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Entrevista Exclusiva(2): 100 anos - Wilson trabalhou como censor na Era Vargas

Foto Roberto Higa


"Eu estava dormindo. Quando acordei, com a sirene despertando todo mundo, e os presos já estavam sendo recambiados para o interior do presídio à força de fuzil e vi uma ambulância e um preso, João Varlota, dentro da ambulância, morto, fiquei tomado de comoção, aquilo me causou terrível comoção, e eu não pude prosseguir, continuar num lugar em que me causava verdadeiro pânico, então eu deixei o cargo. Pedi demissão."


Nessa segunda entrevista de Wilson Barbosa Martins ele fala sobre sua juventude e o início de sua vida política. Pela primeira vez na imprensa sul-mato-grossense, WBM comenta sobre suas relações com a Ditadura Vargas e sua prisão no movimento estudantil na Faculdade São Francisco. 

Como se sabe, o ex-governador notabilizou-nos anos 40 a 50 como ferrenho opositor de Getúlio. Mas premido por dificuldades financeiras, na época em que estudava em São Paulo, na década de 30, foi obrigado aceitar por pouco tempo um cargo de censor no Presídio Paraíso, onde estava encarcerada a nata intelectual da esquerda brasileira. Wilson lia as correspondências de figuras como Paulo Emílio Sales Gomes e da escritora Pagu.

"Dentro das dificuldades que eu tinha na época fui censor não só do Paraíso como da prisão Maria Délia. E me dei bem com alguns presos, mantive relações cordiais, mas sempre cumpri bem os meus deveres e não me deixei seduzir  propriamente pelas correspondências dos comunistas". 

Aqui a história de Wilson nos surpreende.


Tema da entrevista realizada 20 de maio de 1999:  Juventude, movimento estudantil em São Paulo e a Ditadura Vargas 


Pergunta - Dr. Wilson, na entrevista passada nós falamos de sua infância na Fazenda São Pedro, depois sobre a mudança para Rio Brilhante e a chegada em  Campo Grande para estudar no Colégio Municipal, posteriormente dos Salesianos. O contexto da época mostrava o isolamento das pessoas que aqui viviam em relação aos acontecimentos do Brasil e do Mundo e, assim, terminamos a entrevista com o comentário feito pelo senhor acerca do primeiro contato com Vespasiano Martins, que foi muito ruim, em que ele o repreendeu. Terminamos neste ponto. Agora eu  pergunto: nesse período em que chegou em Campo Grande, a questão da divisão de Mato Grosso, a luta divisionista, era um tema fortem  o sr. participava de alguma forma dessa luta?

Wilson - Sim, meu pai inclusive era comandante de um batalhão na região de Três Lagoas(...). Meu pai foi um dos diversos comandantes de pelotão recrutados pelo nosso chefe Vespasiano Barbosa Martins, que era o governador do Estado - Governador Revolucionário do Sul - , e foi destacado para servir em Três Lagoas para impedir que forças de Goiás viessem e tomassem a região e se apoderassem da estrada de ferro Noroeste do Brasil. Isso aconteceu em 1932. Eu assistia a esses acontecimentos e Campo Grande também se tornou centro de contatos políticos e de concentração de tropas. Muitas tropas aqui estiveram se organizando , saindo para outras regiões do estado. Meu tio Quiqui foi também comandante de um desses pelotões e atuou na região de Porto Murtinho. Dionisio Vital era comandante de uma outra força na região de Maracaju e Nioaque .Enfim, toda a minha família estava envolvida nessa luta. Eu tinha 15 anos e me recordo perfeitamente do dia em que meu pai e sua força se dirigiram para Três Lagoas de trem. Eu deixei o internato às escondidas e fui à  estação para ver a partida da tropa. Cheguei até onde estava meu pai, ele estava calado, pouco parava, estava nervoso, e pouco depois eu dizia que também gostaria de participar da campanha, mas ele pediu que eu voltasse para o colégio. Ele esteve durante todo o desenrolar da luta de 32, policiando os pontos que lhe foram designados.

