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Alexsandro Nogueira: Amores proibidos


Era 1987 quando Fábio Amadeu apareceu bem vestido e com o tênis da moda: All-Star Converse modelo cano longo. Disse que tinha acabado de comprar essas e outras coisas em uma loja de gente chic e bacana.

Não dava nem pra acreditar, até bem pouco tempo, repartíamos o lanche, a garrafa de Tubaína e o picolé de groselha. Agora, ele aparecia na nossa frente de camiseta Fiorucci, calça Pierre Cardin e um pisante invocado. E ainda para aguçar mais nossa inveja, levantou a blusa mostrando o cintão da Zoomp, com aquele raio maneiro e a carteira da OP cheia de dinheiro.

O cara tava podendo e fazia questão de nos humilhar. No sábado seguinte, antes do cineminha na rodoviária, pediu nossa presença na barbearia para contemplarmos sua mudança repentina de visual. Ali, a cachopa volumosa e fedorenta deu lugar ao corte new wave, do RPM Paulo Ricardo e seu olhar 43. Causou o maior frisson no bairro, com o cara fazendo sucesso na matinê.

Amadeu era reservado quanto a sua vida íntima, mas confessou que estava vivendo uma nova fase nas relações amorosas, cheia de surpresas, mimos e descobertas sexuais. No papo ainda admitiu desfrutar de conforto e regalias por causa desses encontros secretos.

Ficamos curiosos e ao mesmo tempo preocupados. Amadeu tinha pouco mais de 17 anos e não era o tipo de homem dado a rompantes amorosos ou paixões arrebatadoras. Pelo contrário, nunca fez por onde para preservar um namoro e não gostava de compromissos.

Depois dessa conversa, ele entrou num período introspectivo e não quis mais falar no assunto. Vivia com aquela coisa presa só pra si e toda vez que insistíamos em saber o nome da pessoa, ele desconversava e mudava o rumo da conversa.

Amadeu tinha uma característica marcante: a língua preguiçosa e dificuldades com a pronúncia da letra “L”. Quando o questionamos sobre futebol, dizia logo com convicção: “sou Framengo, craro!”.

Por coincidência, na véspera de um Fra-Fru, algo estranho aconteceu. O Correio entregou uma caixa fechada e muito bem embalada com fitas nas cores do arco-íris. Dentro do pacote, uma surpresa, roupas de grife e a foto de um homem sem camisa. No verso do pôster, uma mensagem de dor e saudade: “Morro sem você e espero que nunca se esqueça de mim. Assinado, Bílu”.

Tomamos um susto e Amadeu vermelho, perdeu a fala. A princípio negou tudo, disse que era engano, mas depois abriu o coração e assumiu o romance. Em seguida, confidenciou sobre a relação atribuindo o caso à quantidade de presentes caros que recebia do "amigo".

Para encerrar de vez aquela conversa constrangedora, disse que tudo chegou ao fim por causa do passado promíscuo de Ale. Naquela época, Amadeu assistiu pelo Fantástico a declaração do cantor Fred Mercury a respeito de uma doença devastadora, transmitida no ato sexual. Preocupado com essa informação, deu um chega pra lá no amante e foi dar um tempo na casa da tia.

Refeito do susto, tempos depois, ele apareceu no pedaço como se nada tivesse acontecido. A primeira coisa que fez questão de frisar foi sobre um namorico com uma telefonista humilde e bondosa para com os namorados.

Amadeu gostava de receber mimos generosos da nova parceira. Dizia que era retribuição aos seus serviços prestados na cama. Como a moça não dispunha de valores expressivos na conta bancária, ela encontrou outra forma de recompensá-lo.

A compensação aparecia na forma de folhas de cheque, qual Amadeu se apossava e fazia valer sua condição de consumista de gosto requintado, distribuindo pré-datados nas lojas do centro.

Quando ela percebeu, já era tarde demais, estava crivada de dívidas por causa dos cheques sem fundos. Ela não aguentou ver o nome sujo na praça e deu o fora no cara. Assim, Amadeu de homem caro, passou a viver de bicos em uma empresa de placas e serigrafia.

Num barracão de zinco envelhecido, ele passava o dia pintando letreiros e camisetas, esperando até o fim do expediente para bater uma bola com a turma do serviço, nas quadras da vila.

Mas algo aconteceu rompendo a monotonia dos últimos meses. Amadeu conheceu Aronildo, um mulato solitário e assanhado acostumado a perambular nas madrugadas em busca de prazer. Aro começou de cochichos e segredinhos com Amadeu e o apresentou a Jéssica, um traveco que circulava pelas bibocas escuras perto da Oshiro, na Costa e Silva.

