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Entrevista exclusiva (parte 5) 100 anos: O governo Wilson na Nova República, dramas políticos e pessoais

(Foto de Roberto Higa, registrada no instante em que Wilson fazia um dos discursos mais contundentes de sua vida, rompendo definitivamente suas relações com Pedrossian)



“O rompimento com meu irmão foi para mim um dos episódios mais dolorosos da minha vida política. Somente antes dele operar-se, nos reconciliamos. Não que eu não o quisesse. Ele não queria. Procurei-o, mas ele sempre se mostrou ressentido. Finalmente, quando ele estava em São Paulo para ser operado novamente da aorta, depois vindo a falecer, já que a primeira operação estava em processo de ruptura, conversamos e nos reconciliamos.A política afasta amigos e até irmãos. E aproxima inimigos e até irmãos.”


Tema da entrevista em 1º de junho de 1999: a Nova República, crises políticas e o rompimento Plínio B. Martins. 

Nesta entrevista, Wilson B. Martins conta a história de seu primeiro governo, as relações com Delfim Neto, a briga com Pedro Pedrossian, as divergências com Lúdio Coelho e o rompimento pessoal e político com seu irmão Plínio Martins. 

Uma história instigante, repleta de nuances que a maior parte da população do Estado desconhece. Aqui Wilson faz um dos mais importantes resgates históricos de sua carreira.

Vamos ao depoimento: 


P- Na última entrevista nós paramos quando falávamos do começo da articulação de sua candidatura ao Governo do Estado. Eu me lembro que nesse período o Brasil vivia o fim do regime militar, estava em curso a abertura política, e abria-se a possibilidade concreta de realização de eleições diretas para governadores de estado, visto que, até então, os governadores eram nomeados. Aqui no Estado estávamos saindo de um período turbulento com a sucessão de vários governadores, ao mesmo tempo em que se articulava candidaturas para as eleições diretas apenas para governador. No caso de sua candidatura, como se deu esse processo? Foi difícil acomodar as várias correntes?

W- Lembro-me que conversamos na última entrevista em  que eu coloquei o nome do Plínio (Barbosa Martins) como favorito do partido e também da população de uma maneira geral. Embora ele tenha aquiescido em certa ocasião, na manhã pediu-me que o excluísse das cogitações porque ele e a mulher definitivamente não aceitavam. Tínhamos que partir para outro nome e os companheiros que apontavam o Plínio começaram a me apoiar. Eles insistiam para que eu me tornasse candidato. Eu dizia que estava fora da luta, que estava desligado dos municípios há muitos anos, mas, na verdade, não havia um nome que congregasse a companheirada. E eu acabei aceitando a disputa. O adversário era o prefeito de Dourados, José Elias Moreira. E a luta veio e não houve uma oposição dentro do partido ao meu nome, uma vez que não tinha sido uma reivindicação pessoal. 

P- Havia alguma pesquisa de opinião para avaliar a inserção de seu nome na sociedade?

W- Não, não se realizava pesquisa naquela época. E assim começamos a nos preparar para a luta. 

P- O sr. acreditou que era viável aquele projeto político?

W- Comecei a caminhar,  e, caminhando é que se chega ao fim das jornadas. E me animei, pois percebi que havia chances. E começamos a crescer. No próprio município de Dourados, onde o candidato adversário, José Elias, tinha sido prefeito, eu sentia que tinha chances; não de ganhar, mas pelo menos de atenuar muito a sua vitória. E isso de fato ocorreu. Ele acabou vencendo em Dourados por um número de votos muito reduzido. O que lhe tirou as possibilidades. Um colégio eleitoral como Dourados que abraça a candidatura do adversário tira as chances do outro candidato.

P – Houve na época algum tipo de problema para se costurar uma frente política tão heterogênea para tornar competitiva a sua candidatura?

W- Não, não houve dificuldades. Pelo menos na minha presença não surgiram dificuldades. Pelo contrário, sempre havia estímulo. 

P- Na época foi muito comentado um acordo prévio que teria havido com Marcelo Miranda para que ele fosse o prefeito nomeado de Campo Grande {naquela época o Governador indicava o prefeito indiretamente}? O que de fato ocorreu?

