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Dante Filho: Philip Roth, o tarado da esquina que dava prazer de ler


Philip Roth morreu. Triste. Vai fazer falta. Mesmo tendo se aposentado da literatura há algum tempo, sempre havia uma nesga de esperança de que pudesse publicar alguma coisa nova e, mais uma vez, nos surpreendesse. É muito provável que tenha deixado coisas na gaveta. Logo, logo, vamos saber. 

Mas os livros de Roth que estão por aí talvez nos bastem. Mesmo que tenha sido injustiçado por terem lhe negado o Nobel, isso nunca prejudicou o reconhecimento internacional de seu público e da crítica de que ele estava no panteão dos melhores romancistas de todos os tempos. 

Roth era um escritor profícuo. Suas histórias eram deliciosas, seu texto era denso e simples, seu tema era o homem com suas estranhas facetas fesceninas no percurso da existência. 

Li quase todos os seus romances e, certamente, quase todas as entrevistas que concedeu. Com o tempo, criei uma espécie de intimidade com sua linguagem, suas histórias, suas dúvidas sobre o fracasso humano, principalmente quando nos deparamos com a finitude física e mental como destino inexorável. 

Muitos aludem à condição judaica do escritor como força motriz de sua criação. Bobagem. Quem percorre sua obra com seriedade pode compreender que essa questão torna-se incidental porque a essência de sua obra é a provocação satírica dos cânones culturais da sociedade contemporânea. 

Meu romance preferido durante muito tempo foi “Teatro de Sabath”. Ali existe o conforto trágico e cômico de que a única esperança que nos resta é a possibilidade de que possa haver sexo furioso na velhice (intensificação existencial) e que, no fim de tudo, no percurso insondável de nossas escolhas, podemos deixar como legado a marca de nossa canalhice. 

Roth nos liberta – pelo menos na literatura – de nossas prisões morais e nos faz acreditar que o hedonismo é a única filosofia possível diante do inevitável. 

Viver é uma aventura. Morrer, uma certeza. Roth vai deixar saudades porque preencheu esse hiato de dúvida com graça e sabedoria. Mas sua poderosa obra permanecerá para sempre porque ela é o espelho da condição humana – suas aflições, misérias, prazeres e tragédias. 

Evoé.