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Wilsismo e Pedrossianismo: o pulso ainda pulsa



Vou fazer uma leitura esquemática de nossa história, ao gosto dos analistas tradicionais: a vida política de Mato Grosso do Sul ainda pulsa em torno de duas personalidades que nos envolve e nos abrange no imaginário social.

O Wilsismo e o Pedrossianismo ainda influem no nosso modelo de pensamento político. 

Não há dúvida de que esses dois personagens são elementos inspiradores no modo como se pensa o exercício do poder em nosso Estado.

Quando não se sabe o que virá no futuro, buscam-se respostas no passado.

Não pretendo aqui tratá-los - Pedrossian e Wilson – como pessoas físicas, pois ambos têm qualidades e defeitos como todo e qualquer ser humano. 

Às vezes, para compreender certos fenômenos políticos, é necessário desumanizar os personagens, transformando-os em atores dentro de um cenário temporal, libertando-os das misérias do cotidiano.

As referências aqui – adianto aos leitores - são meramente simbólicas, fruto de observações pessoais. Mas não há como negar: as marcas de Pedrossian estão aí vivas, lembradas e admiradas por alguns, e criticadas por outros. 

As de Wilson – fortemente presentes nesses dias em que ele completa 100 anos de vida -, embora sejam diferentes, também são expressivamente enaltecidas e também alvo de críticas severas, pelo que posso notar em manifestações nas redes sociais.

Esses dois homens dividem as noções semânticas dos eleitores, criando uma disputa interna nas preferências em torno de cada um. 

Claro que num juízo acurado, friamente calculado, podemos colocar na balança seus erros, desvios e equívocos – fruto, na maioria das vezes, da prepotência que viceja em torno do poder. Normal.

O Mato Grosso do Sul tem 40 anos de história. Isso significa pouco quando se projeta olhares de longo alcance. Daqui a 100 anos talvez sejamos um hiato, poeira insignificante no deserto dos acontecimentos. Mas quem tem noção temporal da vida sente que é preciso deixar pegadas para serem rastreadas pela posteridade. Talvez esse texto possa servir para alguma coisa. 

Penso isso e comparo com os atuais personagens do poder. Que legado eles deixarão?  Tudo indica que serão jogados na lata de lixo da história. Ou alguém acha que, perscrutando os registros e os documentos no futuro, alguém da República de Maracaju conseguirá se sair bem na fita?

Melhor deixar esse tema para outro texto.

Meu assunto aqui é Wilson B. Martins e Pedro Pedrossian. Em torno deles (das suas respectivas energias imagéticas) creio que a nossa política continuará girando nas próximas décadas. Podem reclamar, divergir, mas esse é um fato inarredável.

Vamos por pontos:

1-) Reitero: os eixos fundamentais de nossa imagem de poder concentram-se entre esses dois atores políticos, formadores originários de nossa identidade cultural. 

2-) Tanto um como outro transformaram-se em antípodas, adversários, figuras antagônicas, e determinaram (determinam) visões modelares acerca do funcionamento da governabilidade e sua influência na sociedade.

3-) Pedrossian formou seu mito no período da ditadura. Teve sorte: governou o velho Mato Grosso num momento em que o Governo central tinha recursos externos. 

Os militares impuseram projetos megalomaníacos calcados na ideia de Brasil Grande que, pelo bem o pelo mal, fortaleceram um mercado ainda em formação em regiões afastadas, atrasadas e pouco povoadas como a nossa. 

Produziu déficits e ruínas que, de certa maneira, deram origem à crise permanente em que foi transferida como política compensatória ao MS em função de perdas territoriais. 

Por isso, sempre é preciso considerar que Pedrossian conseguiu surfar historicamente como grande realizador graças ao modelo gerencial de um governo central autoritário que elaborava pacotes desenvolvimentistas, com os quais muitos governadores passaram a chamar de seus. 

Foi assim que brotaram universidades, estradas, prédios públicos etc, tudo feito de maneira atabalhoada para fazer a alegria das empreiteiras e cooptar políticos regionais da maneira conhecida. Com isso, Pedro ganhou a famosa áurea de “fazedor” que permanece até hoje.

3-) Wilson, ao contrário, passou pelo período da ditadura como liderança proscrita. Foi restabelecido na vida pública pelas mãos da esquerda local, que gravitava em torno do Partidão e do velho MDB. 

Ele juntava a tradição revolucionária da linhagem de Vespasiano Barbosa Martins (criador do Estado de Maracaju e posto no exílio por Getúlio em 1932) com o conservadorismo das elites urbanas e rurais, que se mobilizavam em torno da UDN. Wilson foi forjado na luta contra o Getulismo, sempre com as bandeiras do moralismo udenista. 