P - Isso levou quanto tempo?

W- Desde a instalação do governo até a nossa derrota na revolução de 32. Isso levou cerca de três meses. Foi o tempo que durou aqui no estado a movimentação de 32.


P- Como o sr. acompanhou esse processo?


W- Eu procurava assistir com muito interesse e me recordo das concentrações no relógio público.

P- O sr. tinha medo do que poderia acontecer, ficava apreensivo?

W- Não, não... Eu ficava curioso, queria saber das novidades e de como se desenrolava a luta. Mas eu me recordo bem dessa solenidade realizada no relógio central, com muitas senhoras incentivando os soldados, concedendo medalhas...

P- E Vespasiano, como estava diante dessa situação?

W- Ele organizou o governo, tinha o comando no prédio da Maçonaria, ali na avenida Calógeras, designou secretários, um dos secretários era o Dr. Arlindo de Andrade Ramos, teve também participação de Dollor Ferreira de Andrade. O  prefeito nomeado foi o Dr. Arthur Jorge Mendes Sobrinho (....) E foi indicado como chefe de polícia um advogado de nossa família, chamado Dr. Hauro Martins ,que trabalhava em São Paulo. Ele já tinha residido aqui e iniciado sua vida profissional aqui. O comando da região estava estritamente ligado ao governo e o general Klinger {Bertoldo Klinger - -1884 /1969-, general do Exército Brasileiro} que tinha (inaudível) a revolução foi para São Paulo; esperava-se que ele levasse tropas daqui  mas não levou. Ele foi tomar contato e ocupar o que lhe competia no comando das tropas revolucionários de 32.

 P- Em 1932, no afunilamento do processo revolucionário, com a deflagração das lutas, e com a instauração de um novo governo aqui no Sul de Mato Grosso, Vespasiano, na sua opinião, acreditou que esse processo poderia ser consolidado, ou seja, ser de fato criado um estado separado do domínio Cuiabano?

W- Ele tinha dois propósitos. Primeiro, o desejo da reconstitucionalização do  País, ele tinha aderido às idéias de São Paulo. Ele era um democrata e não aceitava a ditadura implantada pelo Getúlio Vargas. Em segundo lugar ele admitia, vencedor do processo, teria a oportunidade de implantar um novo estado aqui no sul. Depois da derrota, ele saiu, esteve asilado no Paraguai e, no retorno, vários meses depois, ele prosseguiu a luta na constituinte que veio em 34, quando foi votada a Constituição, para que nessa ocasião se reconhecesse a autonomia do Estado de Mato Grosso do Sul. Ele continuou lutando nesse sentido, fez um grande movimento de opinião, com campanha de assinatura de manifestos. Eu participei coletando assinaturas e tenho comigo o documento que eu assinei pela criação do novo estado. 

P – Como o sr. avaliou na época o processo de cassação e exílio de Vespasiano?

W- Na ocasião, isso chocou toda a família. A derrota de São Paulo e a derrota do sul de Mato Grosso foi algo terrível. Temia-se pela vida dele, pela sua prisão, e pela impossibilidade dele prosseguir sua luta, mas nada disso ocorreu. Ele era um homem valente, tinha tomado uma decisão definitiva nesse sentido.

P – Nessa época, o sr. começou a mudar o relacionamento que tinha até então com ele?

W- Eu sempre acompanhava a vida política dele à distância. Não voltamos a ter contato. Só viemos a nos encontrar quando eu me formei advogado, em fins de 39, e vim para Campo Grande, em junho de 41; vim exercer a profissão, então eu o procurei. Meu pai me deu uma carta e fui até a farmácia Real, onde ele tinha consultório e conversamos amplamente; eu estava na companhia de um tio de que eu gostava muito, pessoa muito inteligente, muito agradável, irmão de minha mãe, João Barbosa. Conversamos demoradamente, saímos depois de carro, fomos ver algumas reses que ele tinha comprado aqui em Campo Grande, então data daí a nossa aproximação.