Por causa disso, Amadeu azucrinava a família barganhando dinheiro para momentos exclusivos com Jéssica. Era comum ver os dois amigos na região da Oshiro com as calças arriadas enquanto Jéssica acocorada satisfazia o desejo de ambos.

A coisa foi saindo do controle, até que Jéssica percebeu algo estranho. Viu-se envolvida perdidamente em um triângulo amoroso. Pior do que isso, o clima entre eles estava pegando fogo, com crises recorrentes de ciúmes.

Com medo de sair chamuscada dessa relação, o traveco sumiu do mapa. Todo mundo supõe que ela foi recomeçar a vida num salão de beleza em Campinas, deixando por aqui Amadeu e Aro desnorteados.

Com a partida da parceira, Aro sucumbiu ao prazer solitário. Já Amadeu ruminava nas fronhas dos travesseiros de tanta saudade. Foram dias difíceis, de febre e delírio. Entregue aos cuidados da família, Amadeu, suava, tremia de frio. Apavorado entre um e outro pesadelo, chamava ora por Jessica, ora por Aronildo. Dava pena.

Perto do serviço, Amadeu disponha da convivência e da generosidade dos tios. Dois deles assumiram o compromisso de ajudá-lo a sair dessa situação. Para consertar o estrago emocional na vida do rapaz, resolveram mandá-lo para um colégio interno em Maringá. Amadeu permaneceu instituição por seis meses, até ser removido da escola por mau comportamento.

De volta à cidade, engatou um romance com uma moça de família. Dizia que era a mulher da sua vida e que por ela tinha tomado jeito, sem chance para a vadiagem dos tempos recentes. A família apostava no namoro e Amadeu começou procurar um trabalho para casar.

Como as coisas andavam difíceis, Amadeu apostou no comércio informal para sobreviver. De começo, arriscou nas vendas de roupas e outras bugigangas trazidas da Bolívia. Como a mercadoria nao teve muita saída, ele resolveu atacar em outra frente.

Desta vez era algo mais arrojada: comandar o setor de circulação de um jornal da família. Para isso, contratou uma equipe de distribuidores e motoqueiros que entregavam os exemplares todas as manhãs.

A coisa ia bem até Amadeu visitar uma loja de bingo. Iludido com a promessa de dinheiro fácil, resolveu apostar todo os rendimentos nas máquinas de caça níqueis. Foi um desastre. Perdeu o salário e o dinheiro dos funcionários.

Com uma dívida gigantesca, deprimido e desacreditado, sumiu do convívio dos amigos e parentes. Foi morar na casa da sogra. Para completar a tragédia, as prestações do carro estavam atrasadas e o banco apareceu de supetão para confiscar o veículo.

Mas Amadeu tinha faro para esse tipo de situação e para evitar surpresas, sempre guardava o possante na casa do vizinho. Quando a turma da busca e apreensão apareceu, Amadeu deu um jeito e inventou uma história : disse ao banco que tinha perdido o carro e mãe em um acidente fatal. Todo mundo chorou.

Sem dinheiro e sem crédito na praça, a coisa apertou financeiramente.  Amadeu deu um jeito de comover os tios. Surgiu de supetão no jornal da família cabisbaixo e com cara de fome vendendo alho. O truque deu certo e Amadeu foi acolhido pela parentela.

Como o jornal vivia mal das pernas, Amadeu mais esperto, fez de tudo para reconquistar a confiança dos tios e se colocou à disposição com eficiência. Isso incluía negociar com os credores e funcionários todas as formas de pagamento da empresa.

A coisa funcionou e Amadeu só saiu de lá quando o veículo baixou as portas. Depois disso, perambulou pelo interior do Brasil e foi parar na goiana Mambaí, onde trabalhou em uma loja de materiais de casa.

Porém algo parecia perturbá-lo. Era falta do convívio com familiares e amigos. Amadeu não resistiu aos anos de saudade e regressou. Por aqui, vive como um bem sucedido empresário do ramo alimentício. Homem sério, fiel religioso, presa hoje pela moral e bons costumes.

Nas horas vagas, gosta de passear pela cidade com a família. Dia desses, tarde da noite, o carro pifou na Costa e Silva e por essas coincidências do destino ele olhou pelo retrovisor e avistou um logotipo imponente piscando. O letreiro dizia: Oshiro Retificadora. Passou um flash na cabeça do cara e da lembrança surgiu uma pergunta: Cadê o Aronildo? Cadê a Jéssica?


*jornalista