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Entrevista exclusiva Wilson B. Martins 100 anos (parte 6): corrupção eleitoral e a derrota das elites com a chegada do PT ao poder em MS

(Foto de Roberto Higa)

“Sempre existiu corrupção eleitoral. E ela vem de forma maior ou menor acompanhando o desenvolvimento da sociedade. E o dinheiro corre mais facilmente no período eleitoral. Não só a barganha através de dinheiro para compra de votos, mas também para a nomeação em cargos públicos, aumentando assim a folha da máquina estatal, municipal e federal. E essa é uma questão que não se resolverá apenas com a educação nos bancos escolares. É preciso que haja realmente uma educação cívica.”

Nesta sexta entrevista com o ex-governador Wilson B. Martins, ele conta o funcionamento do modelo eleitoral do País, as reformas políticas necessárias, as articulações para construir um candidato que atenda os interesses partidários, as idas e vindas dos pretendentes, e a os erros cometidos pelo PMDB na eleição de Gandhi Jamil e Ricardo Bacha e Saulo Queiroz (PSDB) que deu, na soma de todos os erros, a vitória a Zeca do PT. 

Nesse importante depoimento histórico, Wilson relata a omissão de Ramez Tebet, as indecisões de Lúdio e o apoio do Puccinelli.  

Vale a pena ler e conhecer a história viva de Mato Grosso Sul:  


Entrevista realizada em 06 de junho de 1999 com o tema Campanhas políticas. Candidatura de Gandhi Jamil. Crise familiar, corrupção e marketing eleitoral, a derrota de Bacha e a vitória do PT. 


P – De um modo geral, em quase todas as entrevistas, nós conversamos superficialmente sobre campanhas eleitorais, e eu gostaria de abordar mais profundamente esse tema. Como era esse processo?  O modelo das campanhas ajuda a definir o modelo dos políticos? 

W- Cada cidadão, cada político, traz do berço o seu próprio perfil. A campanha é conduzida um pouco pelo partido e muito pelo candidato. Aqueles que têm ética, que têm princípios a defender, mostram isso no processo das eleições. Costuma- se dizer que o homem se conhece quando toma vinho. “Un Vino Veritas”, no vinho a verdade. Eu diria que o homem se conhece na política. Os que não têm princípios, os que não têm educação cívica, usam e abusam nessa hora de todos os expedientes. Até dos lícitos (risos). O ideal seria que houvesse um orçamento para que os políticos fizessem a campanha, e esse orçamento fosse respeitado. Mas essa é uma pretensão que num País como o nosso ainda não se concebe. Ainda não pode ser implantado. Eu me recordo que os partidos políticos aqui em Mato Grosso do Sul sempre usaram recursos oficiais ( diria gasolina, veículos...) para as campanhas eleitorais. Sempre reagi a isso. Mas nem sempre pude conter a sanha dos companheiros. Pessoalmente sempre gastei pouco nas campanhas. Sempre fui um candidato de oposição. Não tinha acesso, ainda que quisesse, aos recursos públicos. Fazia com meu próprio dinheiro. E gastava pouco. Lembro-me que as minhas campanhas eram modestas; não me recordo como se fez a minha eleição, a minha primeira eleição para a prefeitura, a que perdi para o Dr. Ary Coelho de Oliveira. Foi toda feita pela caixa do partido. Àquele tempo a crise não era forte como é hoje, as pessoas dispunham de recursos modestos, embora suficientes, e todos os correligionários participavam do caixa partidária de bom grado. A segunda campanha em que tomei parte  foi em 1958, quando disputei pela segunda vez a prefeitura (Campo Grande). Nessa oportunidade, como disse anteriormente, não participei do palanque oficial e por isso nem tinha o beneplácito do partido. Eu fiz a campanha toda em separado. Como que foi criada uma dissidência dentro do próprio partido. Dissidência não declarada, mas que funcionou o tempo todo. Os recursos eram nossos, da dissidência, que vale dizer que eram escassos. Muito escasso. Que fazíamos? Lançávamos mão de recursos próprios. Eu vendi terreno em Campo  Grande que tinha para as minhas campanhas. E gastava pouco. A militância havia e não engordava nesse período. Ela trabalhava realmente: ia às ruas, convencia, lutava bravamente, sem exigir  remuneração. 

P- Não havia a contratação de cabos eleitorais como hoje, né? 

