As eleições presidenciais de 2022 são assuntos da mídia, dos grupos mais informados e dos agentes do mercado econômico. O tema ainda não chegou ao grande eleitorado, que por ora sofre com a pandemia, queda na renda, desemprego e fome.
Os ricos estão mais ricos e a massa da sociedade ou empobrece ou fica trancada em casa com medo e padecendo de sofrimento psíquico. Muitos choram seus mortos, outros seguem aglomerando em baladas cadavéricas, festas clandestinas e reclamando do lockdown (que, verdadeiramente, nunca existiu em todo o País).
A atual fase de sangue, suor e lágrimas se arrastará pelos próximos anos. Não é hora de sorrir nem cantar.
No momento certo, a eleição tornar-se-á o assunto da vez, engajando milhões de brasileiros, que, ouvindo, falando, discutindo, serão bombardeados diariamente pela propaganda dos candidatos para, assim, formar consensos e selecionar aqueles que estão aptos a comandar o poder no tempo regulamentar ditado pela Constituição. Esta é a regra do jogo.
Será a hora do balanço do passado e do imaginativo salto para o futuro.
Por enquanto, nos alimentamos de especulações, de desenho de cenários e notícias em torno da articulação de partidos e de pré-candidatos.
Haverá o tempo certo para o teatro da vida abrir suas cortinas e a platéia avaliar o que está achando do espetáculo. Por enquanto, tudo é ensaio. Os atores e atrizes se aquecem nos bastidores.
Por injunções de natureza histórica e cultural, dois nomes despontam na voga dos acontecimentos, galvanizando as atenções do público: Bolsonaro e Lula. Para muita gente, os dois dividirão as preferências, não deixando espaço para o surgimento potencial de outros nomes, algo que seria útil até para, quem sabe, interromper o círculo populista e autoritário dos últimos 30 anos. Será difícil, embora não impossível.
Mas somos o que somos, gostando ou não, essa é a lógica do nosso sistema. A polarização dos últimos tempos deixa cada vez o campo das abstrações e passa a incorporar a realidade com força jamais vista. “Polarização” não é mera palavra. É um fato.
Parece que a ninguém é dado o direito de discutir escolhas fora da enquadratura bipolar estabelecida de nossa política.
O debate fragmentado, essência da democracia representativa, no qual múltiplas visões se somam, subtraem, dividem e multiplicam percepções, termina sendo engolfado pelo maniqueísmo que reduz tudo em branco ou preto, não havendo margens para se pensar em outras graduações de cor.
Se for isso – tomara que não seja – será exigido do eleitorado mais do que impulso emocional, talvez ponderações minimamente racionais sobre o que estará em jogo em 2022. Será uma missão difícil, mas vale a pena tentar.
A democracia vem demonstrando que o eleitor é um ser cada vez mais pragmático. Dizem que se vota olhando o bolso e o estômago. Pode ser. Mesmo a eleição constituindo-se numa manifestação coletiva, o voto individual nucleariza o processo pela soma das escolhas que ocorrem nas vicissitudes cotidianas.
A vida que se está levando fortalece convicções. E a vida que se poderá levar cria um ambiente de ilusões que transforma o voto num instrumento de esperança.
Claro que o pragmatismo do eleitor é essencialmente imediatista. A memória é curta, mas sentimentos subliminares como raiva, ressentimento e perda de perspectiva ficam sedimentado no leito da consciência, podendo emergir conforme as campanhas acionam gatilhos emocionais nas mais variadas dimensões.
O escopo da campanha de Bolsonaro será fazer o eleitor acreditar que ele merece ter mais um mandato na presidência. Mesmo que em quase todos os aspectos de sua gestão sobressaia a impressão de que um desastre de proporções gigantescas esteja sendo engendrado, erodindo as bases das instituições e do próprio conceito de democracia, o Capitão segue em sua corrida maluca, com apoio de sua torcida de seguidores em número mais ou menos estável.