W- Eu indiquei o Lúdio (Coelho). O nome do Lúdio não era o nome natural. O Lúdio não era bom de voto. Mas ele tinha me dado um apoio forte nas eleições. Apoio forte do Lúdio era você usar o avião dele (risos). Recursos ele nunca trouxe, em nenhuma campanha. Eu me servi na minha eleição de um avião de uma cunhada dele. Uma senhora já falecida, a senhora do Wilson Coelho. E também, às vezes, o avião do Lúdio. Mas o Lúdio é um excelente companheiro de campanha, não é apenas o dinheiro que conta; é a simpatia pessoal, é o trânsito fácil – o Lúdio tem isso. Ele é um homem que tem muita facilidade de diálogo com o pessoal do campo e sempre nos demos bem, não tínhamos dificuldades, e ele me ajudou muito nessa campanha. Então, na organização do governo, depois da vitória, convidei-o para ser Secretário de Agricultura. Ele teria facilidade de ocupar essa pasta porque ele é um homem do campo. Ele era uma espécie de líder dos pecuaristas. Como é até hoje. E uma área que eu não me sentia forte. E o Lúdio era capaz de comandar bem. Ele mostrou-se pouco interessado em ocupar a Secretaria de Agricultura. Depois me mandou dizer, através do José Pereira Martins, amigo dele e meu, que aceitaria ser prefeito da capital. Consultei o meu partido e meus companheiros, e não obtive respaldo.... 

P – O consenso era o Marcelo Miranda....     

W- Não, não havia consenso. Havia indicações ora de um ora de outro e insistimos no nome do Lúdio. E ele acabou sendo aprovado numa reunião de nosso Diretório. Foi assim que ele foi para a prefeitura. 

P- Vamos voltar um pouco à fase da campanha eleitoral. Eu me lembro que foi uma campanha muito difícil. Havia uma pressões fortes sobre os municípios do interior por parte do governo. Todos percebiam que o interior era um reduto governista e pedrossianista e a Capital era oposicionista. O sr. teve muitas dúvidas sobre a real possibilidade de vitória nesse pleito?

W- Eu não tinha certeza de vitória. Em qualquer campanha você joga com as duas hipóteses. É muito difícil uma campanha em que você se sente um candidato dominante. Não havia pesquisas, só havia impressões e intuições (...). O bafejo da opinião pública nem sempre é uma indicação segura. Então, nessa primeira candidatura ao governo, sempre tinha minhas dificuldades e nunca me senti seguro de vencer a luta. O resultado, afinal,  não foi expressivo. Você se lembra. Nós conversamos muito sobre isso. Foi uma vitória com uma margem muito reduzida. 

P – Inclusive, na época, houve muitos problemas na apuração dos votos, precisaram até trancar as urnas numa sala com pessoal armado dentro da junta apuradora(...)Não sei se o sr. se lembra daqueles acontecimentos?

W- Lembro-me, sim, tenho viva essa impressão até hoje. As urnas eram entregues num prédio que tinha sido designado para a apuração, no bairro Amambaí, e o juiz eleitoral era favorável ao meu opositor e o seu passado não me dava segurança de que ele seria isento nas apurações. Nessa ocasião, o Dr. Aleixo Paraguaçu, foi para o comando do processo e trouxe a todos nós segurança de que as eleições seriam feitas com correção. Ele ofereceu também segurança de que o pleito fosse limpo. Que as apurações se processassem em clima de ordem e de respeito. Chamei-o e pedi que se colocasse à frente e que tudo fizesse para que não houvesse defraudação no processo eleitoral. E ele assim o fez. 

P- Consta até que o Dr. Aleixo Paraguaçu teria dormido sozinho e armado numa sala com as urnas para garantir a lisura do processo. Foi isso mesmo o que aconteceu ?.

W- É, houve isso... Ele se impôs. Ele tinha o dever de  zelar pela lisura do processo. 

P – Depois, já eleito, eu me lembro que quando o sr tomou posse, foram feitos discursos de lado a lado. Pedrossian fez um discurso lido, inapropriado, e o sr., falando de improviso, respondeu-lhe de forma muito contundente. Naquele momento parece que se definiu claramente duas linhagens políticas aqui no Estado, representadas pelo sr. e  pelo Pedrossian, algo que acabou perdurando até agora nas últimas eleições. Como o sr. analisa esse processo? O começo do governo como foi ?. Havia muitas dificuldades ?