W- Não havia a contratação de cabos eleitorais (...) Os cabos eleitorais que tinham prestigio entre aspas, no início das lutas, acabaram sendo postos à margem  ficaram desprestigiado, porque verificou-se  muito rapidamente que na verdade eles eram bafejados pelo prestígio dos chefes e acrescentavam pouco. Entretanto, alardeavam forte impressão sobre os eleitores. Pessoalmente, lembro-me que vendi em cada eleição um lote de terreno e que com cerca de vinte mil cruzeiros eu fazia toda uma campanha. Atualmente, não é assim. 

P- Atualmente é preciso vender uma ou mais fazendas....

W- (risos) Para a minha campanha ao governo do estado, a primeira vez, em 82, obtivemos recursos recorrendo a empresários, amigos, que nos ajudaram bastante. Na campanha ao Senado, a mesma coisa. E na última campanha(...), ultima eu não diria, porque a última foi essa desastrada campanha em que fomos derrotados(...),a penúltima campanha em que tomei parte para ocupar pela segunda vez o governo do Estado, eu próprio, acompanhado do meu amigo Thiago Franco Cançado e de outros companheiros, levantamos recursos. Não muitos, mas o suficiente para vencermos no primeiro turno as eleições. E por uma boa margem de votos. Essas são as lembranças que tenho. 

P- Quando o político pede ajuda a empresários automaticamente depreende-se que o empresário faz isso não por profissão de fé, mas sempre esperando contrapartidas. Como isso se dá depois? Há exigências de contrapartidas?

W- Os empresários não são amigos. Outros são menos amigos e outros ainda são inimigos (risos). Mas de um modo geral os empresários participam da caixa dos candidatos com maior ou menor quantia conforme suas simpatias e suas esperanças de vitória ou derrota....

P- O sr. diria que as campanhas de antigamente eram ingênuas em relação as atuais? 

W- Cada vez mais os eleitores, os grupos, a militância, exigem mais dinheiro dos partidos. Esse é um processo que realmente tem que ser repensado pelos cientistas da política; temos que fazer uma reflexão sobre o futuro do País porque o que observamos é que isso não ocorre apenas num determinado País, ocorre em todos os países. Me parece que quanto mais rico o País, mais cara são as eleições. Algumas são, segundo informações, extremamente onerosas. As notícias que temos das eleições dos Estados Unidos são de que correm bilhões de dólares, com interesses enormes...

P- Nota-se no Brasil que, na medida em que a sociedade brasileira foi deixando de ser rural e passando a ser urbana, gradualmente a política vem sofrendo um processo de profissionalização e, ao mesmo tempo em que essa profissionalização está ocorrendo, tem-se a impressão de que de tempos em tempos na política há uma forma muito tênue (mas existe) de redistribuirão de renda ocorrendo através das campanhas(...) como o Sr. analisa esse processo ? O sr. não acredita que talvez esteja aí a raiz de todos os males da política?

W- Não percebi bem qual o ponto que você quer chegar...

P- Estou colocando que a sociedade brasileira se transformou e, concomitantemente a essa transformação, foi se exigindo padrões mais profissionais nas campanhas políticas, através da contratação de cabos eleitorais, assessorias especializados, e, ao mesmo tempo, é quando os políticos e, de certa forma, as elites, promovem uma modalidade “distributiva” de renda, ou seja, faz o dinheiro circular com mais intensidade(...) , as campanhas políticas estão sendo feitas cada vez mais à imagem e semelhança da sociedade de mercado...

W- Eu me recordo que no interior, nos chamados grotões, as chefias políticas armazenavam não apenas recursos em espécie, mas armazenavam bens e distribuíam nas eleições: botinas, roupas (...) e, dessa maneira, procuravam atrair o voto dos eleitores da zona rural. Mas sempre houve o uso indevido da compra de votos, da máquina. Antigamente a polícia, os delegados de polícia, o aparelho governamental , tinha como comprimir a vontade do eleitor, as eleições eram feitas a bico de pena, mas isso antes de 1930. A revolução de 30 foi feita inclusive com o objetivo de apagar essa nódoa da história eleitoral do Brasil. Era uma de suas razões. Mas sempre existiu a chamada corrupção do eleitor. E ela vem de forma maior ou menor acompanhando o desenvolvimento da sociedade. E o dinheiro corre mais facilmente no período eleitoral. Não só a barganha através de dinheiro para compra de votos, mas também para a nomeação em cargos públicos, aumentando assim a folha da máquina estatal, municipal e federal. E essa é uma questão que não se resolverá apenas com a educação nos bancos escolares. É preciso que haja realmente uma educação cívica. É preciso que os partidos, através de órgãos próprios, invistam nessa questão de maneira específica e profunda. Mas parece que até aqui o assunto não tem sido tratado com necessária seriedade. 