P- Quando o sr. saiu de Campo Grande para estudar fora, em São Paulo?

W- Em 1934(...) Estudei o quinto ano do ginásio no Liceu Rio Branco, na rua Dr. Vila Nova, em São Paulo.

P- O sr. já saiu daqui com decisão de seguir a carreira de advogado?

W- Sim, eu tinha decidido que depois de terminado o ginásio iria seguir a carreira de advogado. O que me levava à advocacia era o fato de eu ser sempre muito mais  interessado pela ciências humanas do que pela ciências exatas, biológicas, e tinha mais facilidade com o português, história, essas matérias. Então, em decorrência disso eu optei: fiz no Liceu Rio Branco o quinto ano e no segundo semestre eu estava ao mesmo tempo me preparando para o exame vestibular que se realizaria na Faculdade São Francisco. 

P- O sr. chegando em São Paulo, em 1934,uma cidade para os padrões da época muito grande, quais foram suas primeiras impressões?

W- Eu fiquei surpreendido com o tamanho da cidade. Porque eu era um menino que nunca tinha tomado um trem; a primeira vez que eu entrei num trem foi para viajar para São Paulo. O meu mundo era muito limitado. Eu não lia jornais, as minhas leituras eram muito acanhadas, meu mundo era muito restrito e eu parti daqui e cai numa cidade grande, me instalei nessa cidade, numa pensão na vila Buarque.

P- O que o sr. sentiu? Medo? Assombro ?

W- Eu fiquei deslocado. Custei a me ambientar. A tomar pé da nova situação. Entender aquele mundo. Mas comecei a me interessar pelos novos roteiros da minha nova vida.

P- Foi difícil esse começo?

W- Foi difícil eu aprender a me movimentar naquilo que era essencial numa cidade como São Paulo. Foi difícil eu me sentir bem na nova vida que tinha se aberto para mim. Demorei cerca de um ano para me adaptar. Daí, eu fiz o quinto ano, fiz o vestibular e passei. Não perdi nenhum ano e me formei em 39.

P – E na faculdade, o sr. participava politicamente, havia interesse nesse sentido?

W- Não fui nessa época um político na expressão da palavra. Eu me simpatizava com alguns movimentos da faculdade, eu me liguei, desde logo, com companheiros aqui do estado, o José Fragelli, com o Iturbides Serra, irmão do Ulisses Serra. Ele era um dos melhores valores de nossa geração. Rapaz muito inteligente, muito preparado, responsável, uma cabeça extraordinária. E o Fragelli, também estudioso, preparado. Eles foram companheiros meus na faculdade. E sempre moramos juntos em São Paulo. Nós morávamos em pensões que existiam naquela época, próximos da faculdade, onde havia numerosas pensões.

P- Houve algum fato determinante nessa época?

W- Me lembro que nesse período eu conheci o Jânio (Quadros). Ele fez exame vestibular na minha turma. Fomos aprovados juntos. E ele então se apresentou a mim como campo-grandense. Ele não morava aqui em Campo Grande, saiu daqui menino, foi para o Paraná  e, de lá, foi para São Paulo. Travamos conhecimento, relações que perduraram por toda a vida.

P- Naquela época ele já era louco (risos)?

W- (risos) Naquela época ele era excêntrico. Ele não tinha aquela maneira sincopada de falar, que adotou depois. Ele falava naturalmente. Ele era magro, alto, não bebia. Ele participava dos movimentos estudantis, escrevia nas revistas da faculdade, era poeta, fazia versos alexandrinos, uma figura cordial, não tinha histrionismo nenhum...

P– Ele inventou o personagem conhecido depois (risos) ...

W- Nessa primeira fase ele era muito natural, espontâneo...

P- Jânio nunca tentou levá-lo para seu movimento político?