Ainda assim, reconheça-se que ele sempre foi um liberal, adepto à social democracia, ora balançando à esquerda ora à direita, mas nunca tendo flertado abertamente com os militares de maneira pragmática.

4-) A sorte de Wilson foi a de que ele ressurgiu na cena quando o Brasil entrou em sua nova fase democratizante, galvanizada pelo esgotamento da ditadura, pela pressão popular por eleições diretas, com o advento da Nova República, protagonizada pelo Dr. Ulisses Guimarães e Tancredo Neves. Foi o primeiro governador eleito em eleições livres em MS, vitorioso num ambiente eleitoral complexo, repleto de pressões clientelistas. Wilson chegou ao poder porque Campo Grande optou majoritariamente por ele, apostando contra o interior e seus grotões. 

A cidade havia atingido um estágio de politização acentuada, decorrente das mudanças urbanas ocorridas na recém-criada Capital do Estado, até então uma cidade estritamente provinciana. 

Nasce aí a tradição campo-grandense de ser preferencialmente oposição.

5-) A mitologia em torno de Pedro e Wilson tem inúmeras razões. Parte dela foi fomentada por militantes partidários interessados em dualismo e intriga. Podem-se pinçar aqui e ali circunstâncias e intercursos. Mas o fato é que ambos nunca se confrontaram eleitoralmente de forma direta. Se isso tivesse acontecido, certamente as coisas seriam outras.  Ambos – na melhor tradição do caciquismo de inspiração coronelista- sempre fizeram esse jogo por meio de interpostas pessoas. Talvez isso tenha reforçado suas imagens, fortalecido divisões imaginárias entre correntes de opinião. Mas na vida real, é possível que ambos pessoalmente se dessem bem, apesar de se evitarem por precaução.

6-) Pedro consolidou-se como o político “que faz”, bem ao estilo malufista, executor de obras, gastador, autoritário, sempre deixando heranças malditas para os sucessores, algo que nos tempos atuais seria praticamente impossível naquelas proporções. Enfim: Pedrossian fluía num mundo sem leis rígidas, sem Lei de Responsabilidade Fiscal, ausente de órgãos de controle, sem sindicalismo forte, com ausência de legislação ambiental, enfim, naquele planeta onde “manda quem pode e obedece quem tem juízo”. 

(Na verdade, a coisa não era bem assim, nem Pedro era esse monstro que diziam, mas o conceito se estabeleceu com o tempo e com o folclore criado nos bastidores por seus admiradores).

7-) Wilson era a antítese disso, em termos de imagem: democrata, amável, tranqüilo, afeito aos diálogos intelectuais, enfim, tinha uma postura aristocrática, não carregava qualquer laivo de ansiedade do tipo novo-rico, o que muitas vezes sugeria a ideia de um sujeito calmo demais para os tempos frenéticos em que vivíamos nos anos 80 e 90. Do ponto de vista das macroestruturas, o legado administrativo de Wilson talvez tenha sido mais importante do que o de Pedro, o que confirma a tese de que Wilson possa ter errado no marketing. Ele era avesso a gastos monumentais com propaganda personalista de cunho populista, e não entendia direito esse negócio de comunicação moderna.

Futuramente, a história vai julgar esses fatos, caso alguém se interesse por dados registrados e consolidados.

8-) Os herdeiros do Wilsismo e do Pedrossianismo surgiram nesse quadro ilógico – de resto, como em todos os lugares. Eles foram frutos da própria dialética que engendra um Estado agropecuário e semi-industrializado localizado no Brasil central, toldado pelo atraso  material e mental,mas que, de repente, tornou-se um estuário de esperança em função do desmembramento territorial de Mato Grosso. 

Isso acabou gerando conceitos erráticos de terra de “progresso”, algo que estimulou levas significativas de migrantes de todos os Estados, principalmente do sudeste e sul do País, a se aportarem por aqui, motivados por uma quimera que só se revelaria mais tarde nas suas devidas proporções.

9-) Os dois principais herdeiros dos legados políticos do Wilsismo e do Pedrossianismo foram, respectivamente, André Puccinelli e Zeca do PT. 

Paradoxalmente, Pucinelli – nascido pelas mãos de Wilson – cultivou o perfil Pedrossianista, e Zeca – involuntariamente – dava asas à tradição Wilsista. 

No meio disso, Mato Grosso do Sul tornou-se atualmente um vácuo de interrogação cercado por ideias medíocres e escândalos por todos os lados. 

O que se coloca agora é quem conseguirá resgatar as duas mais importantes tradições políticas de nosso Estado nesse novo processo de transformações do Brasil e do mundo. 

10-) Volto ao que disse no começo: quando não se sabe o que virá no futuro, buscam-se respostas no passado. 

Como se percebe, a questão está em aberto. 2018 promete.