P- Insiste-se muito na questão da reforma política com a adoção de financiamento público das campanhas, mas parece que isso não avança?

W- Não avança (...). É difícil. Veja essa questão da fidelidade partidária. O cidadão sai da eleição e já nem espera a primeira reunião de seu partido,e, antes disso, bandeia-se para partidos contrários. Nessas últimas eleições vimos isso de maneira assustadora, bancadas avançando vorazmente sobre as outras (...) muitas conversas, muitos arranjos, muitos interesses são examinados por todos os interessados e trinta dias após as eleições as bancadas apresentam perfis inteiramente diferentes que apresentava logo após o conhecimento dos resultados eleitorais. Isso frustra os eleitores. O eleitor aposta as suas fichas em seus candidatos, especialmente os eleitores mais presos a linha partidária, que tem amor a camisa ...

P-O sr. acha que a adoção desse critério de financiamento público de campanha, adoção de voto distrital misto e supressão da obrigatoriedade de votar, poderiam constituir-se medidas que ao longo do tempo reeducariam o eleitorado?

W- Acrescentaria a essas condições que você colocou a fidelidade partidária, que já falamos sobre ela; eu creio que são medidas que poderiam corrigir essas distorções da política brasileira. Mas há necessidade de se fazer isso efetivamente. As eleições não podem ser projetadas, aprovadas e ter vigência apenas para um pleito, como está acontecendo atualmente. É preciso que se faça e se cumpra um código da vida política. Como se fez e está se praticando hoje um código nacional de trânsito, com aplausos da população. E os benefícios estão aí à vista de todos. Diminuiu-se o número de acidentes e vítimas. Portanto, essa mesma reforma tem que imperar na vida política. E a vida política é extremamente importante. Porque aí se forjam as lideranças e os dirigentes dos municípios, estados e a Nação.

P- Nós sabemos que os políticos em todos os tempos sempre foram muito criticados. Até porque a política é uma atividade de evidência. E hoje o poder é cada vez mais complexo. E a sociedade cada vez mais informada. Ou pelo menos recebe muita informação. E a gente percebe que em função desse processo, a classe política de um modo geral tem melhorado. Isso se compararmos ao passado. Mas ao mesmo tempo o processo de achincalhamento está sendo muito mais fácil. O sr. acha que a sociedade tende muito facilmente a acreditar em escândalos que muitas vezes não tem nenhuma base na realidade? 

W- Acho que sim. Hoje há uma crença muito grande da população na abertura de inquéritos nas assembleias, nas próprias Câmaras municipais, no Congresso Nacional, que tomam esses inquéritos pensando em toda a gente do País como se eles fossem resolver os graves problemas que existe na sociedade. É um engano. O inquérito por si mesmo não pode senão apontar algumas faltas e, quando muito, provas para que o Ministério Público  apresente  denúncias e sigam um processo contra os culpados. Mas esses inquéritos abertos no parlamento não têm esse valor que a população imagina que tenha. Acho que eles têm inclusive um lado negativo por causa da criação de expectativa de tudo será resolvido. Não é assim. E também tem outro lado negativo que é a preterição do cumprimento por parte dos parlamentares das obrigações normais de cada dia, que é o de fiscalizar o Poder Executivo, de tramitar os projetos em curso nas assembleias, projetos que têm importância muito maior do que tantos e tantos inquéritos que se abrem e que acabam se encerrando sem o benefício da sociedade. 

P – A política, como tudo o que hoje acontece na sociedade moderna, tende a ser sempre um show e, depois do show, nada melhor do que comer uma pizza...

W- (risos) É isso mesmo...  

P- Dr. Wilson, quais foram as campanhas que mais deixaram marcas, tanto positivas como negativas?

