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Dante Filho: carta aos companheiros


Eu sei, vocês estão tristes e magoados. Mas existe um consolo: Lula é uma ideia, lembram? Esse ser abstrato está livre na cabeça de cada um. Olhando pela perspectiva dessa estranha metafísica consoladora, nazistas também dizem até hoje que Hitler está vivo. Mais: existe gente que tem certeza de que Elvis não morreu...

Dentro de nossa cabeça pode tudo. 

O problema é que Lula está hoje trancafiado numa cela. Pessoa física e jurídica. Essa questão não tem muito a ver com ilusões heroicas. O criminoso é um ser concreto.  Dentro da carceragem, certamente, terá regalias, mas não terá aquilo que mais gosta: platéia de zumbis. 

Todos sabemos que Lula gosta de ouvir a própria voz. Lá em Curitiba ele terá a chance de falar para as paredes. É possível que se canse. Se for inteligente começará a dialogar consigo mesmo. Qual a primeira pergunta que poderá fazer nessa hora? 

Onde foi que errei?

Se Lula chegar nesse estágio, dará um grande passo. Não precisa exteriorizar essa resposta nem usá-la para eventual delação (não é preciso delirar tanto assim). Basta que mergulhe em si mesmo, faça um striptease de sua onipotência, veja o corpo nu de sua arrogância e, ajoelhado (metaforicamente), peça perdão pelo mal que causou ao País (isso seria pedir demais?) e pelos erros que induziu milhares de pessoas inocentes e ignorantes a acreditarem em seu ilusionismo populista e demagógico. 

Criar uma legião de crentes e fanáticos tem seus riscos. Eles perdem sua individualidade e senso crítico e estabelecem uma relação de unicidade com o líder, abandonando o sujeito autônomo que funda o chamado livre arbítrio e o substitui pela divindade que os levarão ao paraíso. 

Seitas de malucos existem em todo o mundo e são estudadas com interesse.

A liberdade de espírito – algo tão caro a Hegel, Marx, Nietzsche, Freud e tantos outros – é suprimido nesses momentos por uma esfera lateral do pensamento e adquire aquilo que se chama "totalidade da ideia", ou ideologia (uma variante da fé fervorosa), para explicar todos os fatos e atos humanos ( até a cor do cocô do cavalo do bandido). 

Penso que os companheiros devem comemorar a interdição do grande líder messiânico. Ele lhes dará a chance para se libertar da prisão mental em que há muito tempo estão trancafiados. 

Não existe melhor momento para se reinventar do que esse: enquanto Lula tira umas pequenas férias em Curitiba, é uma boa hora para pensar com a própria cabeça, mudando a sintonia para outras ondas, tentando enxergar que o mundo é complicado demais para ficar cultuando ídolos com pés de barro.

Abraços e saudações democráticas