W- Foi um período muito difícil. Havia atrasos de pagamentos para com o funcionalismo público, havia falta de cumprimento de obrigações para com as empreiteiras (...). E o governo que perdeu as eleições estava num processo de derrocada. Então, ele (Pedrossian) tinha mandado me propor  depois das eleições , através do Dr. Nelson Trad,  que fizéssemos discursos dentro dos moldes do que ele me apresentava.No próprio dia da posse. Ele fez um discurso dizendo que entregava o governo em perfeitas condições e que tinha cumprido seu programa, que tinha efetuado os pagamentos, que deixava o governo em situação de equilíbrio financeiro. Eu não tinha tempo nem de dar resposta a ele. Eu li esse discurso que me foi entregue pelo Plínio (Rocha) no momento em que eu tomava posse na Assembléia, propriamente no momento da transmissão do cargo. Eu o li entre a posse na assembléia e a transmissão do cargo que se operou no clube dos servidores, no parque dos poderes. O discurso que li me causou revolta. Aquilo era uma vilania...

P- Ele queria que o sr. concordasse com aquilo ?

W- Sim. E eu fui para o ato de posse com a intenção de desmistificar a farsa.

P- O combinado era de que não haveria discursos, eu acho que era isso que o sr. queria?

W- Eu propunha que se fizesse uma transmissão simples. Uma transferência de cargo protocolar. Nem ele faria o discurso que pretendia – e que era esse, afinal, que eu conheci antes da realização da solenidade – muito menos eu falaria nada,  só o que acabou acontecendo foi uma coisa muito diferente. Quando ele acabou de falar eu estava em condições inteiramente opostas ao que ele queria. Eu estava revoltado com o que ele dizia e o que ele representava naquele momento. E o discurso que fiz causou uma emoção enorme na platéia. Me lembro que vários companheiros me diziam: se o sr. tivesse feito um discurso parecido com  esse durante a campanha estava eleito sem praticamente disputa. O discurso que fiz foi muito forte e, realmente, despertou uma revolta contra os fatos apresentados pelo Dr. Pedro. 

P- Passado tanto tempo, lembrando desse acontecimento, o que o sr. depreende de uma atitude como essa: ingenuidade política, megalomania , cálculo mal feito?

W-O Dr. Pedro sempre foi um homem ousado. E ele sempre soube se preparar bem  para as oportunidades mais importantes da sua vida política, no sentido de tirar todo o proveito possível. Nesse caso, ele não foi bem sucedido (risos).

P- Fale um pouco sobre o começo do governo?

W- Foi muito difícil. Tive que recorrer aos bancos para pagar os funcionários, uma quantia apreciável, os juros eram altos, o estado se endividava mais e mais, as dívidas - que tinham ficado - eram grandes e depois começamos a trabalhar para fazermos a segunda negociação com o governo federal. Já tinha sido feito uma anterior e agora seria feita a segunda em meu governo. E fizemos uma negociação que elevou essa dívida a uma quantia muito alta para a má situação financeira do estado. 

P- Na época o presidente era o general João Batista Figueiredo. O sr. representava um governo de oposição. Como se deu o relacionamento com o governo federal ?

W- Eu visitei o presidente em Brasília e visitei, em sua casa, em São Paulo, o ministro Delfim Neto, que tinha muita força no governo. A visita ao Presidente da República foi protocolar. Não houve nenhum compromisso. A visita ao Ministro Delfim Neto, ao contrário, foi proveitosa, em que expus a situação do estado e pedi apoio para que ele ajudasse o meu governo. Sem esse apoio, dificilmente o estado poderia sair da crise. E ele me prometeu que tinha informações a meu respeito e que faria com que o estado recebesse recursos em dólares, financiamento externo, e isso ocorreu efetivamente. E eu pude fazer um governo que excedeu as expectativas na área de pavimentação de estrada de rodagens, construção de escolas, no campo da saúde, no campo da segurança, normalizei a vida do estado, nunca houve problemas com o funcionalismo que ganhava vencimentos compatíveis, não havia greves, o professorado colaborava com o governo, recebia um dos melhores salários do País, então, foi um período muito profícuo da administração. 

