“Os caminhos do Bem e do Mal cruzaram-se na porta do cofre”, Sandro Vaia
Em setembro deste ano, uma notícia movimentou a mídia campo-grandense. Matérias publicadas em blogs e sites colocavam em xeque a lisura e a isenção do Ministério Público Estadual por conta de negócio firmado com uma empresa imobiliária, que teria construído um prédio especialmente para atender ao MPE, antes mesmo de o contrato ter sido assinado.
Para piorar as coisas, o negócio foi feito no escurinho do cinema, sem licitação, o que levanta suspeitas cabeludas sobre a motivação do contrato.
No meio dessa história toda tem ainda um aluguel de R$ 80 mil mensais e o faturamento do proprietário próximo à casa dos cinco milhões, em cinco anos. Além disso, há um clima de contrariedade de empresários do setor imobiliário, que teriam interesse em participar do processo licitatório.
Entre reportagens e artigos publicados sobre o assunto, alguns veículos chegaram ao mesmo denominador apontando suspeição no procedimento. Em outras palavras, havia caroço demais nesse angu.
O órgão chegou a negar a notícia de que o prédio seria locado. Em seguida, informou que foram enviados ofícios às imobiliárias de Campo Grande para fazer consultas sobre o imóvel disponível para locação. Não convenceu e a coisa foi ficando complicada.
O tempo passou, chegamos mais perto do fim de ano, festejos, férias, distrações do cotidiano e, como se sabe, ninguém mais presta atenção a esses detalhes. O assunto foi saindo dos holofotes e passou a receber tratamento tímido da imprensa, com o MPE apostando no esquecimento coletivo para suavizar os danos que feriram sua credibilidade construída – como se diz - sobre um pedestal de barro.
Na semana passada, o assunto voltou à tona com um texto interessante publicado no blog do experiente jornalista Nélio Brandão. Na matéria, ele (com embasamento jurídico) alerta de para a falta de transparência do MPE.
A atitude – segundo o jornalista - pode gerar algumas implicações jurídicas. A primeira delas está associada aos empresários do setor imobiliário, prejudicados por não terem sido convidados para a licitação e que, por esse motivo, podem tentar impugnar judicialmente o contrato, alegando impedimento da empresa contratada por falta de Certidão Negativa de Débitos.
A segunda, mais robusta, aponta que um cidadão é parte legítima para judicializar o aluguel como ato lesivo ao patrimônio público, buscando proteger a moralidade administrativa. Essa ação é isenta de custas judiciais e do ônus da sucumbência, salvo quando provada má-fé do autor.
Pelo sim ou pelo não, o MPE deveria esclarecer o assunto adotando critérios mais transparentes no trato com a coisa pública. A atitude teria evitado todo esse desgaste de imagem. Até pela simbologia que carrega como guardiões da moralidade pública, com amplo apoio popular.
Quem não se lembra da turma de entusiastas com ideais de pureza que moveu um abraço coletivo apoiando as ações do Gaeco no combate à corrupção tempos atrás?
O mundo parece mesmo invertido. Daquele grupo de manifestantes na porta do Gaeco nenhum pio sobre o misterioso aluguel. Gente de moral seletiva, curtida no caldo do ressentimento social e com o ranço direcionado só a quem participa da vida política.
Na vida jurídica, as coisas permanecem como estão e tudo segue indefinido com uma sociedade gritando por ética, transparência e justiça, mas encarando com naturalidade o contrato entre o MPE e a empresa de empreendimentos. Vai entender.
*jornalista