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Alexsandro Nogueira: Uma relação brasiguaia

                                           

Antes da chuva começar, Jobson apareceu de supetão na porta da casa da ex-mulher. Disse que percebeu nuvens carregadas no céu e com medo dos trovões, fora apanhar as filhas para levá-las à escola.

Mal sabia, mas suas palavras eram prenúncio da chuvarada que desandou em dilúvio e detonou as ruas do bairro Tiradentes, deixando entulhos, destroços e galhos espalhados pela vizinhança.

Com o mundo desabando lá fora, Katyellen teve tempo de passar um café fresquinho e por o papo em dia com o ex-marido. Antes do início da prosa, foi ao banheiro lavar o rosto para melhorar a aparência.

Havia um clima de ciúmes no ar desde que katy passou a frequentar as salas de cinema do shopping. Jobson não gostou de vê-la solta e circulando entre vitrines e corredores. O cara ficou puto, chegando a afirmar aos amigos que mulher sua ninguém tasca. 

Katy soube da conversa e não gostou de ser tratada como um objeto particular. Pelo contrário, desceu dos tamancos e repreendeu o ex. Por causa disso, passaram algumas semanas em silêncio, sem conversar. 

Ela lembrou do fato enquanto servia o café. Em seguida alertou o ex-marido para não tratá-la mais como propriedade. Jobson ficou quietinho bebericando aquele líquido forte. Fingiu que concordou, mas foi só para não aumentar o atrito e tentar uma reaproximação futura com a ex mulher. 

A tempestade tomava gosto pelo bairro quando a bina do celular dele avisou. Era Bambina, a paraguaia que Jobson arrumou na fronteira. Com cara de assustado, atendeu a ligação sem jeito, prometendo ligar mais tarde, mas Katy estava fora de órbita e nem percebeu a precaução do rapaz.

Jobson, esperto que só, não dava bandeira porque lá no fundo, tinha a pretensão de manter as duas sobre custódia, fazendo  muito bem esse jogo de homem que dava o bote na hora certa. 

Durante o papo com Katy, chegou a tocá-la com os dedos, em uma demonstração teatral de carinho e saudade. O passo seguinte seria envolvê-la em seus braços, mas foi interrompido por uma das filhas pedindo dinheiro para comprar lanche na escola.

Katy, sem jeito, percebeu que estava caindo novamente na lábia do ex e recolheu depressa os braços. Em seguida, foi saindo de mansinho alegando que precisava dar conta da casa, como lavar a louça suja do jantar e arrumar os cômodos. 

Com as filhas por perto, Jobson ficou meio acanhado em continuar as investidas, mas percebeu nos olhos da ex uma clima amistoso para uma possível reconciliação.

Antes de partir com as crianças, eles se olharam com Jobson acariciando seu rosto, dizendo coisas bonitas que só os poetas dizem em momentos de amor. Katy ficou vermelha e ele encerrou o jogo de sedução com uma piscadela malandra. 

Dois dias depois, ele estava de volta. Desta vez apareceu na hora do almoço levando um frango assado. As meninas adoraram e agradeceram ao pai. Katy, surpresa, foi logo colocando mais um prato na mesa e o convidou para sentar. 

Ele recusou a oferta, embora esboçasse uma cara de famigerado por fora. Era para fazer tipo e tomar coragem convidando-se para assistir o jogo por lá, logo mais à noite.

Katy concordou de imediato e o intimou pra ficar com as crianças enquanto ela pegaria o cineminha das oito com um grupo de amigas do serviço. 

A proposta deixou o cara maluco de ciúmes, mas Katy não arredou o pé da decisão. Obstinada, ainda o ameaçou dizendo que se ele não ficasse com as filhas, as meninas passariam à noite na casa dos avós, lá no Aero Rancho. 

Não teve jeito e Jobs, muito a contragosto, topou a proposta. A parada incluía ainda fazer o lanche das crias e ajudá- las nos deveres escolares. 

No horário marcado, ele apareceu  carregando um engradado de cerveja e um casco de refrigerante para as crianças. Com a cara amarrada, esclareceu que zelava pelas virtudes da ex-mulher e até se ofereceu para levá-la ao shopping. Ela recusou alegando ter agendado o encontro com as amigas no ponto de ônibus.

