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Ana Ruas: Sobre o poema “Menina na praia”


Recebi esse texto da artista plástica Ana Ruas depois de publicar um poema no último domingo tendo como referência uma tela que vi em sua casa tempos atrás. Ana, generosamente, enviou-me essa carta, que, na verdade, é mais do que isso: trata-se de uma leitura sobre seu processo de criação. Daí, o interesse de torná-la pública, mesmo sabendo, humildemente, que sua obra é muito mais importante que alguns rabiscos que traço. Obrigado Ana, não sei o motivo, mas esse quadro mexeu profundamente comigo. 

“Algumas horas se passaram e a tela continuava branca e imaculada, olhando p mim. Isso era assustador! Entre ela e eu, além dos 40 cm, havia os ponteiros do relógio que insistiam em nos distanciar. Eu estava resistindo em dar a primeira pincelada! Precisava adiar a quarta tela da série Redes, pois novas imagens povoavam meus pensamentos, naqueles dias. 

A água tocando a areia, o volume das ondas e o esforço que eu fazia para ver a linha do horizonte me trouxe lembranças do meu primeiro contato com o mar, aos 15 anos de idade. 

Lembro que, paralisada, olhei fixamente aquela imensidão, tentando disfarçar para que nenhum de meus amigos descobrisse que eu nunca havia tocado meus pés na areia e água salgada do mar, antes disso. 

Mas, isso já faz muito tempo! Neste verão, eu observava minha filha dançando sem parar na areia, chutando a água e ignorando a placa escrito PERIGO. Com minha máquina fotográfica tentei eternizar a sorte dela em conhecer o mar ainda criança. 

Sentia como ela curtia o toque, o vento, o cheiro, sem disfarçar aquelas sensações. Ela estava inserida no cenário, o azul que banhava tudo, criava a atmosfera e eu de pé, sentada ou deitada no chão, clicava para congelar e engarrafar o tempo! Retornando ao ateliê pensava que para ser honesta comigo mesma, não fazia sentido pintar outra coisa, precisava pintar estas memórias. 

Então, respirei fundo e abri todas as bisnagas de azuis, brancos e verdes e me joguei com o coração acelerado no processo de construir, eliminar áreas e de penetrar na pintura . Dentro dos dois metros quadrados, só ficava as sensações e a vontade de mostrar através das cores e formas o que é indivisível para mim através das palavras. 

Pintei também a placa que a câmera fotográfica captou , mas ela não fazia nenhum sentido, e como cada pincelada é uma tomada de inúmeras decisões, decidi substituir a palavra original PERIGO por BE HAPPY.

Combinava mais com a Helena! Dei corpo à tela por alguns dias, depois a deixei pendurada na parede, ainda inacabada. Precisava de mais fôlego para mergulhar nela de novo. Deixei, de propósito, em uma parede exposta aos olhos “dos mais curiosos”. É um exercício que faço para eu ficar envergonhada e comprometida e, finalmente, repensar a pintura. 

Penso em concluir em breve, e, se ainda não o fiz, é porque ainda está em processo visceral e assim, eu consigo sentir mais o cheiro do mar e lacrimejar com o azul do céu. 

Se finalizo, me despeço um pouco, ainda que só um pouco, da oportunidade de lembrar da sombra da menina na areia, da transparência da roupa, do cabelo voando, das gargalhadas e do grito : 'Mãe, olha que lindooo!!!!' 

Passado um tempo, entra você no meu ateliê, observa a pintura e toma a decisão de usar seu precioso tempo escrevendo um poema sobre ela. 

Dante, hoje é domingo! Recebi o poema dei um grito de felicidade, em pleno restaurante, quando abri o post e percebi, nas suas palavras , todas as minhas sensações. Hoje, eu tive a certeza: É o olhar do OUTRO que completa a nossa obra! 

Obrigada 

Carinhosamente Ana Ruas”