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Minha experiência com o debate da taxa do lixo


A carga tributária no Brasil é elevada. Temos centenas de impostos, taxas e emolumentos a drenar nossa renda produtiva, que transferem parte significativa do nossos ganhos pessoais para as arcas da máquina estatal.

Como se viu em recente pesquisa do Datafolha o brasileiro gosta de Estado e odeia a iniciativa privada. Portanto, acredita que o correto é transferir parte dos recursos que produzimos para os setores públicos para que eles cuidem de nossas vidas.

A reclamação, porém, é que entregamos muito para os governos e eles nos devolvem serviços medíocres e deficientes. Essa é a realidade.

Quando compramos um quilo de arroz pagamos ICMS, taxas diversas, custos indiretos e impostos embutidos que o comerciante utiliza para cobrir seus custos e garantir o lucro do negócio. Não reclamamos muito porque essa cobrança é difusas.

Quando realizamos operações financeiras os tributos mordem parte de nosso dinheiro. Quando vendemos, compramos, produzimos, trabalhamos,  andamos nas ruas, comemos, bebemos, nos divertimos, transferimos essa “renda” para movimentar, em grande parte, o setor público.

Assim funciona o conjunto da economia. O Estado abocanha nossos ganhos de forma desproporcional. Mais grave: parte do dinheiro público sustenta uma máquina ineficiente, corrupta e repleta de privilégios.

Numa ditadura, esse “sistema” gerador de desigualdades se perpetua e se cristaliza. Ninguém reclama. Ninguém fica sabendo como são as entranhas do dragão.

Numa democracia tudo vai se tornando claro (a palavra da moda é transparência) e a população tem a oportunidade de perceber as contradições e as injustiças de uma máquina que arrecada muito e entrega pouco.

Num ambiente de alta densidade emocional a simples ideia de elevação de imposto ou criação de uma nova taxa gera raiva e movimentos sociais. No caso da famosa “taxa do lixo” em Campo Grande, embora não se tenha criado nada, vendeu-se falsamente que era mais um imposto. Falso. Há décadas esse item estava escondido na taxa do IPTU, só que não se via, não havia reclamação, todo mundo pagava.

O que escondemos não causa dor.

Mas explicar isso – de modo que seja racionalizado pelo contribuinte que sente espoliado – exige desprendimento e desarmamento de espírito. No atual momento de crise, isso é difícil. É mais fácil mistificar e vender a ideia contrária. As redes sociais vendem bem e com alto poder de convencimento os conceitos simplificadores.

Fato concreto: o STF, em 2013, mandou colocar essa cobrança (lixo) à luz do sol. Os administradores municipais podiam fazer isso de três maneiras: explicitar os valores nos itens do IPTU, emitir uma guia exclusiva (como vem sendo feito em muitas cidades) ou cobrar por meio das contas de luz ou água, desde que com código de barra separado.

Não há como deixar de cobrar pela coleta e depósito de lixo, além de outros serviços que tem a ver com qualidade ambiental da vida urbana. A questão é como se chegar a valores razoáveis para prestar o serviço, sem gerar déficits que obrigue a prefeitura a buscar recursos das fontes da saúde, educação, obras urbanas para cobrir rombos crescentes dessa atividade.

Em Campo Grande, arrecada-se R$ 18 milhões de taxa do lixo para um serviço que custa R$ 85 milhões. A conta não fecha. É preciso criar uma equação justa para que os maiores produtores de lixo paguem mais e os menores,  paguem menos. Não é fácil. Mas a despesa e a receita tem que se equilibrar sob pena das condições urbanas piorarem ao longo dos anos.

Mesmo assim, se muitos contribuintes pegarem o valor total da taxa e os colocarem numa perspectica anual verão que estão fazendo um negócio razoável.

Digamos (vou exagerar) que a cobrança pelo recolhimento seja de R$ 1 mil por ano para cada contribuinte. Isso significará que o serviço, individualmente, em 360 dias, custará em torno de R$ 3,00 diários.

Se o contribuinte tivesse que fazer esse serviço particularmente, ou seja, recolher o lixo e transportá-lo a um lixão, provavelmente só de gasolina e tempo gastaria muito mais.

Claro que aqui não quero tirar o sacrossanto direito de todos que vivem na cidade de reclamarem e criticarem a prefeitura por suas falhas e equívocos. Sei também que o dinheiro está escasso. Vivemos com muitas desigualdades e pobrezas. Não existem governos perfeitos. Administrar bens coletivos é complexo e requer humildade para ouvir e debater com razoabilidade.

Por isso, considero a atitude do prefeito correta em revogar o decreto que instituiu a modalidade de cobrança da taxa dentro do IPTU, anunciando que vai avaliar doravante modelos alternativos e modernos para que tenhamos um sistema de coleta ambientalmente racional.