W- Não, nunca...não morávamos juntos, não freqüentávamos as mesmas reuniões, tínhamos amizade apenas lá na faculdade. Na faculdade, nesse período, me impressionavam os estudantes que disputavam os cargos para a presidência do Grêmio estudantil XI de agosto. Tinha força e prestígio junto aos companheiros.

P- Depois da faculdade, o sr. continuou a manter contatos com  ele, quando ele foi prefeito, governador de São Paulo e depois presidente da república?

W- Sim, nestas ocasiões todas tivemos contato. Ele veio aqui em Campo Grande em certa ocasião pedir que eu escolhesse um lugar para ele ficar com a dona Eloá e com a filha, Dirce Maria. Ele acabou ficando na casa do Amadeu Mena Gonçalves. Nessa época tinha terminado o seu mandato de governador de São Paulo. Ele veio para passear, descansar uns dias por aqui. Eu o acolhi, o recebi muito bem em Campo Grande; a população mostrou-se muito curiosa para conhecê-lo. Aí ele já era o Jânio que todos falavam, o homem público(...). Mas na faculdade nós já víamos os primeiros entreveros entre os estudantes integralistas e os estudantes de esquerda.

P- O sr., nessa ocasião, tomava algum partido?

W- Ambas as facções eram muito bem representadas. Os integralistas eram muito bem organizados, muito preparados e estudiosos;  havia o genro do Plínio Salgado, Murilo Júnior, havia o Almeida Salles, havia o Goffredo Teles Júnior, e havia, por outro lado, aqueles que eram ligados à esquerda. Eu me lembro do Mário Pedroso Horta, que era mais adiantado do que eu, esse inclusive pouco aparecia, mas era um dos organizadores desse grupo. Ele era um intelectual, escritor, era também articulista do Estado de São Paulo na seção de cultura.

P- O sr. parece que nessa época era um mero observador de cena, não queria participar ativamente de qualquer grupo político?

W- Não, nós três, eu o Fragelli e o Itubirdes, sempre tivemos mais simpatia pela esquerda.

P- O Fragelli também?

W- O Fragelli também. Nós sempre estávamos nas reuniões em que havia debates e torcíamos pelas teses de esquerda. Foi um período inclusive em que o Governo do Adhemar de Barros em São Paulo aplicou o artigo 177 da Polaca (*1) { Constituição do Estado Novo}, em três professores ilustres da Faculdade: Sampaio Dória, Waldemar Ferreira  e o Raul Santa Rosa . E um grupo da faculdade, do  qual não se incluíam nem o Fragelli nem o Itubirdes, eram outros companheiros , mas com as mesmas idéias quanto à defesa das liberdade democráticas. Preparamos um banquete para os professores punidos e esse banquete se realizou no edifício Martinelli, naquele tempo um lugar muito saliente. Eles compareceram, o Waldemar Ferreira e o Sampaio Dória; o Raul não compareceu. E nós que tínhamos uma posição adversa a Adhemar de Barros, e vimos logo a reação em que ele adotou na faculdade. Fizeram circular um boletim anônimo com os nossos nomes, com provocações, acusações à ditadura, e depois nos prenderam. Eu fui preso.Ficamos um dia toda na cadeia. Os estudantes se uniram e conseguiram no meio da noite nos libertar. Não nos admoestaram nem nos interrogaram. Foi um aviso.

P- O sr. se sentiu intimidado?

W- Não, não me intimidei...

 P- Naquela época, parece-me que quem era rotulado de esquerda era porque tinha uma posição favorável à liberdades democráticas, não aceitava o regime imposto por Getúlio,  mas não se tocava profundamente nas teses de esquerda do ponto de vista econômico, nas questões  ligadas à gestão da economia, ou seja, de esquerda era quem era contra Getúlio, não é ?

W- Sim, quem era democrata era de esquerda. Foi o que ocorreu aqui no Estado, depois, mais tarde, quando me tornei político aqui, fui para a prefeitura de Campo Grande, mas disso nós vamos tratar mais adiante...

