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Entrevista exclusiva (4) 100 anos: Wilson contra a ditadura e a cassação de seus direitos políticos



“A gente se decepciona muito com os homens, se alegra muito com outros, mas tem que tocar a vida, e
 quem entra para a vida pública tem que estar preparado para ocupar o poder, para desocupá-lo, para ser ovacionado e para ser vaiado. Isso faz parte do jogo”.

Nesta quarta entrevista, Wilson B. Martins fala de seu papel como educador, relata suas relações políticas, lembra sua cassação pelo ato AI-5, conta como conheceu Plínio Rocha e mostra como a perseguição política o atingiu no dia a dia.

Wilson lembra o começo de sua relação com Pedro Pedrossian, desmente que houve da parte dele conspiração para cassá-lo e fala da criação de Mato Grosso do Sul

No final, Wilson recorda como se deu as articulação de bastidores que o levaram a ser o primeiro governador eleito do Estado, depois da desistência de seu irmão Plínio em disputar as eleições diretas no alvorecer da redemocratização do País. 


Tema da entrevista realizada em 27 de maio de 1999: a Cassação e a Candidatura ao Governo de MS


P – Dr. Wilson , analisando a última entrevista, acabei me lembrando que o sr. também já atuou como educador, já foi professor e um dos proprietários do colégio Oswaldo Cruz. O sr. poderia relatar um pouco essa experiência ?

W- Quando cheguei de São Paulo, encontrei-me aqui com o meu antigo colega e amigo José Fragelli. Ele exercia o cargo de promotor. Mas queria associar-se comigo para, juntos, dirigirmos um colégio. E me falou no Oswaldo Cruz, que pertencia ao professor Enzo Ciantelli , cuja mulher,  dona Hilda, também colaborava no colégio. Eles tinham inicialmente a escola Ativa, aqui em Campo grande. E adquiriram o Osvaldo Cruz , que já tinha sido fundado pelo professor Henrique Corrêa. Isso lá pelo ano de 1926. E eu e o Fragelli acabamos adquirindo o colégio. Apenas os cursos ministrados no prédio onde funcionava o Osvaldo Cruz, que era ali no início da avenida Schor, esse nome está ligado ao nome do engenheiro que veio fazer os estudos da Noroeste e que prestou muitos serviços ao estado. Compramos o colégio do professor Enzo Ciantelli. Ficamos com ele cerca de quatro anos. Nós dois, eu e o Fragelli, éramos os diretores. Ele do curso ginasial e eu do curso comercial. O colégio tinha boa aceitação a essa época na sociedade Campo-grandense. Tinha cursos noturnos e oferecia vários outros cursos para os alunos. Na verdade, nós ambos prestávamos serviços nas duas áreas. Na ginasial e na comercial. Eu lecionava história geral e história do Brasil; o Fragelli lecionava francês; eu lecionava direito comercial e processual no curso de comércio; e o Fragelli também lecionava no curso de comércio, na área de direito. Nosso Secretário era Agostinho Bacha, pai do Ricardo Bacha. Um homem de bom caráter e competente, rigoroso consigo próprio e com os demais. Era muito nosso amigo. Posteriormente esteve ligado ao grupo que me deu cerrado combate aqui pelas minhas posições no período em que fui prefeito. Atacava as minhas posições consideradas de esquerda. E era muito amigo do Fragelli, continuou amigo dele, porque eu e o Fragelli divergíamos politicamente(...)Fragelli ficou amigo do Filinto, que foi indicado inclusive pelo Filinto para ser Governador e eu continuei na minha velha posição, mais progressista.

P- Essas divergências políticas interferiam nos relacionamentos pessoais?