P- Comparativamente, entre essa fase e a segunda fase do seu segundo governo, que praticamente aconteceu quase a mesma coisa, como por exemplo, negociação de dívidas, situação de dificuldade do estado, como o Sr, compara esses dois períodos?

W- Eu tive no primeiro governo todo o apoio que eu não esperava. Eu tive no segundo governo muitas dificuldades e pouco apoio administrativo. Sob o ponto de vista de recursos eu nada recebi do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Pelo contrário, houve retardamento de repasses de recursos. Devia ter sido enviada ao Congresso a medida provisória que autorizava a repassar ao Mato Grosso do Sul mais uma cota de ICMS, conforme as prescrições da chamada lei Kandir, e essa autorização não foi enviada. Houve retardamento e ficamos aqui numa situação crítica no final do governo. Quando chegou o recurso, chegou na undécima hora  e não foi repassado ao governo. Foi bloqueado por decisão da justiça e isso trouxe dificuldades e, em conseqüência, explorações sem conta  por parte do governo vencedor, do Zeca do PT.  Agora, são tempos diferentes entre os meus dois governos, economias diferentes. A situação do país no tempo do Figueiredo era completamente diversa da do período do Fernando Henrique, que está enfrentando terríveis dificuldades. Figueiredo tinha dólares, os chamados euro-dólares, os bancos estavam sempre oferecendo recursos, não só para a União como aos estados. E era muito fácil obter esses dólares. Já no tempo agora do governo Fernando Henrique a situação ficou muito pior. Ele não está tendo margem para beneficiar os estados. Ele tem muitas dificuldades. Inclusive retirou dos estados uma parte de imposto de ICMS contra a minha vontade, contra a vontade da maioria dos governadores. Ele fazia reuniões, mas quando chegava na questão da reforma tributária, os governadores sempre se mostravam hostis com essa modificação. Eu inclusive e especialmente. Os estados de economia pobre, especialmente de produtos não industrializados, de economia primária, teriam imensas dificuldades, e sem dúvida que nós teríamos que comparecer muitas vezes diante do presidente e das autoridades fazendárias de pires na mão pedindo o que era nosso. Não obstante a nossa posição absolutamente contrária à reforma, ela veio. E não veio com o consenso dos governadores. Veio com o apoio de dois ou três governadores num momento em que nós conhecemos os fatos depois que tinha sido aprovada a medida.

P- O sr. chegou a ter um relacionamento mais estreito com o General Figueiredo?

W- Era só relacionamento protocolar. Nunca fui íntimo dele, nunca tivemos amizade. O nosso relacionamento era somente administrativo, eu estava noutro campo. Mas houve respeito à minha posição. O ministro Delfim Neto sempre foi de uma cordialidade, de uma lisura em relação a mim( ...). Não posso fazer a menor crítica ao seu procedimento. E também sempre foi limpo nas posições que sempre tomou, nas decisões, nunca eu pude perceber que ele tivesse qualquer interesse nos repasses ou nos financiamentos que autorizava para Mato Grosso do Sul. 

P – Nessa época o sr. pertencia ao grupo do deputado Ulisses Guimarães, não é?

W- Sim, claramente. Fui emedebista de primeira hora. 

P- Quais as lembranças que o Sr. tem do Ulisses Guimarães?

W- O Ulisses foi uma figura marcante da vida pública brasileira. Inteligente, preparado, excelente orador, ousado. Ele dava ao partido exemplo de cidadania, de destemor, de coragem; ele era uma figura ímpar. E era muito meu amigo. Fomos contemporâneos na faculdade de direito. Ele foi meu calouro. Embora mais velho que eu, ele entrou na faculdade depois de mim. Eu estava no segundo ano quando ele entrou. Ele começou a fazer política desde essa época, elegendo-se orador do centro acadêmico XI de agosto. E tinha prestígio no tempo dos estudantes. Aprendeu a fazer política entrou cedo para a vida pública. Foi ministro de estado no parlamentarismo e foi político da situação. Ele era do velho PSD. Era amigo do Juscelino, amigo do Tancredo e depois se formou ao lado da oposição. Ele tinha horror à ditadura. Nós fomos realmente amigos na vida pública. Na faculdade, contudo, não tínhamos tido a aproximação que eu tive, por exemplo, com o Jânio.

