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Alexsandro Nogueira: O último sedutor


Não custaram a pipocar as primeiras fofocas do chefe. A má notícia dava conta que ele andava esquisito, pensativo e com um olhar distante dos amigos. No carteado, a turma fazia de tudo para reanimá-lo, mas sem sucesso - o cara tava realmente esquisito e com pinta de deprimido.

Quem topava com ele na rua jurava que aquilo só podia ser a tal da crise da virilidade. A mulher negava os boatos e jurava que ele comparecia ao som de “Fogo e Paixão” para espantar a solidão dos lençóis.

 A última vez que o encontrei foi na farmácia pedindo remédio para disfunção erétil. Ele me tratou por estranho e desviou o olhar para que eu não percebesse a compra do medicamento. Percebi ali um homem angustiado, em conflito, bem diferente do marmanjo acostumado à roda de cantorias com mulheres e amigos.

Quis perguntar o motivo da tristeza, mas ele cortou meu barato logo de cara. Disse que ninguém poderia ajudá-lo naquele momento e preferia a companhia dos comprimidos à de gente bisbilhotando sua vida. Senti que o recado era para mim e me afastei.

Quando já pagava minhas compras no caixa, ele se aproximou bem quietinho. Veio com cara amarrada conversar trivialidades e começou um desabafo. Sentamos perto dali, num capô de um carro estacionado em frente à farmácia e o cara desandou a falar da vida amorosa. 

A primeira coisa que despejou foi a saudade dos tempos em que era cortejado pelas secretárias durante o expediente. Ele acreditava que sua relação profissional com as funcionárias, permitia certas intimidades. 

A sessão nostalgia foi avançando ao ponto dele abrir as feridas amorosas mal cicatrizadas do passado. Disse que o estilo arrojado de abordar as secretarias começou ainda na década de 70 quando assumiu o primeiro cargo de chefia. Época em que tinha uma cabeleira esvoaçante e pilotava um Opalão equipado.

O carrão possante fazia sucesso na garagem da repartição e servia como pretexto para convites e aventuras noturnas. Por causa disso, nasceu a lenda nas repartições do “Pegador do Parque”, um homem sedutor que cantava boleros e guarânias para cativar as funcionárias.

A coisa tava indo bem, décadas de farra e festinhas particulares na companhia de belas mulheres, até que num desses rompantes libidinosos, acabou se enrolando todo com uma moça comprometida. 

A danada era bonita, fazia um tipo eficiente e sabia impressionar o patrão com uma conversinha sobre religião, pudor e respeito. No tempo em que a moça o secretariava, era comum vê-los despachando em períodos prolongados. 

Mas enquanto o casal se esbaldava, colegas de trabalho tramavam uma arapuca para que o noivo da moça descobrisse o caso. Nas rodas de café na copa, era comum ouvir o ti-ti-ti da tramóia. Os mais empolgados queriam ligar para o rapaz traído e informá-lo de tudo, mas a fofocagem era sempre contida pelas funcionárias mais experientes.

Quando a repartição já se dava por vencida, descobriram que o caso chegara ao fim de repente. Foi um susto pra todo mundo.

Anos de convívio e já era sabido que o homem andava sempre apressado e falando alto pelos corredores; os dias que se seguiram presenciaram uma cena diferente: um chefe entristecido, com os ombros arcados e recitando repetidas vezes o refrão da música “Ah! Como eu amei”, de Benito de Paula.

O fim do caso amoroso chegou ao serviço pela boca de uma vendedora que freqüentava as salas oferecendo semi-jóias. A marreteira informou aos ouvidos mais curiosos que a moça estava de casamento marcado com o noivo. Foi aí que entenderam o baque do patrão.

Como se não bastasse o banho de água fria com essa história de casório, ele teve que administrar outra situação com potencial para outros dissabores. A moça pediu para ser demitida, pra aplicar o dinheiro da rescisão na venda de produtos beleza. 

A notícia veio de supetão e o cara ficou sem fala e neurônio para articular uma resposta. Refeito do susto, não teve outra opção a não ser aumentar o salário da moça. Era isso ou nada. Caso contrário, não mais a veria durante o expediente para tentar reatar o caso.

Como a proposta foi irrecusável, ela aceitou o aumento. Emocionada com a polpuda quantia que receberia no próximo mês, tratou de agradecê-lo de uma forma diferente: pedindo que o chefe aceitasse o convite para ser seu padrinho de casamento.

A princípio, ele esboçou reação de perplexidade e rejeição à ideia, mas à medida que a ela insistia, ele não teve outro jeito e aceitou o convite, deixando-a eufórica de tê-lo, agora, abençoando a união. 

A cerimônia de casamento colocou um ponto final nessa história e abriu espaço para outros romances ardentes. Anos depois desse caso submergir nas lembranças, ele abre seu coração mais uma vez e confessa que, mesmo com a decadência do corpo, ainda vive uma explosão de desejo, capaz de romper tabus e os preconceitos da idade. E saiu de cabeça baixa.