W- Nós sempre fomos amigos, mas sem dúvida de que, nesse período, os nossos encontros se tornaram menos freqüente. A comunhão de idéias e de pensamentos deixou de existir. Mas posteriormente nos reencontramos e ele voltou a me apoiar quando fui candidato ao governo, nas duas vezes. Após a minha saída do governo ele me visitou. Então temos uma relação de cordialidade e de respeito ao velho companheirismo e à velha estima que sempre nos uniu. Mas voltemos ao colégio(...).O colégio Oswaldo cruz não era um estabelecimento que dava lucro. Havia uma taxa de fiscalização alta que se devia pagar anualmente ao governo federal , ao ministério de educação. Havia folha de pagamento, havia, enfim, encargos outros e nós levávamos com rigor e nosso objetivo era servir a cidade: chegamos a adquirir um terrenos na rua 26 de agosto de boas dimensões, onde hoje está instalado o colégio Mace, para ali construirmos um edifício moderno, que pudesse marcar nossa contribuição nessa área. Procuramos arquitetos, fizemos plantas e, com orçamento nas mãos, tentamos obter um financiamento na rede bancária. Mas na época, os financiamentos eram muito difíceis. Nós tínhamos para nos ajudar o apoio do pai do Fragelli, que era um homem muito bem conceituado, Dr. Nicolau Fragelli, e que estava pronto a avalizar ; e do meu lado, nós podíamos contar com o apoio do Vespasiano. Mas, debalde, para mostrar as dificuldades do tempo, não havia condições de se comprar um automóvel novo através de financiamento. Eu , já advogado, casado , com filhos, comprei um carro velho, mandei reformar para poder me locomover. Era difícil a vida, rapaz, muito mais difícil do que hoje. Então não pudemos levar avante nosso projeto. E restituímos o dinheiro que tínhamos levantado para comprar um imóvel na rua 26, se não me enganos era da ordem de 150 mil cruzeiros (?), devolvemos essa quantia a meu avô, que tinha sido o financiador, com juros de 1% ao mês. E partilhamos esse imóvel, que foi vendido(...).Então, o nosso propósito de dotar a cidade de um moderno colégio foi abandonada e o Osvaldo Cruz até hoje não conseguiu sair do que era. Essa experiência me ensinou que a educação é o primeiro dos problemas brasileiros. Na raiz de tudo está a educação. 

P- Uma vez a Celina ª{Jallad, filha de Wilson já falecida} me contou que vem daí, do Osvaldo Cruz, o relacionamento do sr. com o Dr. Plínio Rocha ...

W- Sim, conheci o Plínio Rocha { foi seu Chefe de Governo} no colégio. Ele era meu aluno. Certa ocasião eu o vi do lado de fora do colégio assistindo aula pela janela e eu me aproximei e perguntei por que ele estava ali e não dentro da classe. Eu o conhecia como aluno sem ter um contato mais profundo com ele nem com a família. E ele me disse que tinha sido suspenso. Ele tinha aprontado lá qualquer perturbação e o professor o suspendeu. Eu chamei a diretoria, conversei com o professor que tinha imposto a pena e obtive que ele retornasse a aula...

P- Essa postura, de estar do lado de fora assistindo aula, comoveu o sr.?

W- Sim, achei que ele procurava se informar o que ocorria nas aulas  e estava preocupado em não perder as aulas. E esse foi o primeiro fato que nos aproximou. Posteriormente, chamei- o para trabalhar comigo no escritório de advocacia. Ele era datilógrafo e me prestou excelente ajuda. Ele era um bom companheiro. Determinada ocasião, ele me comunicou que tinha cancelada a matrícula. Perguntei a razão e ele disse que não podia pagar o colégio. E então eu disse, não, retome os seus estudos e quanto à mensalidade a gente vê o que pode fazer. E ele prosseguiu os estudos. Tirou o seu curso de ginásio e formou-se depois num curso de contador, contabilidade. Continuava trabalhando no meu escritório. Surgiu uma lei do governo federal permitindo que aqueles que tivessem um curso de contabilidade poderiam pleitear um ingresso no curso jurídico, mediante exame vestibular. E eu e ele acertamos que ele iria ao Rio (de Janeiro) e faria esse exame. Ele foi e passou. Depois seguiu seus estudos, obteve colocação no Rio e concluiu o seu curso . Depois voltou para Campo grande e retomou o trabalho em meu escritório. Aí como meu colega. Assim estivemos desde a adolescência dele ligados até hoje.