P- E o Tancredo Neves?

W- O Tancredo eu também conheci no Congresso Nacional. Nós estreitamos relações quando éramos governadores, quando fazíamos as reuniões para a sucessão do general João Batista Figueiredo. 

P- O Tancredo era isso tudo que todos falavam dele: a raposa de Minas etc. ?

W- Ele era muito hábil e sabia conduzir os acontecimentos. Ele era uma figura curiosa. Não sei se você se recorda dos discursos dele naquelas ocasiões em que ele era o candidato das forças de oposição pelas eleições indiretas. Tinha ganhado a eleição e fazia discursos extremamente ousados que contentavam até as esquerdas. Um dia eu perguntei para o Sarney, que o conhecia melhor do que eu, por que o Tancredo está fazendo esses discursos, ele já venceu as eleições, fazendo todas as concessões, que ele não vai pode manter no governo? E o Sarney respondeu: é muito simples, a palavra do Tancredo não vem do coração, vem da garganta ( risos).

P – O Sr. acha que se ele assumisse não teria condições de cumprir toda a agenda que ele havia proposto?

W- Não teria. O País estava em grandes dificuldades. Ele fez muitas concessões. Pelo discurso dele tudo se arrumaria. Ele prometia tudo. A gente sabia que não podia prometer nada. O estado nada tinha. Se não tínhamos recursos para pagar o funcionalismo... e as promessas eram de que se implantariam banco do povo, coisas impossíveis...
    
P- Como o sr. viu a campanha das diretas? O sr. acreditou por algum momento que poderia ser aprovada a emenda Dante de Oliveira?

W- Nós tínhamos esperança de que a emenda seria aprovada. Mas a empolgação dos políticos e da opinião pública levava a acreditar que mesmo que as eleições diretas não fossem aprovadas nós estávamos criando uma realidade nova. O País tinha que sair da situação em que se encontrava. E foi o que aconteceu. Foi a maneira encontrada para sairmos da situação em que estávamos. O que se viu foi a limitação dos poderes da ditadura e, depois, o esgotamento de seus poderes e a entrega da eleição à oposição. 

P- Olhando agora esse período, o sr. tem boas lembranças, vê com bons olhos, apesar de todas as dificuldades?

W- Sim...nós vencemos com Tancredo e, infelizmente, ele não tomou posse. Aqui no estado foi uma época de facilidades financeiras. Apesar da inflação havia recursos para os empresários e para quase todos aqueles que faziam negócios e não viviam exclusivamente de seu salário. Para os assalariados o período foi muito difícil. Esses é que pagavam a conta de tudo. Fazia-se o reajuste salarial no começo do mês, e depois de alguns dias o dinheiro não valia nada. No final do mês perdiam o dobro. Para o governo, por exemplo, não tinha problemas, porque os depósitos nos bancos eram pagos regiamente com juros altos ....

P- Dr. Wilson , dentro desse assunto, deixe-me perguntar algo só a título de resgate histórico, até para sabermos como o sr. avaliava certas questões. No seu primeiro governo, dizia-se que o sr. fez uma composição política para ganhar as eleições que acabou se refletindo na composição de seu governo. E que as pastas mais importantes – Obras , Fazenda etc. – o filé mignon vamos dizer assim, ficou com o grupo do Marcelo Miranda. E que os setores mais penosos foram ocupados por pessoas mais afinadas com sua filosofia de trabalho. O sr. deve ter ouvido essa crítica muitas vezes. Mas como o sr, via essa questão?