P- Eu estava lendo recentemente uma tese de mestrado da historiadora Marisa Bittar, sobre a criação de Mato Grosso do Sul, em que ela faz uma referência curiosa sobre uma matéria do Décio de Almeida Prado (*2), publicada na Folha de São Paulo, na qual ele relata as correspondências que ele mantinha com o Paulo Emílio Salles Gomes, em 1936, que são corroboradas pelo Helio Morato Krahenbuhl (*3), narrando que, quando preso pela ditadura de Getúlio no presídio Paraíso, ele diz que o sr., trabalhando como sensor nessa época, foi seduzido pela correspondências dos comunistas e daí acabou se convertendo à causa dos presos.  Isso foi verdade?

W- (risos) Eu fui, na verdade, amigo do Paulo Emílio Salles Gomes (*4), ele foi preso no Paraíso; me dei pessoalmente bem com o Helio, e isso é verdade: fui sensor nomeado em São Paulo. Dentro das dificuldades que eu tinha na época fui sensor não só do Paraíso como da prisão Maria Délia. E me dei bem com alguns presos, mantive relações cordiais, mas sempre cumpri bem os meus deveres e não me deixei seduzir  propriamente pelas correspondências dos comunistas. Tornei-me uma pessoa amiga deles. Meu pai tinha dificuldades financeiras e eu trabalhava em São Paulo. Trabalhava nas Casas Odeon, na Rua São Bento, vendia máquinas de escrever e ajudava no escritório. Principalmente ajudava no escritório. Eventualmente, vendia máquinas. E perdi esse emprego, solicitei a um tio que ajudasse e ele pediu ao secretário de justiça da época, Salles de Oliveira, que então me nomeou para esse cargo: sensor de correspondência. Era isso ou não tinha nada. Eu fui para ganhar os meus 250 mil réis mensais, para pagar a pensão de 150 mil réis e os restantes, 100 mil réis, para viver. Então era essa a situação. Nisso eu fiquei até quando houve a rebelião dos presos no Presídio Maria Zélia e a reação foi extremamente violenta, mataram presos...

P- O sr. estava  presente?

W- Eu estava dormindo. Quando acordei, com a sirene despertando todo mundo, e os presos já estavam sendo recambiados para o interior do presídio à força de fuzil e vi uma ambulância e um preso, João Varlota, dentro da ambulância, morto, eu fiquei tomado de comoção, aquilo me causou terrível comoção, e eu não pude prosseguir, continuar num lugar em que me causava verdadeiro pânico, então eu deixei o cargo. Pedi demissão.

P- Nos presídios, trabalhando, convivendo com os presos, o sr. tinha conhecimento de tortura?

W- No presídio Paraíso, onde estive mais tempo, coisa de um ano, não me recordo de maus tratos aos presos. Ali esteve o Caio Prado, esteve presa ali a Pagu (*5), mulher do Oswald de Andrade, a Sibele, irmã dela. Conheci a Pagu só de vista. Nunca conversamos. Me lembro do Miguel Costa, irmão dele, Daniel Costa.

P- Qual era o trabalho do sr.?

W- Eu lia as correspondências que eles mandavam pra fora. Eu lia e expedia. Não tinha nada importante, eles não podiam mandar nada importante por intermédio das cartas...


P- O sr. chegou a reter alguma correspondência?


W- Alguma coisa que me parecia inconveniente eu devolvia. 

P- O que seria inconveniente, por exemplo?

R- Inconveniente aos olhos de um jovem que não conhecia a política. Eu tinha 18, 19 anos... Eu vou até retificar uma informação: eu primeiro eu tive esse emprego público, quando sai daí é que meu tio conseguiu que eu fosse para a casa Odeon. Foi ao contrário. Na Casa Odeon eu fiquei quase até a minha formatura .

P- O sr. trabalhou em São Paulo depois de formado durante quanto tempo?