P- Bem, agora vamos voltar ao tema que propusemos na entrevista passada, que se trata do processo de cassação e suspensão de seus direitos políticos em 69. Como isso aconteceu Dr. Wilson ? Qual é a cronologia dessa história?

W- Quando sobreveio a revolução militar, que depôs o Presidente João Goulart, e fechou o Congresso Nacional, em 64, foi cassada uma leva de parlamentares. Eu não fui atingido. Aqueles que estavam no parlamento, fazendo oposição ao governo, mas com uma conduta moderada, sobrevivemos. Sobreveio então o AI-5, em dezembro de 68, determinado por um discurso feito pelo Deputado Márcio Moreira Alves, criticando os militares, num artigo mal inspirado e sem nenhuma amplitude e sem nenhuma razoabilidade. No processo de cassação que correu pela Câmara dos Deputados e que passou, obrigatoriamente, pela comissão de Constituição e Justiça, a qual eu pertencia, tive oportunidade de cerrar fileira com os meus companheiros de credo e de partido. Eram eles: Ulisses Guimarães, Pedroso Horta e tantos outros. A Comissão de Constituição e Justiça era presidida pelo Deputado Djalma Marinho. O relator era um membro da ARENA, como da ARENA era também o Deputado Djalma Marinho. Mas o governo fazia pressão sobre seus parlamentares para que adotassem a posição que satisfizesse o meio militar. E o Djalma Marinho, como presidente, reagiu ao processo da cassação como nós outros de alguns partidos, não só do MDB como de outros partidos. O discurso que ele ( Márcio) fez era um discurso de mau gosto, mas era um discurso que tinha assento na Constituição federal, que permitia a liberdade de opinião, de palavra e de voto, e a cassação atingia frontalmente esse dispositivo e esse princípio. A Comissão de Constituição e Justiça passou a ser o organismo principal da equação nesse momento. Cresceu muito de influência. O Governo substituía o partido do governo, a ARENA, que substituía os membros que porventura divergissem. Vários parlamentares foram destituídos de suas funções dessa comissão na Câmara. Tudo isso trazia ainda uma nota do arrocho do período. Da incompreensão e da irracionalidade do processo. A Comissão acabou desaprovando a proposta. E o projeto foi para o plenário. No plenário estabeleceu-se uma grande discussão. Profunda discussão. Que era levada à opinião pública e trazida novamente com a reação da sociedade brasileira. Eu estive na linha de frente, combatendo a proposta do Governo, tanto na comissão de justiça como no plenário. Ao lado de Mário Covas e de outras lideranças democráticas que muitas das quais nesse momento estavam dentro do MDB. Finalmente a Câmara, sentindo o pulsar o pensamento nacional, repeliu a proposta de cassação do deputado Márcio Moreira Alves. E o resultado disso não se fez esperar: foi o fechamento da Câmara e o advento do AI-5, com todas as suas conseqüências. Aqui no estado eu já tinha forte oposição, não apenas das agremiações adversárias, tinha dentro de meu próprio partido de elementos que não seguiam as minhas idéias, que achavam que eu me excedia, dentro do MDB. Um dos primeiros a sofrer a punição, com o advento do AI-5 , foi o Mário Covas, que era nosso líder na Câmara. Caiu também Martinho Rodrigues, uma bela liderança do Ceará e assim foram outras. Os Deputados mais iminentes da ocasião, pertencentes à oposição, foram punidos. Eu vim para o estado, aqui passei o natal, o fim de ano, e me sentia sem compreender as verdadeiras intenções do Governo Federal. Não podia me render às propostas e ao fio de pensamento da ditadura que se instalou no País. 

