Artigo publicado originalmente no Correio do Estado:
O tema do momento é a divisão política que a sociedade brasileira vive. Numa democracia amadurecida, tal acontecimento seria saudável. Seria a demonstração de que convicções sobre os melhores projetos de desenvolvimento econômico e social funcionariam como força vital para nos tornarmos um País melhor e mais justo.
Debater idéias, encontrar soluções consensuais, aceitar derrotas e compreender vitórias com humildade, tudo isso seria importante para que avançássemos rumo à construção da tão sonhada unidade nacional. Haveria perspectivas para a superação de entraves históricos que tem nas desigualdades a face mais iníqua de nossa realidade.
Infelizmente, vivemos um período adverso. A raiva substituiu a razão, o ranço substituiu o discernimento, o ódio está substituindo a base das relações fraternas entre homens e mulheres.
Mesmo assim, ainda há tempo para se ter esperança, pois a cidadania é um conceito que deve prevalecer sobre esse manto de revolta espasmódica, por ora encapada pela frustração e pelo sentimento de fracasso geracional.
Olhando sob perspectiva histórica, podemos concluir que esse é um momento de alteridade, fruto de um processo de mudanças, cuja gênese deu-se nas chamadas jornadas de junho de 2013, e que, sendo assimilado de maneira equivocada pela classe política, face às demandas difusas colocadas nas imensas manifestações populares do período, resultou numa profunda divisão de sentimentos entre todos os brasileiros.
Assim, passo a passo, elaboramos uma espécie de ruptura com o projeto de construção de uma sociedade pacífica, colocando-nos uns contra os outros com base em preconceitos ideológicos e sentimentos de classe. Os Poderes da República entraram em rota de colisão permanente, uma presidente sofreu impeachment e inúmeros personagens de proa da classe política foram para a prisão.
O grande problema, contudo, foi a de que não imaginávamos a extensão e profundidade de nossa crise, que fortaleceu as franjas radicais de nossos mais diversos grupos sociais. A pergunta que se faz é se esse fenômeno é episódico ou duradouro.
Nesse aspecto, o momento é de incertezas, pois estamos contaminados pela visão de curto prazo em decorrência das proximidades das eleições. O brasileiro traz na sua alma a índole da conciliação, do diálogo e da compreensão generosa das mais variadas visões de mundo. Isso deve ser resgatado em nosso próprio benefício.
Recentemente, o Ministro Luis Roberto Barroso, afirmou acertadamente que o “Brasil segue na direção certa ainda quando não na velocidade desejada”. Mesmo assim, como presidente da OAB/MS, tenho o dever institucional de manifestar publicamente as preocupações dos advogados com aspectos importantes de nossa realidade, principalmente aqueles que se desviam dos princípios do bom senso e do equilíbrio.
Temos que cultivar os espaços democráticos para o diálogo produtivo, sem o qual estaremos apostando numa inédita regressão civilizatória. Não será na bala nem na faca que vamos resolver nossos problemas. A superação de nossas diferenças passa pela nossa capacidade de construir, democraticamente, um ambiente ético, saudável e transparente, onde possamos nos colocar abertamente sem medo de preconceitos e represálias.
Hoje a agenda do País está, infelizmente, comprometendo-se demais com uma visão unívoca e autoritária do mundo. Tal fenômeno vem ocorrendo em outras partes, mas a grande virtude da democracia é que quanto mais questionada ela é, mais ela se fortalece. Não acredito que haja riscos porque nosso compromisso com a liberdade é o nosso bem mais precioso.
Mesmo assim, devemos estar sempre em alerta. Há momentos em que o coração deve conversar com a razão. Não há outra maneira de avançarmos rumo a um futuro cuja paz e prosperidade prevaleçam.
*Presidente da OAB de Mato Grosso do Sul