W- Eu terminei o curso em 1939, formei-me e colei grau em janeiro de 40, fiz minha inscrição como advogado e montei um escritório. Inicialmente com o Germinal de Feijó, que era um amigo, depois trabalhei com o Naum Fraekental. O escritório dava pouco rendimento, não tínhamos clientela que pudesse sequer custear as nossas pequenas despesas.

P- O sr. atuava mais em que ramo do direito?

W- Atuávamos em cobranças,pequenas causas, mas quando vimos que não tínhamos sucesso, me empreguei e fui trabalhar no escritório de outro advogado. Trabalhei com o Dr. Costa Machado, que era advogado da Sambra. Trabalhei com ele um bom período e quando me desliguei desse escritório eu estava convencido de que teria dificuldades de vencer como profissional em São Paulo. 

P- O sr. chegou a pensar em se estabelecer definitivamente em São Paulo?

W- Pensei, sim. Eu gostava muito de São Paulo. Eu morei em São Paulo 7 anos . Era bem relacionado e gostava da vida que se criou para mim lá, vida cultural, bons cinemas, gostava da boemia. São Paulo, naquela época, era uma bela cidade. Era agradabilíssima. Tinha uma população de um milhão de habitantes(...). Mas quando me convenci de que não tinha condições de prosperar na advocacia ali, e que o que eu ganhava no escritório do Dr. Costa Machado era insuficiente, resolvi voltar para Campo Grande. A família certamente dava alguma ajuda quando eu estava em São Paulo. Quando fui para São Paulo meu pai me deu quatro contos de réis, era bastante dinheiro, pude comprar roupas, pagar colégio, comprar livros, paguei pensão e, com as dificuldades dele, arrumei esses empregos e pouco solicitava. Eu queria levar a minha vida(...).Retornei a campo Grande em junho de 1941. Vim, parei na casa de meus pais, montei um escritório aqui na rua Rio Branco, em cima do cartório quarto ofício, que era do Júlio de Castro Pinto. Tinha uma parte de sobrado muito boa e eu fiquei ali. Em seguida, comecei a trabalhar, começaram a aparecer os clientes e eu pude vencer com facilidade. Havia poucos advogados em Campo Grande. Havia serviços, minha família tinha muitas relações e pude devagar ir pagando os déficit que deixei em São Paulo, que não eram pequenos. (risos)

P- O sr. descobriu a vocação política em que momento?

W- Em São Paulo eu tive um ensaio. Os entreveros nas lutas de sucessão para os cargos do centro XI de agosto e com os amplos debates sobre a política nacional, estadual, travados especialmente entre as correntes de esquerda e de direita, me deram boa base.

P- O sr. não se filiou a nenhum partido nessa época?

W- Não me filiei a nenhum partido, até porque não havia partidos políticos como hoje. Eram partidos regionais. Havia o Partido Republicano Paulista e o Partido Democrático. Houve posteriormente a Constituinte, as eleições em 34, com as instituições procurando se fortalecer, quando sobreveio o golpe de novembro, desferido pelo próprio Getúlio. Nessa ocasião, caiu o Congresso, caíram os governadores e se concedeu a Getúlio uma nova fase de ditadura. Essa mais violenta. E isso foi até 45. Oito anos de ditadura feroz. Somente depois disso é que se organizaram os partidos políticos nacionais.

P- De imediato, o sr. fez a sua opção partidária?

W- Eu fiquei numa corrente que combatia a ditadura. Aqui em Campo Grande essa corrente, posteriormente , era formada por todos os adversários da ditadura,  que se desmanchou, se desfez, e saíram os comunistas , e nós fizemos a opção pela UDN, que era o partido que abrigava os democratas da época.

P- Como o Sr. se relacionava com os comunistas?

W- Eu me relacionava bem. Era amigo do Alberto (Neder), que era meu médico. O Arthur Martins de Barros (também do PCB). posteriormente foi meu secretário de fazenda em Campo grande.

P- A sua vida política começou efetivamente quando o sr. se filia a União Democrática Nacional (UDN)?

W- Sim, começou ai.