W- Na minha vida pública, uma campanha que me deixou marca foi a eleição para deputado federal pela primeira vez. Quando fiz a eleição à margem do partido. Eu tinha feito uma administração forte em Campo Grande e fui muito combatido, criou-se a imagem de um homem ligado ao Partido Comunista e, assim, como havia os detratores, havia os entusiastas, os companheiros que não acreditavam nisso e viam o crescimento de uma nova liderança para o Estado. Imagine você que não participando dos palanques oficiais, mas aqui em Campo Grande, que era a minha maior base, fui obrigado a fazer um comício no fim da campanha. Toda a gente estava esperando um comício. Qual era o núcleo da minha campanha? Qual era o sentido do meu programa? O que pensava o candidato? Isso precisava ser exposto. E fizemos então esse comício no cruzamento da rua 14 com a avenida ( Afonso pena), que era o ponto de maior circulação da cidade, e foi o maior comício aqui na ocasião. Essa foi uma campanha vigorosa em que tínhamos muita saúde e muito entusiasmo para enfrentar as críticas e derrubá-las. Saímos vitoriosos.

P- Qual foi a campanha que o sr. lembra com mais pesar?

W- A campanha mais desarrumada de que participei, uma campanha que saiu de uma crise, foi a do Gandhi (Jamil). Estávamos todos deslocados. Eu estava em Brasília, como disse, e os companheiros aqui estava procurando levar o partido e efetivamente levaram para o Gandhi. Para a campanha do Gandhi eu recebi um telefonema da Celina (Jallad) dizendo que estava convidada e se via na contingência de aceitar a candidatura a Vice. Disse-lhe que não aceitasse. Minha filha, eu disse, não aceite essa candidatura. Primeiro, porque você vai perder; segundo porque essa candidatura vai trazer dificuldades para a nossa família, ela vai interferir no meu relacionamento com o Plínio. Não temos afinidades maiores para que você seja a Vice do Gandhi. E ela fez ponderações e procurou me convencer que entendia que as coisas marchavam para essa definição, e ela se via obrigada a caminhar nesse sentido. Eu respeitei a posição dela. Ela estava procurando também vir para a rua, disputar um cargo; eu queria que ela fosse deputada, ela seria eleita com facilidade. Quando cheguei de Brasília(...), lembro-me que nesse período a gente não vinha de Brasília com tanta freqüência como vem agora toda a semana. Se vinha de raro em raro. Quando cheguei aqui, na véspera da convenção, percebi que os companheiros estavam alinhados com o Gandhi. Eu já tinha sido advertido pelo Plínio (Barbosa Martins) em Brasília que eu perderia alguns amigos. Mas não me disse que ele próprio seria um desses amigos. Almoçamos juntos, nessa ocasião, pela última vez em nossa vida. Em Brasília, na minha casa. Se não me engano, era no dia de meu aniversário, dia 21 de junho. 

P- O que foi tratado nesse almoço?

W- Ele me disse que os companheiros estavam indo para o interior e que levavam uma palavra minha, que eu não tinha dado, dizendo que essa era a fórmula que eu estava preconizando. A candidatura Gandhi e o nome da Celina como Vice. Quando cheguei aqui em Campo Grande, compareci à convenção e fui procurando pelo André Puccinelli - e ele pediu os meus votos para o Gandhi. Eu lhe disse que não, não daria os meus votos – eu tinha dois votos, como membro do partido e como parlamentar – que eu não daria os meus votos ao Gandhi e votaria no candidato oficial do partido, que era a maneira que nós tínhamos de valorizar o partido e começar a guerra no estado pela sua valorização.Ele me disse: então, vamos fazer o seguinte: dê um voto para cada candidato. Eu falei: não, não dou nenhum, dou os dois ao candidato oficial do partido, que era para o Saulo (Queiroz). Votei assim: dei dois votos ao candidato do partido.

P- Nessa campanha houve um fato marcante: de quem foi aquela infeliz idéia de logo no começo da campanha, no horário eleitoral gratuito, em que  aparecia o sr., a dona Nelly e a Celina, entregando um álbum de fotografia da família para o Gandhi?

W- Lembro-me deste triste fato. Não me lembro de quem foi a ideia. Sei que foi contratado alguém para conduzir a campanha, sempre há um técnico que aparece como o articulador e o salvador da campanha (risos). Embarcamos nessa idiotice... {particularmente, Wilson relatou o fato em detalhes e mencionou as pessoas envolvidas diretamente, mas pediu para omití-las...}

P- Houve uma reação muito negativa a essas imagens...

W- Me lembro disso...

P- Por falar nisso, como o sr. analisa o famoso horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão? Antigamente isso não existia. Só muito recentemente começamos a viver a era do palanque eletrônico, como o sr. vê esse fenômeno?

