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Abílio lança poemas inéditos desabrochados na juventude


Na apresentação do caderno de poemas inéditos que Abílio de Barros pretende lançar em reunião com amigos, num almoço caseiro, nos próximos dias, ele mesmo faz a síntese perfeita do que se trata: “estes poemas foram escritos pelo adolescente que fui. Nunca os mostrei. Agora, lendo-os de novo, mais de 60 anos passados, senti-me emocionado e esqueci os senões”.

São 5 poemas (curtos e longos) que percorrem o período de 1948 e 1954, fechando com um ensaio reflexivo sobre a poesia e a razão (que publicarei amanhã).

Trata-se de um caderno poético-filosófico de 51 páginas. Mas não devemos nos enganar: a modéstia e a economia do livreto rendem homenagens à grandeza de quem sabe manejar com talento, não somente as palavras em favor da inteligência, mas também os sentimentos do mundo contra as mesquinharias humanas.

Abílio faz aqui uma homenagem a uma timidez da juventude que se desabrochou aos poucos, abrindo-se em flor exuberante na velhice. O livro é uma pequena obra prima, guardado numa caixa que, ao ser aberta, anula a ideia do tempo, atualizando o passado para criar novas leituras sobre a poética sul-mato-grossense e suas intimidades guardadas em segredo durante décadas.

Abílio é o irmão mais jovem de Manoel de Barros. Talvez por um acordo tácito ambos tenham definido os caminhos literários que seguiriam quando eram moços no Rio de Janeiro dos anos 40. Cada um seguiu sua estrada, que às vezes se bifurcavam outras entrelaçavam-se. 

Nesse livro é possível encontrar a chave para compreender as obras que engendraram.

Manoel transformou-se no inventor que todos conhecemos. A Abílio coube a parte instrumental, a lida com as coisas da razão, sem espaço para devaneios estéticos. Na vida e na literatura a dupla funcionou sem que houvesse um pacto na trama da máquina do mundo.

Mesmo assim, Abílio fez aquilo que Manoel não fez: escreveu livros de ensaios, prosas ficcionais e artigos políticos de extrema graça e beleza, peças literárias de quem aprendeu de ouvido o sopro mágico da lira na formulação de argumentos.

Por isso volto agora à citação inicial de Abílio – “senti-me emocionado e esqueci os senões”-, tentando especular sobre as motivações para o lançamento de “Poesia”, com produção editorial de Marília Leite e ilustração de Jorapimo.

Essa observação sobre ocultar o lado poético de Abílio, por si só, rende um livro. Mergulhar nela é trabalho para especialistas de outras áreas, mas deixo pontuada a observação porque pretendo, noutro texto, voltar ao assunto.

Quando escreveu seus poemas adolescentes o Manoel de Abílio não era o de Barros (seu irmão) e sim o Bandeira* (sua referência estética).

A emulação que sentia pela lírica de Bandeira levou-o, por exemplo, escrever esse poema sublime:

Limite

A minha rua acaba no mar...
Nasce o mundo em mim.
Seus homens caminham lentos
Olhando a vida em silêncio
Pela certeza do mar
Às vezes passam navios
Ninguém sabe de que praias...
Mas abaixamos os olhos
Sem vontade de sonhar

Minha rua acaba no mar,
E o mar nos limita

(1949)

Existe, contudo, um imenso caldo de influência na poética de Abílio: Drummond, Fernando Pessoa, Cecília Meireles, Lorca, Bilac, que terminaram sendo utilizados em favor de sua prosa, mas abandonados na criação de versos. Uma pena.

É provável que se Abílio tivesse mergulhado desde jovem no fazer poético rivalizasse e inibisse Manoel (um homem cuja timidez neurótica é muito conhecida), mudando o rumo da história.

A especulação é apenas um exercício imaginativo, mas a generosidade entre irmãos, suas relações pessoais, o amor que nasce das solidões paternais, podem ajudar a definir rumos artísticos e carreiras pessoais.

Não importa: Abílio está nos brindando com um trabalho raro e magnífico, inscrito, desde já, naquilo que existe de melhor na poética sul-mato-grossense.

*Manuel Bandeira, com "u", nesse caso.