É inquestionável a resiliência do Bolsonarismo. Se olharmos os níveis de popularidade de Temer e de Dilma, todos sabem que por muito menos ambos foram jogados na lata de lixo da história.
Mesmo pisoteando milhares de cadáveres, arrombando a política ambiental, jogando fora qualquer laivo de liberalismo que antes ornamentava sua agenda econômica, além de engrenar o Centrão no eixo do poder, por incrível que pareça Bolsonaro segue a mesma toada do negacionismo explícito, agredindo a imprensa, maltratando o bom senso, liquidando o combate à corrupção e fugindo da realidade para o mundo das Fake News. É um espanto.
A loucura tem método. É uma metodologia que retroalimenta narrativas formatando paranóias e teorias conspiratórias dignas de filme da Disney. O povo bolsonarista gosta disso. E assim seu mito segue em frente, sempre lembrando que o aparelhamento petista, o STF e a oposição o impediram de governar como se deve.
No próximo ano o Capitão deve, com certeza, falar que 4 anos foi pouco para “arrumar toda essa bagunça que taí”, para liquidar a fatura do politicamente correto, impedir a volta da esquerda e garantir o lema da “Pátria Acima de Tudo, Deus acima de todos”, mantendo seus índices de 30% de preferência nas pesquisas, o que lhe poderá garantir uma passagem para o segundo turno.
A mamata ainda não acabou, é sempre bom lembrar. E é assim que muitos especialistas desenham o cenário futuro.
Muitos insistirão na tese de que 4 anos foi pouco e que o Capitão merece mais um quadriênio pela frente para “terminar o serviço que começou”, mesmo porque ele não construirá um sucessor, deixando sempre no ar a penumbra do golpe ou de uma manobra para garantir a longevidade da direita no poder.
No contraponto, Lula trará consigo a história de 12 anos do PT no comando do País, com seus ganhos e perdas, evitando falar do mergulho que ele e seu partido deram no lamaçal da corrupção, escondendo os tenebrosos anos Dilma, com o relicário de invencionices já conhecidos.
Por experiência, sabemos o que Lula vai falar, qual a direção do seu discurso, quais são suas promessas e quais juras sinalizará para todos os lados, acenando paz & amor, tentando, pela via da vitimização e do salvacionismo, ampliar a base de apoio, fazendo uma convergência ao centro, na tentativa de buscar eleitores da classe pobre conservadora e da classe média arrependida.
Vai dar certo?
Ninguém sabe. O que a imaginação pode alcançar é a possibilidade de Lula ser eleito num segundo turno ao qual o bolsonarismo promete desde já fazer um pampeiro caso os votos não sejam auditáveis e a palavra “fraude” seja devidamente engolida pelos quartéis. Tudo complicado.
Mais: até as emas do Palácio do Planalto sabem que se isso ocorrer Lula não ficará apenas 4 anos no Planalto, mas provavelmente 8 anos, dado sua experiência com reeleições e, como não se pode deixar de esquecer, com a eleição de seu poste preferido.
Ou seja: o eleitor pragmático poderá estar endossando vida longa ao PT, colocando em jejum o centro e a direita por anos e anos longe da presidência, o que para o Centrão faz pouca diferença, haja vista que os objetivos desse condomínio no exercício do poder são todas as coisas que estamos cansados de saber.
Espera-se que o jogo comece pra valer a partir do segundo semestre, embora as incertezas sejam crescentes com a CPI da Covid, com as ações da Operação Lava-Jato (natimorta, embora útil na hora certa) e com as estripulias filiais dos candidatos. Os filhos darão trabalho para muitos candidatos durante a próxima campanha.
Por fim, o fluxo dos eventos mostrará qual será a correlação de forças que emergirá da complexidade desse processo. Tomara que o atual cenário mude. Caso contrário, o Brasil continuará muito difícil para se viver. Triste.