W- Esses horários são cada vez menos vistos pela população. Geralmente, até nem são vistos. 

P- Alguns são até mal vistos...(risos)

W- Quando eles aparecem a gente muda de canal, se desinteressa, eu creio que tudo isso deva ser repensado, reexaminado, na verdadeira lei de funcionamento de organização, funcionamento e estruturação dos partidos políticos. 

P- Criou-se uma mística de que campanha se ganha na televisão e em função disso os programas de televisão acabam sendo o elemento mais caros de uma campanha. O horário não é gratuíto coisa nenhuma...

W- Você veja que na última campanha aqui da minha sucessão a impressão que tinha era de que o desempenho do candidato Ricardo Bacha havia sido muito superior ao do seu antagonista. Inclusive de todos os outros. Ele se apresentava mais preparado, com bons assessores, e, no entanto, a votação que teve foi muito inferior. 

P- O sr. disse no começo da entrevista que essa última campanha – a de sua sucessão – tinha sido um desastre. Por que ?

W- Sim, pelo resultado e por tudo que se passou dentro dessa campanha. Você acha que seria o momento de se analisar essa campanha?

P- Por que não? O sr. não gostaria?

W- Você é invencível (risos). Vamos lá: primeiramente, havia um interesse e como que uma pretensão legítima do Lúdio em ser candidato. Por que pretensão aparentemente legítima? Porque ele tinha sido - e o PSDB sob sua direção - meu aliado no processo que me deu a vitória para o governo. Embora não tivesse ficado inteiramente acertado, criou-se a expectativa de que o PSDB deveria ser na eleição futura aquele que deveria apresentar a candidatura ao Governo. O que ocorre? Um interesse inicial do Lúdio em se candidatar. O interesse do Ramez Tebet em se candidatar. O interesse do senador Juvêncio em candidatar-se. Interesses colocados em público. Tínhamos que analisar, primeiramente, a questão da formação de uma aliança dos dois maiores partidos até então: PMDB e PSDB. Estava-se examinando a questão da candidatura Lúdio, por estas razões, quando ele próprio retira essa candidatura, dizendo que tinha se examinado em São Paulo com o Dr. Radhi Macruz (?), clínico de aparelho circulatório, e este o havia aconselhado de maneira taxativa a não candidatar-se. Ele tinha sofrido inclusive um pequeno acidente cardiovascular e foi aconselhado e realmente tomou a decisão de não candidatar-se. Chegou aqui e me falou que não seria mais candidato. Mas pouco depois se recolocou no páreo.Fiquei atônito. Recuperou-se e também me deu conhecimento disso. Alegou que essa questão de doença é uma questão que a gente tem que examiná-la da melhor maneira e, depois, quando esteve aqui esteve o Papa e vendo ele, Lúdio, a performance do Papa, o esforço enorme que fazia, um ancião que, não obstante, a sua fraqueza e debilidade física, conseguia atrair multidões e fazer suas pregações em longas falas ao mundo cristão, ele mudou de opinião...

P- Com uma comparação dessas, quem resiste ao argumento, não é ?

