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Dante Filho: Candidatos & candidatos



Três histórias sobre candidaturas da última campanha eleitoral. 

História 1 – Um amigo me chama para dizer que havia decidido ser candidato a deputado estadual. “Tô eleito”, afirmou, pegando-me pelo braço ao se sentar numa poltrona confortável de seu escritório. “Qual o seu plano?”, pergunto. 

Ele não se faz de rogado: “sou um cara conhecido, tenho amigos, estou sempre rodeado de políticos, todo prefeito e governador beijam a minha mão, todos me apoiam, não vou gastar muito, essa tá fácil!”. 

Balanço a cabeça pensativo,  e ele continua: “ vou colocar dois jornalistas para fazer minha rede social, fazer umas postagens e gravar uns vídeos...olha, pela minha avaliação, nesse partidinho que escolhi para me filiar, acho que com uns 18 mil votos me elejo”. 

Preferi ficar em silêncio e deixar o homem falar: “olha, contratei também uns caras para as reuniões de bairro, vou lá e explico minhas propostas, aquele papo furado com seu Zé e dona Maria, beijo umas criancinhas, digo aquelas coisas contra a corrupção e a bagunça que virou esse País... Te digo, meu caro: tenho certeza de que vou receber uma enxurrada de votos...”. 

Dei um abraço no amigo, desejei boa sorte e esperei, no dia da eleição, o aluvião de votos que ele me disse que receberia. 

Na contagem final, em vez da enxurrada, os votos vieram em conta gotas, minguados 1600 eleitores o haviam escolhido. 

Quedei e fiquei meio aborrecido. Resolvi ligar no dia seguinte para dizer ao coitado que eleição tem dessas coisas, que na próxima ele se sairia melhor, enfim, palavras que consolam. 

O telefone chamou várias vezes – e nada. Depois de centenas de tentativas, consegui falar com sua secretária. Ela atendeu e sussurrou: “coitado, o homem está inconsolável, se enterrou no quarto e não quer falar com ninguém, só fica gritando ‘traidores, traidores’...”

Deixei-lhe um recado: esqueça a política, faça uma viagem à Europa. 

Parece que ele foi.

História 2 – Uma dileta amiga, dama de nossa melhor sociedade, me liga querendo me contar a última grande novidade da praça. “Pode falar”, disse. “Não, meu querido, tem que ser pessoalmente”. 

Lá fui eu ouvir a boa nova. 

Depois de servir um uisquinho, ela chacoalhou os braceletes de prata peruano, e me contou com um grande sorriso no rosto: “vou ser candidata a deputada federal”. Engoli a seco. “Como assim!?”. Ela continuou impávida: “precisamos mudar o Brasil, mudar a política, acabar com essa velharia que está aí”. 

Virei o uísque numa só golada, respirei fundo, e desabafei: “não faça isso, a política é a arte da desilusão”, tentei uma frase de efeito. 

Não adiantou: “vou organizar a campanha com minhas amigas, postar minhas propostas nas redes sociais, gravar vídeos, bater na tecla do poder às mulheres, pode ter certeza de que vou ser eleita”, disse com voz altissonante, parecendo a primeira-dama da ópera de Paris. 

Afundei na poltrona. E deixei que ela falasse mais: “olha, está tudo organizado, vai ser uma campanha pobre, mas meu marido vai dar uma ajudazinha, apesar dele ser to-tal-men-te contra”, comentou com um sorriso de satisfação no cantinho da boca. 

Pensei comigo: santo homem, ainda bem que tem bom senso...

Servi-me de mais um gole e fiz a pergunta fatal: “de quantos votos você acha que vai precisar para se eleger?”, no que ela respondeu fulminante: “isso eu ainda não sei, mas se todo mundo que conhece minha família votar em mim isso não será problema, tô eleita...”. 

Antes de sair, fiz ainda a pergunta fatal: “você está preparada para perder?”. 

Ela fez um gesto folhetinesco e afirmou: “claro!”.

No dia da eleição, depois da apuração, fui verificar: minha dileta amiga havia arrebanhado 786 almas em prol de sua causa. Esperei dois dias e liguei. Nada. 

Depois de inúmeras tentativas atendeu sua filha, que cochichou: “olha, mamãe está de cama, não para de chorar, com raiva de todo mundo, acho que vai se matar...”. 

Fecha o pano. 

História 3 – Um velho conhecido, calejado em disputas eleitorais, conhecedor das mumunhas políticas de nosso Estado, me convoca com voz firme e autoritária: “passe hoje em minha casa que quero falar um negócio muito sério com você!”

Fiquei meio aflito com seu tom de voz - e fui. 

Lá chegando, ele me fuzilou com o olhar e foi logo despejando, ali da porta mesmo: “você me conhece há quanto tempo?”. Antes de dar a resposta, ele atropelou e mandou bala: “eu já menti pra você? Eu já falei alguma bobagem pra você?”, aumentando o tom impositivo, aos berros, quase tendo um colapso nervoso. 

Antes que eu esboçasse um gesto ele segurou meu rosto com suas mãos gigantescas, olhou-me fundo nos olhos, e afirmou: “você está falando com um futuro deputado federal !”

Quase tive um troço. Mas ele nem me deu tempo para que eu disfarçasse a surpresa e me convocou a sentar para ouvir sua estratégia de vitória iminente. 

Com os olhos esbugalhados, esboçou a estranha matemática da sua trajetória rumo ao parlamento. 

Abriu uma folha em branco na minha frente e começou a desenhar uma sopa de letras partidárias, com contas numéricas das legendas que, em alianças improváveis, conquistariam uma soma de votos que (ufa!) possibilitaria saber antecipadamente quantas cadeiras os partidos teriam e quais candidatos seriam eleitos. 

Com uma espécie de narrativa mágica, desenhando gráficos, percentuais e probabilidades, finalmente ele deu um urro e concluiu: “ta vendo!, ta vendo!, tô eleito, porra!”, ufanou-se num esgar delirante de alegria. 

Encolhi-me na cadeira e pedi um copo d’água. No que ele respondeu: “que água nada, porra! nós vamos tomar um vinho para comemorar minha entrada na Câmara Federal...”

No mais, o mesmo raciocínio de todos os candidatos: redes sociais, vídeos, viagens ao interior, reuniões comunitárias etc. etc.etc.

Depois de duas garrafas, despedi-me, desejei boa sorte e fiz a pergunta fatal: você tem um plano B?

Ele riu bem alto e me mandou tomar liricamente naquele lugar.  

Resultado: a engenharia reversa do meu amigo rendeu-lhe 3 mil votos. 

Liguei pra ele para dar minhas condolências, oferecendo o ombro amigo e consolá-lo por mais aquela empreitada, mas o telefone tocou, tocou, tocou - e nada. 

Falei com a sua esposa uma semana depois. Ela falou baixinho: “o homem está impossível; está muito nervoso, espumando, sem saber o que fazer”. 

Mandei-lhe um recado: acione o plano B. Ela me disse: “ele está tentando, está tentando...”