P- O Sr. sofria pressões?

W- Sim, sofria pressões. 

P – Como essas pressões se davam?

W- Eu comparecia a uma solenidade, por exemplo, aqui na minha cidade, e não era cumprimentado pelos militares. Tinha a desaprovação daqueles que representavam a facção governamental. Havia uma hostilização forte e, evidente, pessoal. E ao mesmo tempo eu sabia que daqui de Campo grande, onde se organizou a falange que se opunha à minha permanência na vida pública, daqui de Campo grande partiam várias solicitações para minha cassação(...).Era um processo organizado.

P- Não havia também interesses regionais em jogo, com políticos preocupados que o sr. viesse a ser candidato a Governador e vencer? 

W- Sim, ao mesmo tempo em que havia aqueles que se opunham a mim e não queriam a minha presença na vida pública, queriam que eu fosse cassado, havia também manifestações de simpatia. Aqueles que entendiam que eu estava certo, que não podia comungar com a ditadura, e eu sobrevivi de 64 até 69, sendo combatido a todo instante.

P- ...no olho do furacão...

W- Até que em 10 de fevereiro de 1969 fui cassado numa outra relação de parlamentares cujos nomes apareceram no Diário Oficial.

P- Comenta-se muito de um famoso discurso que o sr. fez , o qual teria sido a peça decisiva da cassação...

W- Talvez tenha sido o discurso que eu proferi quando compareci, com outros parlamentares, a reunião Inter-parlamentar do Peru, em Lima, quando eu expus a situação da juventude brasileira. Isso foi em 68. Eu falei nessa reunião (e falei em espanhol porque não se podia falar em português nessas reuniões inter-parlamentares, ou se era em Francês, Inglês ou Espanhol).Eu falei espanhol. Certamente o discurso que proferi, que não era nada agressivo na sua linguagem, mas era duro na sua crítica, penetrou fundo no sentimento e nos brios dos militares. É possível que resida nisso e na insistência da oposição regional que pleiteava a minha cassação é possível que isso tenha convergido e resultado na suspensão de meus direitos políticos por dez anos e na cassação de meu mandato. 

P- Uma determinada ocasião, eu perguntei, num grupo de jornalistas aqui de Campo grande, ou melhor, eu tive uma informação de que no decorrer desse processo estaria a origem da divergência histórica, que se mantém até hoje, com o ex-governador Pedro Pedrossian. Comenta-se que ele teria sido um conspirador ou trabalhado para sua cassação porque ele não o queria sucessor dele. Isso é verdade?

W- Não, não creio nisso. Não creio que partisse daí(...). Essa é uma especulação improvável.  Não sei bem o que determinou a divergência entre mim e ele. Na verdade, quando ele foi demitido da Noroeste, a bem do serviço público, estivemos juntos. Tínhamos relações. Foi somente depois que ele entrou para a vida pública, se tornando governador, que as divergências se acentuaram

P- O sr. apoiou o Lúdio Coelho?

W- Apoiei o Lúdio em obediência aos ditames de nosso partido, a UDN. Foi já no período em que ele (Pedrossian) era governador que começaram a aparecer as minhas críticas. Eu era deputado. E nunca nos entendemos. Ele chegou, inclusive, mais, bem depois, a me convidar, numa mesa em que estávamos sentados na base aérea, para fazermos um acertamento na política do Estado(...).Eu não tive o que lhe dizer. 

P- Não respondeu nada?

W- Não. Nunca concordei com a sua forma de governar. Foi isso que sempre me fez ser um oposicionista ao seu governo.

P- O sr. não tem qualquer informação de que ele teria influído no seu processo de cassação?