W- (risos) E que em função disso estava disposto a candidatar-se. Eu disse: então, você se prepare, tem que mobilizar recursos, opinião pública, imprensa, tem que ir à luta com meios capazes de vencer. Não podemos reeditar a campanha anterior, quando fui candidato e ele participou com zero de recursos para nossa vitória. O mesmo ocorreu com o senador Ramez. Tivemos seu concurso com a cessão de seu avião particular (do Lúdio). Nesse avião, muitas vezes eu, ele ( Lúdio) e o Ramez, nos movimentava-nos pelo estado em busca de  contatos com os chefes municipais, os eleitores, e, assim, fomos articulando a campanha até chegarmos à vitória. Mas ele nada gastou e o Ramez também. Gastamos muito pouco. E aí prosseguiram os contatos e eu comecei a receber informações do interior de prefeitos, de chefias políticas, de vereadores. Eu lembro que especialmente da área de fronteira, companheiros que não queriam mais apoiar no nosso candidato. O nome do Lúdio não tinha receptividade. E vinham do interior mensageiros políticos com a mesma informação. Mais do que isso: ele saiu aí pelo interior com companheiros seus levando a mensagem de sua candidatura e o resultado foi nefasto. Companheiros dele dessas jornadas me diziam que ele não trazia ninguém. Que a candidatura dele era uma candidatura morta. Eu fiquei receoso de articular o nome de um companheiro que estava em dificuldade nessa hora. E o Ramez procurava também aparecer como candidato. Eu não recebia informações nem pedidos nem colocações de setores do partido para que fosse ele o candidato. Nessas condições, pensei num nome novo. Num nome que pudesse(...), não apenas ser um jovem, mas alguém que não tivesse vícios políticos, alguém que não tivesse proscrito da política, alguém que tivesse honra, que tivesse dignidade e tivesse experiência. Por isso me ocorreu o nome do Bacha ( Ricardo). Fiz algumas articulações e surgiu o apoio dos prefeitos e surgiram apoios. Eu, dessa maneira, estava atendendo as expectativas do PSDB que queria um candidato próprio na cabeça de chapa e atendia também, supunha eu, a expectativa da população que queria uma renovação. E apontava alguém que fosse capaz e que não era ladrão. Assim surgiu o nome do Bacha. E depois a sua rejeição pelo Lúdio, pelo Ramez , em caráter definitivo e, posteriormente, pelo Valter Pereira, elementos todos bem situados no partido. Dois Presidentes: o Lúdio , do PSDB, o Ramez do PMDB, e o Valter  Pereira , secretário geral do Partido. O Valter chegou a dar apoio ao nome do Bacha depois que estivemos em Brasília. E no retorno, ele esteve comigo no governo e me disse que ia apoiar o Fernando Henrique e ia apoiar também o Bacha. Falei também com o Ramez, mais de uma vez, pedindo o seu apoio, mostrando que tínhamos chance se nos uníssemos etc. Falei com o Lúdio, infelizmente não fui feliz e todos eles, todos os três, estiveram trabalhando contra a candidatura do Bacha. 

P- E o Juvêncio?

W- O Juvêncio saiu e apoiou o Bacha. Ele optou pelo senado e eu retirei o meu nome do senado ...

P- O sr. chegou a cogitar uma candidatura pelo senado?

W- Eu disse que não seria candidato ao senado, abrindo espaços para acertar a vida do partido. Num primeiro momento, eu tinha aberto mão da reeleição, num segundo momento eu abri mão da postulação do senado também, a pedido inclusive do Moka. Ele falou com o Plínio Rocha para ver se eu podia deixar de ser candidato e abrir espaço para o Juvêncio. O Plínio me falou e eu disse: não há dúvida, eu largo mão, não disputo coisa nenhuma e fica o Juvêncio contemplado. E o Juvêncio saiu com o Bacha em vários municípios, articulando sua candidatura ao governo. Posteriormente, retornou e disse que o discurso do Bacha não convencia, que ele não sabia o que havia, mas não estava bem, que ele queria me avisar e foi pra casa e  não saiu mais. E o que ele queria na verdade era a mudança de posição. Ele queria ser candidato ao Governo. Isso com a campanha já em curso. E o PSDB já tendo aprovado o nome do Bacha. Sobreveio uma convenção do PMDB. Nessa convenção o que se pretendia era o lançamento de uma candidatura do Juvêncio. Realizou-se essa convenção na Câmara Municipal (de Campo Grande) e os discursos, na sua grande maioria, pediam a candidatura do Juvêncio ao Governo. Falamos, o João José, o André Puccinelli, eu e um outro companheiro, a favor do Bacha. Os demais discursos eram a favor da candidatura do Juvêncio. Eu colocava os compromissos, já assumidos com o PSDB, e a candidatura do Juvêncio naquele momento seria uma derrocada; iríamos engrossar as fileiras do Dr. Pedro, ou seja, ajudar o adversário, porque o PSDB iria aliar-se ao Dr. Pedro e nós ficaríamos com o Juvêncio, e o Juvêncio sozinho com o PMDB não tinha como vencer as eleições. Alertei a todos sobre isso. O Juvêncio, o Ramez e o Valter fizeram uma reunião na casa do Juvêncio e me chamaram. Estava presente também o Moka. Lá discutiram a situação e colocaram novamente a candidatura do Juvêncio. Isso após a convenção. E terminou, como disse, pedindo a candidatura do Juvêncio e com um discurso final meu achando difícil a candidatura do Juvêncio pela razão já que te disse. Nessa reunião me pediram novamente a candidatura do Juvêncio. Eu falei que ia conversar, ver se articulava sua candidatura. O Bacha estava nesse momento em dificuldade e admitia deixar a disputa. O deputado Londres ouviu tudo isso o que disse que aceitava a substituição do Bacha pelo Juvêncio, desde que a bancada do PSDB aceitasse a substituição. Disse isso depois de ter ouvido a palavra do Bacha aceitando a substituição. O Londres saiu dali e foi para a Assembléia reunir-se com os deputados de sua bancada do PSDB. O Londres admitia que a bancada apoiasse essa substituição. Não era uma coisa segura,  mas ele podia talvez obter isso. Conversou em seguida com a bancada e a bancada foi inflexível. Não admitiu a substituição. O candidato devia ser realmente o Bacha e o PSDB não abria mão da cabeça de chapa. Esse foi o resultado da reunião. Então, não havia como levar o Juvêncio para a candidatura ao governo. Ele devia continuar como candidato ao senado. Esses são os fatos. Esses são os fatos que se passaram de verdade, os nomes estão aí, hão de confirmar, se quiserem dizer a verdade. Prosseguiu-se a campanha. Mas, apesar de sempre instado a apoiar o nome do Bacha, que tinha já a aprovação do PSDB e que tinha maioria no PMDB, inclusive o apoio do prefeito André Puccinelli, que estava querendo reforçar a candidatura do Bacha aqui na cidade (Campo grande), o Presidente do Partido, Senador Ramez Tebet assim não procedeu. Continuou ao largo, à distância, e nem um momento fortaleceu a candidatura do Bacha. Nem mesmo quando fomos à sua cidade, Três Lagoas, a sua região, no Bolsão. Na reunião de Três Lagoas, discursando na reunião, ele silenciou a respeito da candidatura do Bacha. E eu fiquei numa situação constrangedora, tendo que colocar o nome do candidato do partido, que era o Bacha, nesta altura, sendo que o Presidente Regional, o chefe de nossa política na região do Bolsão, não referiu ao seu nome. Então, isso fragilizou...

