criatividade. Será que a equipe de marketing do candidato terá chance de enfrentar um candidato governista extremamente capilarizado no interior do Estado?  Será que o eleitor de base deixará de prestar atenção em Puccinelli e Rose Modesto? Será que os formadores de opinião não perceberão claramente que Riedel tem muito mais preparo e conhecimento administrativo do que Marquinhos? 

De onde virão os votos do ex-prefeito nesse ambiente?

Reparem: não temos um governo em crise, ao contrário, os cofres públicos estão cheios (ao contrário da prefeitura), obras estão sendo realizadas (Campo Grande está parando, esperando o socorro do Governo do Estado), salários elevados, corpo político consolidado, enfim, não há desejo de mudanças motivando o eleitorado a pensar em outro rumo. O continuísmo tem forte apelo. 

Propor “mudanças” nessa hora soa discurso vazio. O combate à corrupção tornou-se um diálogo para apascentar bovinos, mesmo porque temos à frente nas pesquisas um dos maiores corruptos do planeta jurando que vai vencer no primeiro turno. 

Os ares mundiais estão mudando. Marquinhos é um candidato provinciano, pouco curioso em relação às complexidades sociológicas. Ele acha que os evangélicos formarão uma massa que obedecerão aos pastores que o apoiam. Não funciona assim. Mas quem sou eu para ter uma opinião divergente dos ungidos pelo dom divino da genialidade política?

Volto ao assunto.