W- Não, não tenho. Recordo-me das manifestações e do silêncio mantido por alguns dos nossos políticos. Silêncio mantido pelo Dr. Fernando (Correia da Costa), que pertencia ao meu partido, silêncio mantido pelo Dr. Ito, que tinha sido meu colega na Câmara federal, e de quem eu era amigo também. Silêncio este que não foi mantido pelo Dr. José Fragelli, que me passou tão logo saiu o decreto de cassação um telegrama de solidariedade. Guardei esse telegrama. Recebi do senador Filinto Müller uma carta muito habilidosa, muito bem estudada, na qual ele falava que não havia como comentar os atos da revolução, mas que, pessoalmente, estava aberto a me acolher para qualquer conversação. 

P- O sr. também guardou essa carta?

W- Sim. Recebi uma carta do governador João Ponce de Arruda. Essa uma carta diferente. Uma carta de um homem franco, cordial, como realmente era João Ponce. Divergindo de minha cassação, me dando solidariedade e não procurando abrigar-se em nenhuma frase bem colocada para para ficar de bem com meus algozes. 

P- Em tempos normais, havia muita divergência política entre os senhores?

W- Sim, divergíamos, mas éramos pessoas que nos respeitávamos que, inclusive, tínhamos estima um pelo outro. 

P- Um político em ascensão como o sr., que é cassado e tem os direitos políticos suspensos, esses fatos lhe causaram muita dor ?

W- Não tinha mais sentido o meu retorno ao Congresso como deputado. Porque tinha sido violada a constituição. Tinha sido implantada no País uma ditadura; meus companheiros estavam alijados dos seus postos, o que me restava fazer na Câmara dos Deputados?  Eu estaria andando pelos corredores, estaria despachando no meu gabinete, humilhado pelos cantos. Não dava. Eu acho que o desfecho natural seria esse mesmo,  ainda mais para um homem de bem. E ela veio. Foi uma maneira para não aumentar a minha desaprovação à revolução. Foi uma maneira como eu me senti agasalhado junto aos meus companheiros. 

P- Depois da cassação, como passou a ser a vida?

W- Permaneci aqui no estado, transferi os meus livros, mudei a minha residência para Campo Grande, e voltei para o meu escritório. Prossegui o trabalho como advogado. 

P – O sr. não teve, em nenhum momento, de 69 até 79, quando se encerrou o processo de cassação, nenhuma atuação política, nenhuma articulação de bastidor ?

W- Não, eu permaneci fiel ao MDB, mas não tinha como desenvolver atividades políticas. Os elementos cassados eram muito vigiados. E ficaram destroçados naquele período. Não podíamos comparecer a reuniões, sequer tomar financiamento em estabelecimentos oficiais, não pude dar aulas na faculdade de direito dos padres salesianos, que chegaram a me convidar e depois desconvidar. 

P- Como isso repercutia na sua vida, no dia a dia, o afastamento de pessoas, de clientes etc.?

W- A gente vê muita coisa numa situação como essa. A gente se decepciona muito com os homens, se alegra muito com outros, mas tem que tocar a vida e quem entra para a vida pública tem que estar preparado para ocupar o poder, para desocupá-lo, para ser ovacionado e para ser vaiado. Isso faz parte do jogo.

P- Avançando um pouco na década de 70, no processo de luta pela divisão de Mato Grosso, o sr.  teve alguma participação ?

W- Eu sempre estive ao lado da divisão de Mato Grosso. Agora, no período em que veio a divisão, 77, na qual ela foi efetivada pelo Governo Geisel, eu estava ausente, porque cassado. E os cassados não tinham vez nem voz. Então não participei. E nem houve aí um período de conclamação partidária: tudo era feito com a participação restrita daqueles apoiavam o governo. 

P- Nem para fazer alguma formulação, dar uma opinião sobre determinadas circunstância?

W- Nunca fui chamado para nada. O estado foi criado em 77, com o decreto da a autonomia, através de uma lei complementar, e o estado foi implantado pelo governo em 1979. Então, nestes dois anos, ficaram preparando a legislação, preparando, enfim, o governo que viria posteriormente. Veio o Governo com o Dr. Harry Amorin Costa, diante da dificuldade de se articular um político do Estado...

