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Pedro Mattar: O dia em que o presidente do Brasil esperou por mim


O normal de quem preenche todos os requisitos para viver mais tempo, é a possibilidade de percorrer o longo trajeto da vida, cheio de desafios, e acumular alguns registros interessantes. Primeiro você atravessa a perigosa fase da infância, lotado de energia, sobrevive às quinas de mesas, tomadas elétricas, panelas com água fervente no fogão, consegue não morrer afogado em piscinas , terraços, playgrounds malucos, escadas e outras ameaças que tornam quase impossível a uma criança, alcançar a juventude viva e sem sequelas físicas. 

Depois da infância, vem a juventude, também perigosa pelo excesso de ofertas de riscos e das novas experiências. Nessa fase tem o interminável caminho do imponderável mundo da imprudência. Aí, você consegue sair vivo, também, dessa nova etapa, e entra no mercado de trabalho. Um empreguinho aqui, outro ali e a vida começa tomar um rumo. 

O currículo vai somando algumas conquistas e a vida vai tomando jeito. Mas você começa a ficar viciado em pequenas conquistas. Ai vai somando uma lista e as conquistas vão virando o seu combustível para a próxima, sempre a próxima. Portanto, o fato de colecionar conquistas, sejam elas extemporâneas ou duradouras, enriquecem a trajetória. Depois que mandei a modéstia à merda e assumi meu lado Átila, o huno, não vou deixar passar registros vitoriosos na minha vida e que fazem parte do meu currículo.

O que vou contar aqui é a prova de que eu sou foda. Não toda hora, mas vez em quando eu fico insuportável. Há um razoável tempo, sai com minhas filhas e alguns amigos para  jantar, em São Paulo. O lugar, vocês já conhecem ou ouviram falar, Cantina Jardim de Napoli, no bairro Higienópolis. A especialidade deles é o famoso Polpetone, uma especialidade que fez a fama da cantina. Estávamos em oito, escolhemos uma sala quase isolada, com apenas duas mesas grandes. 

O jantar foi ótimo, polpetone, claro, vinho, conversa boa rolando, muita risada, enfim um agradável jantar. A noite avançou e ninguém entre nós estava com pressa. De onde estávamos não dava pra ver o salão do restaurante, o que nos mantinha isolados. A única coisa que estranhei era a presença de algumas pessoas, a cada espaço de tempo, que surgiam por ali, apenas olhavam sem dizer nada e sumiam da nossa vista. Nenhuma preocupação com isso. A noite continuou avançando, estávamos no cafezinho, sem vontade de pedir a conta.

Num determinado momento decidi ir ao toalete. Para chegar lá passei pela entrada, onde tinha um balcão perto do caixa. Estavam ali reunidos, em pé, um bloco de pessoas, uns de terno e outros fardados, militares de alta patente. Debruçado no balcão e no meio do grupo, tomando uma bebida qualquer, vi o FHC, naquela época presidente em exercício. 

Claro, em sua hora de folga, hora do recreio, digamos. Minhas reflexões, enquanto fazia xixi, levaram a concluir que o presidente e a sua turma, estavam só aguardando a liberação da minha mesa. Era a única mesa isolada do restaurante, e não havia outra possibilidade à vista. Aahaaaa, pensei. Voltei pra mesa e, sem dizer nada a ninguém induzi a todos pedir uma nova rodada de café, agora com licor, apenas para esticar o papo. 

Esse meu lado pentelho-eufórico não aguentou muito tempo e acabei revelando que o FHC estava lá fora, só aguardando a gente sair. Nosso tempo acrescentou uns vinte minutos de ágio, em razão disso. Nada contra FHC, mas diante da sua importância, nosso valor como reguladores de mercado (segmento mesa) havia crescido de forma assustadora. 

Vencidos pelo cansaço e pela própria empáfia, finalmente saímos. Na passagem pelo balcão ainda cumprimentei o presidente, que retribuiu de forma efusiva levantando seu copo e agradecendo. Era a república se rendendo ao poder de ocupação de mesa e reconhecendo a precedência de quem chegou primeiro. Sou foda..

*Pedro Mattar, cronista, escritor e publicitário