Passavam das onze quando Katy retornou. Apontou o nariz dentro de casa e percebeu aquele clima de felicidade conjugal dos tempos antigos: tudo em silêncio, as crianças na cama e Jobson premeditadamente deitado de cueca no quarto. 

Para não fazer barulho, ela entrou na ponta dos pés só para apanhar a camisola e dormir na sala, mas foi surpreendida com aquele homem decomposto e tenso, efluindo desejo. 

Tomou um susto e pensou em ser possuída por ele. Depois, foi só Jobson estender os braços pra ela cair na cama abduzida por aquelas mãos enormes e envolventes. A junção daqueles corpos ardentes, fez ranger a cama, com Jobson terminando à noite como herói.

Depois da madrugada festiva com a ex -mulher, ele saiu apurado rumo a Ponta Porã. Era sexta-feira, dia em que Jobson atacava em outra freguesia e concentrava seus esforços nas programações paraguaias. Antes de fechar a porta, deixou um bilhetinho carinho para ex. Deu certo, ela gostou.

Jobson chegava na fronteira todo entusiasmado cantarolando um clássico da banda The Doors. A primeira coisa que dizia para namorada paraguaia era o refrão: “Come baby Like my Fire”. Ela não entendia nada, mas respondia recitando uma guarânia: “Una noche tibia nos conocimos, junto al lago azul de Ypacaraí”.

O cara estava perdidamente apaixonado por aquela mulher. Era comum vê-lo postando imagens no Snap tomando tereré, enquanto enaltecia os predicados da paraguaia. Para os amigos, Jobson confessava que vestida ninguém dizia, mas entre quatro paredes aquelas ancas tinham seu valor e seus encantos. 

Com o ex-marido na fronteira, Katy passou todo fim de semana pensando em reatar o casamento. Olhava fotos da família e cheirava uma muda de roupa que Jobson esqueceu por lá. Ela suspeitava das aventuras em Ponta Porã e, por isso, queria tirar tudo a limpo antes de tentar a reconciliação.

Na segunda feira, ela o procurou para conversar. Estava otimista. Ele também. A conversa aconteceu no período em que a casa estava vazia, com as crianças na escola. Era tudo ou nada.

O papo começou com Katy entusiasmada confessando seus sentimentos e enaltecendo as qualidades do ex como pai. Ele agradeceu e retribuiu os elogios. Tudo caminhava para um final feliz e o coração de ambos começou a bater forte.

Mas foi só ela questionar as idas de Jobson para a fronteira que a discórdia apareceu. Ele não concordou alegando compromissos profissionais no Paraguai, onde iria trabalhar nos fins de semana com recorte de adesivos para placas publicitárias.

Ela não aceitou os motivos e a reaproximação melou. A coisa terminou em bate boca com Jobson enfurecido falando toda a verdade. Após o silêncio, um Jobson mais calmo começou a pontuar os motivos, mas ela recusava o diálogo tapando os ouvidos.

Como última tentativa, ele evocou o passado da família alegando que não tinha como ser diferente já que herdara pela corrente sanguínea, o comportamento e mulherengo dos dois avôs.

Sem saída, usou de um engenho genético culpando o DNA familiar e o excesso de testosterona pelas suas estrepulias conjugais. Katy contrapôs com eficiência os argumentos dele, dizendo que Jobs tinha culpa no cartório e com um passado que depunha contra qualquer reputação. 

Com a voz embargada, ela colocou um ponto final na história de ambos, dizendo dessas coisas fortes de cortar o coração. Era o fim de um ciclo e Jobson saia de cena desta relação para cair de vez na gandaia.

A bem da verdade, única coisa que morava naquela cabeça era o desejo por mulheres e farras. Sem Katy, Jobson se arrumou por aqui com uma pirigueti da Vila Pioneiros, qual intercalava as visitas com a paraguaia. A escala incluía encontros sexuais semanais, com dia e hora marcada.

Mas nem tudo era só romance. Com o orgulho ferido pela rejeição de Katy, Jobs passou a segui-la nas baladas. Quem circula pela região dos shoppings, diz que é comum vê-lo encervejado, cabeça baixa e vigiando os passos da ex.

Recentemente, em uma visita ao sobrenatural, saiu da consulta às cartas mais confiante e com a certeza de que a coisa com Katy ainda não terminou. Ele ficou otimista, mas a ex-mulher cética com esse tipo de adivinhação, continua dizendo não.