P – O Sr. considerou que  foi infeliz essa ideia do Geisel de nomear o Harry Amorin Costa?

W- Pessoalmente o Harry era um homem bom. Era um homem correto, mas Mato Grosso do Sul  já foi criado com práticas e num estilo diverso daquela pobreza e daquela discrição que reinava entre nós. Logo depois da instalação do governo víamos carros oficiais carregando todo mundo, salários muito altos, incompatíveis com a média do tempo, distorções estruturais... 

P- Mas,Dr. Wilson, na década de 70, o sr. estava cassado, não tinha direitos políticos, mas analisava e enxergava as coisas que se passavam. Quais avaliações que o Ssr. faz dessa década?

W- Esse período do regime militar trouxe para o País um endividamento muito grande. O estado também não foi muito feliz na condução de seus negócios. Havia divergência partidária não permitiu que o Harry prosseguisse na administração. Ele foi criticado e removido do cargo. No seu lugar entrou o Marcelo Miranda, inicialmente, e este também não conseguiu equilibrar-se, até que chegou o próprio Dr. Pedro, o chefe do partido oficial aqui. Trazido por quem poderia lhe dar respaldo, o Golbery {do Couto e Silva}.

P- Mas na década de setenta houve um período de realização de grandes obras, que, dentro do modelo militar, representava de certa forma algum tipo de desenvolvimento econômico...

W- Mas isso custou muito caro para o País; o endividamento que a revolução trouxe para o País não encontra contrapartida no crescimento do Estado. É incompatível. Os projetos todos da revolução deixaram um monumento enorme, que é a dívida externa do País. 

P – Depois  que se efetivou a divisão de Mato Grosso em 77, já se sabia que, em 79, seria implantado o Mato Grosso do Sul, e já nesse período, paralelamente, começa também haver as primeiras lufadas de abertura política e a possibilidade de, dentro da chamada abertura lenta e gradual, o sr. começou a alimentar o desejo de voltar à vida pública?

W- Não, eu estava advogando e não estava confabulando, e nem pensava que voltaria à vida pública. Não tinha projeto de retorno. Quem se fortaleceu nesse período pela sua atuação como vereador e como prefeito de Campo Grande e pelas campanhas em que atuou e os cargos que exerceu foi o meu irmão Plínio. O Plínio era o candidato mais forte da oposição ao militarismo. Você ouvia no partido e ouvia nas ruas que a oposição um único nome para vencer: Dr. Plínio Barbosa Martins.

P- Essa era também a sua opinião?

W- Eu também achava isso. Esse não só era o meu pensamento como era do Marcelo Miranda, do Rachid (Saldanha Derzi), do João Leite Schimidt, do José Fragelli e dos políticos que compunham não mais o MDB apenas, mas que compunham já o PMDB, que tinha sido formado com a aglutinação do MDB com o PP, do Tancredo Neves. Então começamos a buscar o apoio do Plínio para disputar as eleições como candidato ao governo, sucedendo o Dr. Pedro Pedrossian, contra o José Elias Moreira, que tinha sido apontado pelo cargo que exercia como prefeito de Dourados, para Governador.  

P- Pedrossian sempre foi infeliz nas suas indicações, sempre errou ...