W- Realmente, eu ouvia essas colocações críticas, inclusive suas (risos). Acontece que o governo caminhava bem, muito bem. O Secretário de Obras era o Olavo (Vilela de Andrade   ), de fato, amigo do Marcelo, mas também meu amigo. Era um homem de competência comprovada. Conhecia a administração e sabia ser um bom auxiliar, tinha valor. Ajudou muito meu governo. A parte de finanças também foi muito bem. Era confiada ao Thiago (Franco Cançado), que é um homem correto e competente. Tanto que no segundo governo lembrei-me imediatamente dele. Porque me ajudou muito na segunda eleição, quando estávamos fora do governo e juntos pedíamos recursos para a manutenção da campanha. Uma campanha , por sinal, feita com recursos reduzidos. Ganhamos no primeiro turno. Essa foi uma campanha diferente. O primeiro governo foi extremamente fácil porque tinha recursos. Nós nunca deixamos de pagar uma folha de salário fora de época.O que, infelizmente, não ocorreu no segundo governo. 

P- No seu primeiro governo, diferente do segundo, era mais heterogêneo, havia mais correntes políticas antagônicas atuando. Como o sr. enxergava essas divisões e como lidava com elas ?

W- Eu não me recordo que houvesse dificuldades invencíveis. Me dava bem com o Marcelo. Ele me ajudou e eu o ajudei. E havia também, como secretário de governo, uma figura muito hábil , muito competente, que era o Dr. Aldo  Queiroz. Foi um companheiro que prestou serviços inolvidáveis a mim e ao Marcelo. Então, não havia dificuldades que não fossem superadas. E não estávamos também numa corrida para que eu superasse o Marcelo, ou o Marcelo me superasse. Nós tínhamos compostura e sabíamos como agir. 

P- Em determinado momento de seu governo, quando surgiu a necessidade de se formular definições políticas pela própria necessidade de sucessão de poder, em função das próximas eleições para governador, muita gente questionou porque o sr. não buscou no espectro político que o Sr. liderava um nome para ser o candidato da sucessão ao invés do Marcelo Miranda ? 

W- Nessa ocasião, o Marcelo, pelo quadro de governo que havia, e pela influência que ele próprio exercia nos municípios, a candidatura dele surgia espontaneamente. E quando há uma candidatura espontânea é fácil de trabalhar. Foi o que aconteceu. Quando foi homologada a minha candidatura para o senado e do Marcelo para o governo, não houve trauma em nenhum setor dos partidos da coligação. Vencemos novamente. 

P- O sr. considerava que se fosse buscar uma outra alternativa poderia ter havido trauma?

W- Sem dúvida. Houve uma reivindicação de candidatura por parte do Lúdio Coelho. O Lúdio desejava ser candidato e ameaçou uma ruptura e, efetivamente, deixou o partido porque não quis aceitar a sua solicitação para sair-se candidato. Foi ingressar no PTB. E teve uma derrota que ele não esperava. Uma derrota grande. Porque a candidatura do Marcelo estava solidificada. E eu disse a ele: Lúdio, esqueça sua postura de agora; já temos um candidato posto. Ele está aceito pelas bases do partido, aguarde a sua vez e você será candidato posteriormente. Mas ele não teve paciência. E nos deixou. 

P- O sr. acreditava que, numa próxima rodada, ele poderia ter logrado êxito?

W- Eu acredito que sim. Ele era um nome forte. Tinha sido prefeito de Campo Grande, apesar de que, no primeiro período, não tenha ido bem e eu dei-lhe uma ajuda substancial, com apoio de amigos e empresas que puderam executar obras  para a prefeitura de Campo Grande. Como isso, ele recuperou a força eleitoral, a popularidade. Tinha inicialmente tomado uma vaia aqui no comício das diretas e, posteriormente, ele se tornou um dos ídolos da população, a ponto de, nas eleições diretas, sagrar-se pelas urnas como candidato vencedor.

P – O sr. se decepcionou demais com o governo do Marcelo Miranda? O sr. imaginou que seria aquele desastre que foi?

W- Houve erros...houve erros especialmente na parte do manejo das finanças. No aumento doidivanas de salário de funcionalismo; ele concedeu e depois não pode pagar, e atrasou os pagamentos, e acabou tendo que deixar a própria sede do governo e terminar os seus dias governando em sua própria residência. Um desastre...

P- Houve uma desarticulação do governo com objetivos muito específicos...o sr. foi alijado naquele processo, o sr. acabou com uma voz isolada naqueles momentos?