P- Foi um início tímido, só como filiado, ou não?

W- Não, já comecei procurando tarefas, decidido a abraçar a carreira. Eu era advogado, fazia política, mas não estava pensando em cargos. Não pensava em disputar nada, tanto que quando houve a primeira eleição para a Assembléia Legislativa, não me candidatei e fui ajudar os meus companheiros. Fui ajudar a eleição do José Fragelli a deputado estadual. Ele ganhou a eleição. O Vespasiano ganhou para Senador, foi o mais votado no Estado, mais do que o Marechal  Dutra. Vespasiano, inclusive, não queria ir para a UDN. Ele era amigo do Filinto Müller. Eles estiveram juntos durante aquele período. O Júlio Müller era irmão dele, foi  governador inicialmente e depois interventor. O Vespasiano se relacionava com o Júlio e era ouvido por ele aqui no sul.  Vespasiano estava acima das questões partidárias. Vespasiano havia sido Senador em 34 e mantinha estreita ligação com eles. Eles escreviam para Vespasiano pedindo para que continuasse com ele. Vespasiano relutava em continuar com eles e ferir sua consciência. Eu imagino isso. Mas ao mesmo tempo ele achava que nós não tínhamos condições de vencer a parada. Ele ficou algum tempo indeciso. Mas depois resolveu ceder aos ditames da consciência e ficar na oposição. Apesar da relação que tinha com Filinto, com o João Ponce de Arruda e todo o oficialismo da época. O próprio Getúlio, quando esteve aqui, a prefeitura estava vaga, o ele pediu ao Vespasiano que assumisse a prefeitura. E ele acabou assumindo! 

P- Quando isso aconteceu, quando ele filiou-se a UDN?

W- Não, antes disso. Depois da formação da UDN ele não foi mais prefeito. Ele já estava em outro nível. Ele era o chefe incontestável aqui do Sul. Tinha um vasto relacionamento com os municípios do Sul e com as chefias políticas da região. Daí a responsabilidade dele no movimento de divisão. E a responsabilidade dele também na tomada de decisão sobre que partido em que ele ia entrar. Os amigos dele, os mais próximos, fomos para a UDN sem ouvi-lo, entramos e ele ficou ainda pensando o que ele ia fazer.


 
(continua...)


(1*) A Constituição Brasileira de 1937 (conhecida como Polaca), outorgada pelo presidente Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937. Artigo 177 - Dentro do prazo de sessenta dias, a contar da data desta Constituição, poderão ser aposentados ou reformados de acordo com a legislação em vigor os funcionários civis e militares cujo afastamento se impuser, a juízo exclusivo do Governo, no interesse do serviço público ou por conveniência do regime.

(*2) Décio de Almeida Prado (São Paulo, 14 de agosto de 1917 — São Paulo, 4 de fevereiro de 2000) foi um professor universitário e um dos mais importantes críticos de teatro brasileiros. É autor de inúmeros ensaios de interpretação da história do teatro brasileiro e foi professor emérito de diversas escolas.

(*3) Helio Morato Krahenbuhl, historiador, intelectual e escritor, passou quase dois anos preso -a primeira vez, em 1936, com Paulo Emilio, e a segunda, em 39, também no Presídio do Paraíso.

(*4) Paulo Emílio Sales Gomes (1916 — 1977) foi um historiador, crítico de cinema, professor, ensaísta e militante político brasileiro. Foi figura central na fundação da Cinemateca Brasileira, na criação do Festival de Brasília e dos cursos de Audiovisual da Universidade de Brasília e Universidade de São Paulo, onde lecionou até o final de sua vida.

(*5)Patrícia Rehder Galvão, conhecida pelo pseudônimo de Pagu, (1910/1962) foi uma escritora,poeta, diretora de teatro, tradutora,desenhista,cartunista, jornalista e militante política brasileira.Teve grande destaque no movimento modernista iniciado em 1922. Militante comunista, foi a primeira mulher presa no Brasil por motivações políticas.