P- O sr. acha que ele estava agindo com ressentimento, pois não conseguiu ser o candidato?

W- Ele queria ser o candidato, mas não conseguiu articular. Não havia uma aspiração do partido em torno de seu nome. Não havia. Se havia algum nome que naquela hora que tinha alguma receptividade no PMDB era o do Juvêncio, conforme expliquei no decorrer da entrevista. Esses são os fatos e assim continuaram até a campanha chegar ao seu final.

P- Só que a base da campanha estava dividida...

W- Sim, as lideranças estavam fracionadas. E o governo numa situação difícil, embora tivéssemos ganho no primeiro turno por uma boa diferença, uma margem razoável, mas, nesse momento, que era decisivo, quando o partido devia estar unido e o candidato na frente, para enfrentar o segundo turno com vantagem, passou-se cerca de 10 dias sem ninguém levantar uma palha. Os candidatos vitoriosos começaram a desmobilizar suas forças e o próprio Bacha não partiu imediatamente para a campanha do segundo turno. No governo chamei os companheiros do PMDB e PSDB e procurei convencê-los a entrar na luta. As informações que chegava do interior eram muito ruins, no interior e na Capital, as adesões que se faziam ao Zeca eram de vulto. E o resultado final foi a derrota melancólica. As forças da sociedade foram atraídas pelo PT...

P – Deixe-me interromper um pouco, e fazer aqui um comentário. Quando essa campanha começou, o franco favorito era o Pedrossian. A disputa que se desenhava no segundo turno era Bacha e Pedro. Aliás, o Bacha se preparou para isso. A que o sr. atribui a derrota do Pedrossian?

W- Eu acho que no fundo nós estávamos certos quando percebíamos que a sociedade queria mudar. Por isso, trouxe o Bacha, como uma força nova. Mas num discurso que fez durante a campanha, o Carmelino (Rezende) disse que a verdadeira renovação não era o Bacha. O Bacha seria assim como uma pintura de um prédio e a renovação não podia ser apenas isso, alguma coisa que estivesse no exterior. Mas a renovação devia ser no âmago. Isso é o que me parece traduzia o pensamento da sociedade. O PT estava muito bem preparado. O PT tinha perdido a primeira campanha para a Prefeitura de Campo Grande e, amargurado, debitou isso não à força e organização do Partido, mas a toda a sorte de maquinações do PMDB. O resto é a história que sabemos...

(Continua...)