W- No fim da administração do Marcelo eu me senti isolado e sem voz. Tanto que ele começou a fazer os primeiros contatos e trabalhar na sucessão sem me ouvir. A mim e ao meu grupo. E foi dentro desse quadro de alijamento que eu e um grupo de amigos passamos para o PSDB. Aí, devo dizer a bem da verdade, que o Dr. Ulisses (Guimarães) me chamou em Brasília e me disse que tinha havido um entendimento por parte do governo do estado aqui e queriam me fazer candidato ao governo, para que eu reconsiderasse e voltasse  ao ninho antigo. 

P- O sr. considerou essa hipótese?

W- Preferi não voltar, embora o meu desejo fosse sempre estar com meus amigos do PMDB. Mas não voltei. E eles acabaram não podendo lançar candidato ao governo. O PSDB lançou a candidatura do Gandhi Jamil. E o PMDB lançou a candidatura do Juvêncio para o Senado. Foi feita uma aliança. 

P- Nessa eleição, sua filha Celina foi candidata a vice-governadora...Mas parece que houve um determinado momento que o Gandhi estava disposto a retirar sua candidatura em seu favor e o sr. assumiria o processo. Houve realmente essa articulação  ?.

W- O Gandhi chegou a me pedir que aceitasse a candidatura porque ele estava numa situação muito difícil. Isso já com a campanha em curso. Eu considerava a possibilidade de aceitar. Mas em seguida ele recobrou forças e prosseguiu na sua luta. 

P- Ele recuou por qual motivo?

W- Ele teve dificuldades de toda a ordem. De ordem financeira (....) não conheço exatamente em detalhes (...) sei que houve  esse fato e esse convite. 

P- Na época, lembro-me de ter ouvido diagnósticos dando conta de que se o Sr. fosse candidato teria chances de vencer as eleições contra Pedro Pedrossian. Inclusive até ele (Pedro) achava isso. O sr. quando analisa a sua carreira política não se sente frustrado por não ter tido essa chance: defrontar frente a frente com seu principal adversário político ?

W- Nessa ocasião teria sido possível porque eu estava disposto a enfrentá-lo. Havia um movimento interno no PMDB que queria isso. E o PSDB também queria isso. Mas não ocorreu. 

P- O sr. gostaria de ter vivido esse enfrentamento, intimamente falando?

W- (risos) Não deixaria de ter sido interessante (...). Mas o que houve de pior nessa época foi que na convenção do PSDB, preparada pelos meus amigos, eu tive a tristeza de perder a amizade de meu irmão Plínio (Barbosa Martins). Sempre fomos companheiros, muito amigos, muito próximos, e ele não admitia a candidatura Gandhi. E quando eu cheguei de Brasília aqui para a convenção, a candidatura Gandhi estava colocada em termos inarredáveis. Porque todos os amigos tinham perfilhado nessa idéia. Inclusive minha filha estava colocada como vice. Eu estava numa situação muito difícil. Fiz um discurso procurando conciliar ambas as partes. Dizia eu que já que o partido tinha caminhado naquela direção, na direção da candidatura Gandhi, e que havia opositores, entre eles o meu irmão Plínio, deixássemos que os companheiros decidissem e a decisão seria respeitada por todos. Declarava o meu voto em favor do candidato Saulo Queiroz. Que era o candidato oficial do PSDB. Tomei essa decisão para o fortalecimento do PSDB e para não ter um choque com meus companheiros, especialmente com o Plínio. 

P- Qual era a objeção do Dr. Plínio à candidatura Gandhi?

W- Ele tinha todas as objeções. Inclusive objeções de ordem pessoal. Ele tinha inimizade com a família do Gandhi. 

P- Custou muito para o sr. a decisão de apoiar o Gandhi e romper a relação com o Dr. Plínio?


W- Custou muito. O rompimento com meu irmão foi para mim um dos episódios mais dolorosos da minha vida política. Somente antes de dele operar-se nos reconciliamos. Não que eu não quisesse. Ele não queria. Procurei-o, mas ele sempre se mostrou ressentido. Finalmente, quando ele estava em São Paulo para ser operado novamente da aorta, já que a primeira operação estava em processo de ruptura, conversamos e nos reconciliamos...A política afasta amigos e até irmãos. E aproxima inimigos e até irmãos. 


( Continua...)