W- Sim, sempre errou... Chegamos nesta sala a nos reunirmos para conversar com Plínio e procurar seduzi-lo para essa disputa. Ele sempre achava que era difícil, que não tinha condições, nem ele queria, nem dona Ruth, a mulher dele, ele sempre fugia dos nossos assédios. Não se deixava envolver. Num determinado dia, porém, ele me perguntou o que eu achava. Ele colocava as dificuldades de fazer uma boa gestão, de contar com recursos, de ter quadros, ele fazia essas objeções que qualquer candidato faz antes de partir. Quando ele me perguntou eu disse: não, eu acho que é viável a sua candidatura, você é o melhor candidato, tem condições como qualquer um de nós de montar e fazer um bom governo. E você está bafejado pela aura popular. Você é o nome que se ouve em toda a parte, eu disse. E ele chegou a dar demonstrações de que aceitaria. Saímos dessa reunião contentes, mas ainda cautelosos, porque a palavra dele ainda não tinha sido definitiva. Tanto que, na manhã seguinte, cedo ele me procurou em casa, e disse: Wilson , conversei com a minha mulher, meditamos profundamente sobre a proposta de minha candidatura e resolvemos que não vou ser candidato. Você me ajude e me tire disso que não posso aceitar. De maneira taxativa e definitiva. Eu procurei as pessoas, os três ou quatro que tinham ouvido o Plínio no dia anterior, dei-lhes conhecimento da resolução que ele me trouxe. Então, veja, não tínhamos candidato. 

P- Agora, Dr. Wilson, me diga: um homem que, conscientemente, sabia do prestígio popular que tinha, sabendo que sua eleição não era líquida e certa, mas era muito provável, mais do que provável, ou seja, ele tinha praticamente o poder nas mãos, e não aceitar isso, não é muito estranho?

W – Ele certamente analisava alguns problemas, sob todos os ângulos: problema financeiro, problema de relacionamento com a família, as dificuldades que a vida pública trás para qualquer cidadão(...).E entendeu que preferia continuar sua carreira de advogado, ou, simplesmente,  disputando cargos menos absorventes  - como aceitou - e foi deputado federal, foi candidato ao senado, antes foi prefeito , vereador ...Então o partido passou a procurar outro candidato. E aí surgiu o meu nome . Eu tinha superado o prazo da cassação  e a suspensão dos direitos políticos, ocupado através de eleição o cargo de presidente da OAB, seccional de Mato Grosso do Sul, enfim, era uma opção...

P – Esse cargo na OAB lhe deu muita visibilidade, não é?

W- Sim, ele me trouxe novamente à cena. A questão da luta pela democracia, a restauração da legalidade, luta pelos direitos humanos...

P- Essa ida do senhor para o OAB foi articulada pelas esquerdas com se diz?

W- Eu fui convidado por um grupo de advogados, entre os quais se encontravam muitos da esquerda. Aceitei esse cargo e fizemos a instalação da Seccional. Fui o primeiro presidente da Ordem do estado. Fizemos uma gestão proveitosa, adquirindo o prédio onde se instalou a seccional na rua José Santiago, em seguida veio a Caixa dos Advogados, e havia uma instituição, enfim, que lutava pelos direitos políticos. Nessa época a Ordem estava em plena luta contra o arbítrio. Contra a força da ditadura. Assim é que havia uma colocação do meu nome para ocupar o cargo de Governador. E foi crescendo. Uma vez que o Plínio não aceitou. E uma vez que não havia também nomes no momento que pudessem superar o meu em perspectiva de vitória, o caldo engrossou. 

P- O sr. deve ter conhecimento de que para esse fato existem várias versões. E a versão mais em voga era a de que o Dr. Plínio teria abdicado de sua candidatura em deferência ao irmão mais velho, uma questão de acordo familiar. O que o Sr. acha dessa versão que sempre colocam quando se trata desse assunto? Ela é verdadeira?

W- Não, não houve nada disso. O Plínio tinha por mim - e eu por ele - um grande apreço, um grande respeito, trabalhamos sempre juntos neste escritório, sempre fomos amigos cordiais, companheiros de recíproca confiança um pelo outro. Mas nenhuma conversa desse naipe ocorreu entre nós. Ele deixou de disputar a eleição porque realmente não desejava ser candidato ao governo. 

P- A que o sr. atribui essa interpretação?

W- Isso de certa forma respaldava a nossa amizade fraterna e talvez pudesse satisfazer o pensamento de algum companheiro que entendia que eu tinha sido injustiçado e ele estaria solidário com o desejo de fazer uma reparação. Deve ter surgido daí essa interpretação. 

(Continua)